Cesar Maia preparava-se para deixar sua sala na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no Centro da cidade. Alertado por um assessor de que a sessão plenária começaria em breve, ele se levantou e ajustou a camisa para dentro da calça, sem parar de falar. Já de pé, foi assertivo na última frase antes de encerrar a entrevista: “Não acredito que Rodrigo Maia assuma a Presidência da República, e torço para que isso não aconteça.” Minutos antes, o ex-prefeito do Rio e hoje vereador em segundo mandato pelo Democratas reprovara, com a mesma veemência, uma eventual candidatura do prefeito tucano de São Paulo, João Doria, à Presidência da República pelo seu partido. “Se ele se filiar, está bom, é prefeito de São Paulo. Agora, se lançar candidato a presidente pelo DEM, um partido que tem tradição de políticos seniores, essa hipótese, por parte do partido, nunca existiu.” Entre os apresentadores de televisão aventados como candidatos ao Planalto em 2018, ele já tem um preferido: Luciano Huck, um “nome mais forte” do que o do prefeito paulistano.
Eram quatro da tarde de terça-feira, 17 de outubro, dia calorento no Rio – e igualmente quente em Brasília. Pela manhã, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, definiu que o Senado adotasse o voto aberto para decidir se manteria o afastamento de Aécio Neves, determinado pela Primeira Turma da Corte. A sessão que selaria o destino imediato do senador tucano estava marcada para o fim do dia. O Congresso Nacional também vivia momentos agitados. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados começara a discutir a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer. “Vamos ver como termina o dia”, disse-me Cesar Maia, esboçando um sorriso, quando comentei que se tratava de outra jornada tensa na política brasileira.
Para ele e seu filho Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e também filiado ao DEM, a tarde começara bem. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, acolheu o pedido dos advogados de defesa de Rodrigo Maia para que outro ministro fosse indicado como responsável pela investigação que envolve pai e filho em delação de executivos da Odebrecht. Cesar Maia comemorou a decisão, considerando-a o reconhecimento de que foram vítimas de acusações sem provas. “Há delações divulgadas sem comprovação, e isso serve para criminalizar ainda mais a atividade política. É claro que existem situações que deixam os acusados em situação bem difícil, como o caso de Geddel Vieira Lima, mas é preciso distinguir provas e indícios de meras palavras.”
Aos 72 anos, Cesar Maia tem um histórico na vida pública que remonta à militância no Partido Comunista, nos anos 60, ao exílio no Chile e à prisão pelo regime militar brasileiro. Economista, foi secretário de Fazenda do estado do Rio no primeiro governo de Leonel Brizola (1983-86) e presidente do Banerj (antigo banco estadual, privatizado em 1997, quando foi comprado pelo Itaú). Foi deputado federal constituinte, prefeito do Rio por três vezes, presidenciável.
A condenação no ano passado por improbidade administrativa – por ter contratado um escritório de advocacia de um cunhado sem licitação e com verba pública, à qual recorreu – não impediu que o partido cogitasse seu nome para disputar a eleição a governador no ano que vem, embora diga que “é cedo” para falar disso. Como alcaide, no início dos anos 90, entendeu o poder de fazer-se midiático, a ponto de popularizar a palavra “factoide”, como sinônimo de notícia divulgada para provocar alarde na opinião pública e na imprensa. Três a quatro vezes por semana, envia seu “ex-blog”, como intitula sua newsletter com análises políticas e econômicas, para mais de setenta mil assinantes.
Não é só pelo seu extenso currículo, nem para saber de sua atividade como parlamentar municipal, que ele tem sido procurado nos últimos meses pela imprensa nacional e internacional. Desde o dia 17 de maio, quando foram divulgadas as delações que comprometem Michel Temer, Rodrigo Maia passou a ser, ao mesmo tempo, fiel da balança do atual governo – porque o afastamento do presidente necessita da aprovação da Câmara dos Deputados – e, na condição de primeiro nome na linha de sucessão da Presidência da República, possível ocupante do cargo presidencial, a depender das oscilações do cenário político, antes de 1º de janeiro de 2019. É para tentar entender os movimentos do filho que se busca ouvir o pai. Aconteceu a Cesar Maia o que ocorre quando um filho de figura pública se torna também protagonista. Hoje, Cesar é o pai de Rodrigo. “Somos pessoas completamente diferentes. Eu sou um tecnocrata, ele é um diplomata, um homem com capacidade de liderança e de mediação”, afirmou. São por essas características que, segundo o pai, Rodrigo Maia não deve “queimar etapas” e se tornar presidente agora. “A trajetória do Rodrigo gera para ele uma responsabilidade institucional de disputar novamente a eleição para deputado federal em 2018 e continuar comandando a Câmara dos Deputados. Não sei como será a Câmara depois da próxima eleição, mas com o perfil de hoje, poucos terão condições de comandá-la como o Rodrigo”, disse Cesar. O cálculo é que, em um cenário de afastamento de Temer, Rodrigo Maia não poderia disputar a reeleição para deputado. Restaria a ele uma improvável reeleição, desta vez pelo voto direto, para presidente.
