Na tarde de 14 de setembro, quarta-feira, muitos dos 5 milhões de inscritos no canal Os Pingos nos Is, da emissora de rádio e TV Jovem Pan, não receberam o alerta de que o programa estava sendo exibido ao vivo pela plataforma, como acontecia diariamente às 18 horas, quando a transmissão tem início. Como resultado da falta de aviso, a audiência que acompanha o canal ao vivo caiu para 70 mil usuários simultâneos, ante os mais de 150 mil que costuma amealhar. A audiência total do programa também foi impactada pela falta de divulgação do canal na plataforma: até a tarde desta quinta-feira 15, totalizara 553 mil visualizações, o segundo pior resultado do ano – o pior foi em 18 de janeiro, com 550 mil visualizações, segundo levantamento da consultoria Novelo Data. Trata-se de um tombo expressivo, já que a audiência média de cada episódio nas últimas semanas tem chegado a 900 mil visualizações.
No mesmo dia em que a distribuição do programa foi reduzida na plataforma, o YouTube classificou Os Pingos nos Is na categoria de “monetização limitada”, alegando que a restrição se deve à inadequação do conteúdo para os anunciantes da plataforma. A “monetização limitada” impacta os ganhos do canal com publicidade, já que permite que o anunciante escolha não veicular seu material em determinados vídeos. Muitos anunciantes automaticamente desabilitam publicidade em canais de “monetização limitada”, como forma de prevenir a divulgação de sua marca em conteúdos que possam conter violência ou abusos.
O YouTube não divulga se a desmonetização impacta a distribuição de suas transmissões aos inscritos, mas, além da queda brusca de audiência, nos comentários que acompanham o vídeo do programa, muitos seguidores reclamavam não terem recebido o aviso de que Os Pingos nos Is havia começado. Um dia depois, na tarde de quinta-feira, a restrição foi derrubada e a monetização voltou ao normal.
O YouTube tem por regra desmonetizar total ou parcialmente vídeos que exibam conteúdo produzido por terceiros, como reproduções de telejornais e filmes. Mas a demonetização ocorre depois que a transmissão é finalizada e analisada. No caso de Os Pingos nos Is, o programa da quarta-feira já teve início com a monetização limitada.
Questionado pela piauí sobre a razão da desmonetização, o YouTube respondeu que não compartilhava com a imprensa esse tipo de informação, que ficava restrita apenas aos produtores de conteúdo. O advogado da Jovem Pan para questões ligadas à Lei Eleitoral, Alexandre Fidalgo, foi procurado, mas disse que não comentaria o caso.
A medida tomada pelo YouTube ocorreu no mesmo dia em que a coligação encabeçada pelo PT acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo isonomia no tratamento dado pela plataforma a conteúdos sobre os candidatos à Presidência da República. Na Jovem Pan, a restrição foi vista internamente como uma retaliação ao canal depois que um relatório produzido pelo NetLab, centro de pesquisa em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e publicado pela Folha de S.Paulo, revelou que o YouTube priorizava a distribuição de vídeos da Jovem Pan aos seus usuários. Parte deles era favorável ao presidente Jair Bolsonaro e crítico ao ex-presidente Lula, rivais na disputa presidencial.
Segundo o estudo, feito com base em dezoito testes, usuários eram abastecidos com conteúdo favorável ao presidente, produzido pela Jovem Pan, mesmo sem terem assistido previamente a vídeos semelhantes. A conclusão dos pesquisadores é de que a plataforma distribui conteúdos da Jovem Pan de forma não isonômica. A lei eleitoral prevê que, durante a campanha, candidatos tenham o mesmo espaço e cobertura nos diferentes veículos de imprensa.
A piauí publicou extensa reportagem sobre como a Jovem Pan e em especial o Pingos nos Is passaram a operar como braço eficiente do bolsonarismo na internet, difundindo teses e narrativas em favor do presidente. Com base num levantamento produzido pela Novelo Data, a reportagem mostra como o programa ataca adversários do presidente e faz vista grossa para notícias desabonadoras a Bolsonaro. A reportagem traz ainda uma análise visual, contendo vídeo e gráficos, de como Os Pingos nos Is constroem ou modificam uma narrativa em benefício de Bolsonaro.
Na quarta-feira em que Os Pingos nos Is foi desmonetizado, uma chamada do programa destacava que Lula havia dito não saber como criar novos empregos. “Como não podemos brigar com os avanços tecnológicos, porque, ainda que eles tirem os empregos, são responsáveis por criar inúmeras facilidades, nós temos que discutir como criar trabalho para o povo brasileiro. Como vamos criar novos empregos? Eu não sei como fazer”, afirmou o petista num evento de campanha exibido ao longo do programa. Já a chamada em referência a Bolsonaro afirmava que o presidente ganhara “novos apoios internacionais” e que “garante 600 reais de Auxílio Brasil em 2023”.
No início do mês, o TSE já havia notificado a emissora por disseminar informações falsas sobre Lula durante o programa 3 em 1. A coligação encabeçada pelo PT acionou a Corte afirmando que os comentaristas Rodrigo Constantino e Cristina Graeml ofenderam o petista e divulgaram informações falsas sobre ele. Constantino recomendava “não normalizar a candidatura de ladrão que quer voltar à cena do crime”, e Graeml afirmou que “depois de descondenado numa manobra, ele não foi inocentado, conseguiu reaver seus direitos políticos. Lavagem de dinheiro e corrupção, nenhum brasileiro deveria aceitar uma pessoa que foi condenada por esses crimes”. Os advogados da coligação de Lula alegaram na ação que “não existe sentença penal condenatória contra o senhor Luiz Inácio Lula da Silva e, por este motivo — cristalino, diga-se de passagem—, o aludido jornalista tinha o dever de tratá-lo como inocente”. Com a notificação, todos os integrantes do programa foram intimados e poderão ter de prestar depoimento.