Faltando pouco mais de 100 dias para o primeiro jogo da Copa, o blog inaugura uma subseção sobre as seleções que estarão no Brasil em 2014. Funcionará sem qualquer critério e de forma saudavelmente anárquica. Sem critério porque não haverá lógica na publicação dos posts – nem ordem alfabética, nem divisão por grupos, nada. E de forma anárquica porque um azarão pode ser contemplado com um post só para ele, enquanto dois bichos-papões talvez apareçam no mesmo texto. Além disso, também não há periodicidade definida. Numa semana podemos publicar dois ou mais posts sobre o assunto, para depois passar quinze dias sem voltar a ele, já que as outras coisas que estiverem rolando no futibinha continuarão aparecendo por aqui. A ideia é que até 12 de junho a gente consiga montar um despretensioso painel sobre as 32 seleções da Copa, incluindo alguns palpites que certamente serão humilhados pela realidade dos jogos – o que sempre ocorre com todos os que se metem a fazer prognósticos no futebol.
Para comprovar a falta de critério e a saudável anarquia, vamos começar pela seleção do Chile.
Era uma terça-feira de novembro de 2013. Cheguei tarde do trabalho, tomei um banho rápido e me acomodei no sofá da sala, acompanhado de um sanduíche de queijo e alguns exemplares de Stella long neck. A ideia era assistir a Brasil x Chile, partida estranhamente realizada em Toronto.
Não gosto de amistosos, mas com a nossa seleção dispensada das eliminatórias por fazer as honras da casa, o último ano exigiu sacrifícios. O jogo já tinha começado e, no exato instante em que eu dava o primeiro gole, Galvão Bueno informava que muita gente considera essa a melhor seleção chilena de todos os tempos.
Meu interesse aumentou. Só que aí a bola sobrou no lado direito do nosso ataque e foi dominada pela ilustre figura de Marcos González. O mesmo zagueiro que, com sua velocidade de cágado, sempre que entra em campo transforma a defesa do Flamengo numa convidativa avenida. Pensei: isso não pode dar certo. Poucos minutos depois, González entregou uma saída de bola nos pés de Oscar, que iniciou a jogada do gol de Hulk.
Competência é fundamental, mas no futebol a sorte também ajuda. Há uma frase de Nelson Rodrigues sobre sorte e chicabom que eu já vi reproduzida de diferentes maneiras, e é possível até que o próprio Nelson a tenha usado com algumas adaptações. Uma das versões diz que um homem sem sorte não pode sequer chupar um chicabom, pois é capaz de morrer engasgado com o palito. Outra diz que o homem sem sorte é aquele que atravessa uma rua movimentada se livrando dos carros com habilidade, mas, ao chegar na calçada, morre atropelado por uma carrocinha de chicabom. Qualquer que seja a frase certa, ou ambas, o fato é que o chicabom do sorteio dos grupos ficou indigesto para o Chile, que caiu na mesma chave de Espanha e Holanda.
O Chile tem o Vargas, que não fez muito sucesso no Grêmio mas é bom atacante, tem o Alexis Sánchez, que é perigoso, e tem o competente treinador argentino Jorge Sampaoli, que por dois ou três anos deixou a Universidad de Chile na lista dos melhores times das Américas e chegou a ser sondado por clubes brasileiros. Os times de Sampaoli são organizados, compactos e rápidos, mas há coisas que técnico algum consegue. Como, por exemplo, transformar o Valdívia num jogador consequente. Nesse amistoso com o Brasil, ele ficou no banco, entrou no início do segundo tempo e saiu aos 16 minutos. Machucado, claro. Dê espaço para o Valdívia e você terá um camisa dez criativo e cheio de graça; faça marcação firme sobre ele, acabou Valdívia. A boa notícia, para Sampaoli, é que Espanha e Holanda têm mais o que fazer do que se preocupar com o meia palmeirense.
Por mais simpatia que a gente tenha pelo país onde nasceram o baixista do Slayer, Tom Araya (você sabia?), e os articulados ex-jogadores Caszely e Véliz (não deixe de assistir ao ótimo documentário Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor, de Lúcio de Castro), não acredito que a seleção chilena escape do destino que a espera logo após o jogo com a Holanda, dia 23 de junho no Itaquerão: dirigir-se ao aeroporto de Cumbica e partir para uns bons dias de férias no Rio. Cidade onde, dizem, o chicabom está saindo por algo entre quinze e vinte reais.