minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    A Ilustração feita por inteligência artificial acompanhou um post do LinkedIn com o título "A lição do Cavalo Caramelo", que começa da seguinte forma: "A palavra resiliência vem do latim: resilire, que significa voltar atrás..."

anais da internet

Tão longe do Twitter, tão perto da LinkeDisney

Quem passa pela rede social profissional pode manter suas altas taxas de cortisol em dia

Manuela Barem, de São Paulo | 18 set 2024_13h01
A+ A- A

Quem se vê precisando usar o LinkedIn para o trabalho em 2024 pode encontrar alguns desafios. Até alguns anos antes da pandemia, a rede social parecia um tanto despretensiosa, com os usuários frequentando a rede esporadicamente, para se conectar com outros e atualizar o perfil a cada mudança na carreira. Anos se passaram e o LinkedIn evoluiu para um ambiente com cultura própria, com linguagem e dinâmicas de comportamento intrincadas, ferramentas interativas e conteúdos voltados para o engajamento. 

Consequência do tempo e também do intenso crescimento: só no Brasil, o LinkedIn já conta com mais de 75 milhões de usuários. A título de comparação, o barulhento X (ex-Twitter) tinha em torno de 22 milhões de usuários no Brasil. A suspensão da rede comprada e deformada por Elon Musk, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, removeu um pedaço importante da nossa cultura digital. Deixou algo de mais limpo no ar e uma certa abstinência de cortisol. É aquele fumódromo meio encardido que se torna, por linhas tortas, um lugar onde muitos buscam conforto na noite.

Quem passa pela rede profissional vai ver o exato oposto – uma energia lá em cima, fruto da empolgação de quem tenta desenvolver melhor sua “marca pessoal” e gerar negócios por meio da plataforma. A corrida por criar conexões profissionais e gerar alcance acabou fazendo brotar na plataforma uma cultura afetada, muitas vezes deslumbrada com o mundo do trabalho e com desdobramentos tóxicos para algumas pessoas também fora da internet. Daí vem o apelido “LinkeDisney”. 

A jornalista Marina Dayrell é do time dos que se dão bem ali. “No fim do ano passado, quando eu completei um ano de consultoria, eu fiz um balanço para entender de onde vieram meus clientes e eu percebi que 95% vieram do LinkedIn, de forma orgânica”, conta, em entrevista à piauí. Marina trabalha como consultora em diversidade e começou a usar o LinkedIn mais intensamente por volta de 2020 para compartilhar suas matérias. Se deu bem com a plataforma e não parou mais.

Mas manter “presença ativa” na internet dá trabalho. Marina classifica a tarefa como “exaustiva”. “Além de trabalhar como consultora, eu tenho o meu momento do dia para postar, para interagir com as pessoas dos meus posts, para pensar conteúdo, para gravar vídeo”, diz. “Às vezes, dá mais trabalho do que o meu trabalho em si”, diz. 

Mesmo com o trabalho todo, para muitos, criar conteúdo para o LinkedIn é uma forma de tentar dar um impulso na carreira. E, quem sabe, até virar um influenciador na rede. No LinkedIn, o ponto mais alto é se tornar “Top Voice”, selo fornecido pelo time editorial do LinkedIn para profissionais de destaque em suas áreas. Foi assim com Marina, que primeiro virou “Linkedin Creator” e em 2024 se tornou “Top Voice”. O “Top Voice” aparece no perfil da pessoa logo ao lado do nome e parece dar uma aura especial para o usuário, como se fosse um microfone que funciona com volume e definição diferente dos demais. 

O estrategista de comunicação Marc Tawil é Top Voice no LinkedIn desde 2016, instrutor oficial do LinkedIn Learning com 85 mil alunos e seu perfil acumula mais de 560 mil seguidores. “Com o tempo, percebi o potencial da plataforma não apenas para networking, mas como uma ferramenta poderosa de comunicação e compartilhamento de conhecimento”, diz Marc, em entrevista à piauí. Ele publica conteúdos novos quase todos os dias. Algumas das publicações mais recentes trazem pesquisas sobre engajamento dos funcionários, reflexões sobre trabalho híbrido e conteúdos motivacionais em vídeo. Também entram as conquistas pessoais e dicas para se dar bem no próprio LinkedIn. 

