“Desculpe o transtorno, preciso falar do Cunha”, escreve Michel Temer
Primeiramente, affinitas affinitatem non generat.
Conheci-o no culto. Essa frase pode soar eloquente demais se você imaginar alguém pregando a palavra de Deus num templo milenar de Israel. Mas o culto em questão era apenas um dos muitos que os pastores vêm comandando desde os anos 90 em decadentes cinemas das capitais. Ele fazia preces financeiras. Nunca vou esquecer: passava a sacolinha entre os fiéis humildes enquanto recitava Malaquias 3:8-10.
Quando os pastores levantavam a voz no púlpito, ele se calava. Quando contabilizavam o dízimo nos bastidores, ele os auxiliava. Quando gritavam “amém, Jesus!”, ele concordava com a cabeça. Sempre estrábico, deixava claro que conseguia manter um olho no peixe e outro no gato. Foi paixão à primeira vista. Só pra mim, acho.
Passamos algumas madrugadas conversando na Telerj ao som de Sonda-me, Usa-me e Rendido Estou. De lá, migramos pro governo Garotinho. Do governo Garotinho pro PMDB, do PMDB pro Congresso.
Começamos a namorar quando ele tinha 50 e eu, 68, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todos os episódios de House of Cards várias vezes. Testamos todas as receitas possíveis de robalo. Escolhemos diretorias em estatais como se escolhêssemos gravatas. A quatro mãos, escrevemos medidas provisórias, projetos de lei e inúmeras versões da reforma trabalhista. Fizemos uma dúzia de amigos novos e, com eles, fundamos o Blocão. Sofremos com os haters, gargalhamos com a desgraça da Dilma. Juntos, rasgamos a Constituição. Viajamos o mundo dividindo o cartão de crédito. Dos dez paraísos fiscais de que mais gosto, sete foi ele quem me apresentou. Os outros três foi ele quem inaugurou. Aprendi com ele o significado de usufrutuário, truste, Panama Papers e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho e enviando pra NSA.
Ontem, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais do que quando líamos o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Mais do que quando falávamos em público de nossas famílias. Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ele? Parece que, pra sempre, ele vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido votos, eu penso. Levaria algo de íntegro comigo.
Semana passada, consumou-se o impeachment que a gente urdiu juntos – não por acaso, fruto de um emaranhado jurídico bem mais cabeludo do que nossas cabeças já ralas. Achei que fosse chorar tudo de novo. Mas o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter orquestrado um grande golpe na vida. E de ter esse golpe documentado no Diário Oficial. Não falta nada.
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