No fim de semana, o clima tenso entre Rodrigo Maia e Michel Temer aumentara devido à divulgação, pelo site da Câmara, dos vídeos em que o doleiro Lúcio Funaro faz acusações ao presidente. A relação entre eles nunca foi das melhores, apesar das entrevistas em que Rodrigo diz não conspirar contra o presidente. O advogado de Temer, Eduardo Carnelós, disse que a divulgação dos vídeos era um “criminoso vazamento”. Rodrigo Maia rebateu dizendo que Carnelós era incompetente. A base do governo viu nesse fato uma retaliação do presidente da Câmara às vésperas da discussão da segunda denúncia. “Vou falar um negócio para você”, disse-me Cesar Maia, quando lhe perguntei sobre a crise entre Rodrigo Maia e Michel Temer. “Acredite se quiser: não há crise alguma. O que houve foi uma resposta do Rodrigo ao que esse advogado falou. Eu lhe garanto que, se fosse o advogado anterior [Antônio Cláudio Mariz, responsável pela defesa de Temer na primeira denúncia], não teria falado isso em hipótese alguma”, justificou Cesar. Às rusgas por causa da divulgação das acusações de Funaro soma-se uma batalha partidária para atrair parlamentares. Rodrigo Maia acusa o PMDB de cooptar deputados e senadores do PSB que negociavam filiação ao DEM. O ex-prefeito carioca joga panos quentes novamente. “Não há chance de a segunda denúncia ser aceita pelo plenário da Câmara dos Deputados. O que pode acontecer é, devido ao desgaste cumulativo do governo, a votação ser um pouco mais apertada. Mas não a ponto de afastá-lo do cargo. Isso pode, sim, ter consequências em votações importantes para o governo, como a reforma da Previdência.”
Cesar Maia vestia camisa social azul com listras brancas, gravata azul-escura com o nó afrouxado e calça preta. Ele me recebeu na sala da liderança do DEM na Câmara, na qual ele despacha. Sentava-se à mesa de madeira que pertencera a seu pai, Felinto Epitácio Maia, ex-diretor da Casa da Moeda, que trouxe de seu escritório particular. Nela há uma marca que remete a um passado recente – mais especificamente, aos protestos de 2013. No canto esquerdo, uma tampa de vidro protege uma cavidade que deixa à mostra, na parte inferior da mesa, um ponto queimado, cinzas esbranquiçadas na madeira. Foi uma bomba atirada por manifestantes, que quebrou o vidro da janela e furou o móvel. A sala estava vazia. O buraco com as cinzas esbranquiçadas foi mantido como lembrança. “É por respeito à história. Essa marca acabou se tornando um marco de união entre duas épocas, dos tempos do meu pai e destes dias atuais”, disse.
Dirigente do DEM no Rio de Janeiro e figura influente do partido no cenário nacional, Cesar Maia contou como se deu a tentativa de aproximação de João Doria à sigla. No dia 21 de setembro, o prefeito de São Paulo ofereceu um jantar em sua casa, na capital paulista, a lideranças do DEM. Estavam presentes o ministro da Educação, Mendonça Filho; o prefeito de Salvador, ACM Neto; o líder do partido na Câmara, Efraim Filho; e o próprio Rodrigo Maia. Doria posicionou-se como alternativa ao Palácio do Planalto. O tom da cobertura da imprensa enfatizava a força política de Doria. Cesar Maia diz que os presentes tiveram outra impressão: “A informação que eu tive foi de que o encontro foi ruim para o Doria. Ele se mostrou açodado, precipitado, vendendo sua candidatura a presidente. Além disso, em São Paulo, há uma tradição de proximidade entre DEM e o governador Geraldo Alckmin. Doria se lançou como presidenciável dentro do PSDB contra o Alckmin, que foi quem o fez prefeito”, afirmou. Com a divulgação da pesquisa do Datafolha no início de outubro, em que Doria aparece com apenas 32% de aprovação como prefeito, ganhou força o nome de Luciano Huck como aposta do DEM. “Não tenho dúvidas de que Huck é mais forte do que o Doria como candidato a presidente. Doria tem lustro, mas Huck é um apresentador de programa popular. A penetração de seu nome é mais forte do que a de Doria.” Cesar Maia diz desconhecer que tenha havido convite formal a Huck – mas não descarta que isso possa acontecer. “Houve encontro dele com lideranças, porém nada definido. Mas pode ser que, neste exato momento, as coisas mudem. Estamos no Brasil.”
Falando antes de o Senado rejeitar o afastamento de Aécio Neves de seu mandato, Cesar Maia disse que havia sido criado um “problema sério” para a imagem da Casa e do senador mineiro. Para o ex-prefeito, Aécio deveria ter “pedido afastamento” logo que as primeiras denúncias surgiram. “Houve falta de decoro parlamentar nos diálogos de Aécio com Joesley Batista.” Como se viu, por 44 a 26, os senadores livraram a cara de Aécio. Apoiado no tampo da mesa que serviu ao seu pai, Cesar Maia faz uma observação sobre a instituição e o partido aliado. “Agora como vai ficar para o Senado, não sei. O que sei é que o PSDB está dividido, estraçalhado.”