A variedade de temas se assemelha a de muitos perfis de grande alcance na rede. O tom não é necessariamente sério o tempo todo. Uma postagem onde faz propaganda sobre o seu serviço de consultoria acompanhava a imagem com o texto “Alto em vontade de ser promovido”, imitando a etiqueta preta e branca que foi adicionada recentemente nas embalagens de alimentos industrializados no mercado. Nos comentários das postagens de Marc, há muitos elogios (acompanhados do emoji de palmas) e executivos com perfis com fotos de terno e gravata deixam seus apontamentos de forma educada. Todos são respondidos à altura pelo autor. 

“Ao longo dos anos, fui construindo uma audiência engajada”, relembra Marc. O alcance no LinkedIn se converteu em visibilidade e oportunidades de trabalho, segundo ele. “Desde convites para palestras e eventos até parcerias profissionais.” 

O ponto da parceria profissional misturado com a visibilidade é algo que brilha os olhos de executivos dos ramos mais diversos, do Brasil todo. Mas como postar sem ter tempo ou qualquer experiência com redes sociais? Foi assim que nasceu um mercado específico dentro de agências de relações públicas e assessorias de imprensa, e que também movimenta a vida dos jornalistas freelancers: os “ghost-writers” de C-levels (os escritores fantasmas dos chefões). “Alguns executivos chegam já querendo saber como se tornar um Top Voice, então a gente precisa explicar que precisamos seguir um caminho antes, que às vezes envolve estar em mais eventos, desenvolver ações internas, e por aí vai”, explica o jornalista Cid Luís de Oliveira Pinto, diretor da Alfapress Comunicações. 

Cid conta que atualmente a sua agência atende cinco executivos de diversos setores. Em alguns casos, eles assumem a gestão completa do LinkedIn do executivo, e em outros, oferecem treinamento. “Geralmente, eles chegam perdidos, sem saber o que fazer. Depois de um tempo, pegam o jeito e começam a postar sozinhos. E interagir com outros usuários e até outros executivos, é claro”, conta.

Quem não tem dinheiro para contratar uma assessoria, precisa fazer por si só, tudo “à mão” mesmo. As oportunidades, é claro, precisam ser maximizadas. Então quanto mais curtidas e compartilhamento, melhor. É aí que o LinkedIn vira “LinkeDisney” – apelido dado pelos brasileiros para criticar o comportamento de quem usa a plataforma como se vivesse em um mundo paralelo, com cenários coloridos e histórias de contos de fadas.

Um exemplo deste ano: em meio a um dos momentos de grande sensibilidade da cobertura das inundações no Rio Grande do Sul, o resgate do cavalo caramelo que passou quatro dias em pé no teto de uma casa, os usuários do X (antigo Twitter) faziam piadas sobre as possíveis análises que surgiriam dali a pouco LinkedIn. Coisas como “o que a resiliência do cavalo caramelo ensinaria sobre os negócios”. O que não é exagero e nem novidade na plataforma. 

A fórmula do acontecimento (na vida pessoal ou não) somado ao que isso ensina sobre o seu trabalho ou negócios é algo já batido no LinkedIn. Assim, surgem coisas do tipo “Como Elsa de Frozen nos mostra novos caminhos para as vendas online no Brasil” (tópico inventado, apenas para fazer uma ilustração aqui). Ou “O que a luta entre Popó e Kleber Bambam nos ensina sobre Inteligência Artificial” (esta análise realmente existe e foi publicada no ano passado). “Essa pieguice não vem de hoje, infelizmente”, comenta Marc. “Uma trombada no corredor que vira um conto, um feedback duro que passa por lição de vida… Tem muito disso e empobrece a rede, a meu ver.” 

Quem dera parasse por aí e o LinkedIn fosse só isso, a terra dos iludidos. Todos diagnosticados com algo diametralmente oposto à Síndrome do Impostor e “viciados no próprio CD”, parafraseando a Anitta no X quando ainda era Twitter, lá em 2013. Mas o espetáculo é tão grande que abriga interações de todos os tipos, incluindo desdobramentos tóxicos que podem até sair da internet e ter impacto na vida real das pessoas. 

Muitas vezes, o problema acontece entre funcionários e empregadores. E tem muita “firma” com perfil no LinkedIn: a plataforma conta com 67 milhões de empresas cadastradas no mundo todo. O atrito começa quando a empresa pressiona funcionários a usarem seus perfis pessoais para fazer propaganda de seus produtos e serviços. Nesse momento, já não importa o papel da pessoa no trabalho da vida real. Se ela não topou o teatro da “Linkedisney”, até o próprio emprego pode estar em risco. 

O analista de operações Renato Frederick, por exemplo, acabou demitido depois de se negar a compartilhar no perfil pessoal dele os serviços oferecidos pela empresa onde trabalhava. “Queriam que eu ficasse fazendo propaganda da empresa, das parcerias que tinha. Não topei e uma semana depois misteriosamente me demitiram”, diz Renato.

Um amigo de Renato, que prefere não se identificar, conta que tentou desviar da pressão dizendo que não usava o perfil do LinkedIn há anos. Não adiantou. A história também não acabou bem e ele resolveu pedir demissão depois de dois meses de contratação. 

Além de propaganda sobre produtos e serviços oferecidos, muitas empresas usam o LinkedIn como vitrine para atrair talentos. Ali, refletem o ideal que virou tendência nas grandes empresas de tecnologia na última década – toda empresa precisa ser vista como o lugar dos sonhos para trabalhar. Um castelo iluminado onde a princesa vai morar depois que tudo dá certo. A impressão é a de que toda oportunidade é válida para sustentar a narrativa. Assim, processos corriqueiros, como contratações, viram um acontecimento online, com funcionários postando kits de boas-vindas personalizados com o logo da empresa em seus perfis pessoais. Ou então cartas de promoção precisamente pensadas para ser fotografadas – e com o valor do aumento devidamente omitido, mas uma linda arte colorida acentuando como aquele é um lugar que reconhece o mérito. 

Mas tem que seguir o roteiro imaginado pela direção. Do contrário, a cena de contos de fadas da LinkeDisney pode azedar, e até virar pesadelo. Uma diretora de arte relatou um processo difícil logo depois de voltar da licença-maternidade. “Assim que voltei, minha gerente me deu um aumento insignificante e me promoveu para um cargo que sequer existia de verdade, já que eu estava na função havia algum tempo. E no final do papo, ela pediu para que eu postasse no LinkedIn que estava voltando de licença-maternidade e que tinha sido promovida.” Quando ela disse que não concordava com a postagem, ouviu da interlocutora que “muitas vezes as mulheres voltavam da licença-maternidade e não tinham nem emprego”. “Eu me senti ameaçada ao ouvir isso”, diz. O episódio ainda rendeu represálias e ela acabou saindo da empresa. 

Falando em sair da empresa, lidar com demissão e procura de trabalho no LinkedIn é outra tarefa que exige um rito muito específico, uma combinação de etiqueta online com estratégia de carreira. Se for demitido, precisa anunciar para a sua rede que está “aberto a novas oportunidades”, mas sem transparecer rancor e muito menos lavar roupa suja nas redes. Ainda que seja algo difícil como uma demissão em massa, por exemplo. O que também já virou tópico de discussão no X/antigo Twitter (aliás, a rede social funcionava como um ombudsman para o LinkedIn). “Eu não consigo entender esse rolê de agradecer à empresa quando é demitido. ‘Layoff’ não, irmão, é passaralho, demissão em massa mesmo. É uma parada ruim, principalmente se você é pobre com conta pra pagar!”, dizia um tweet de @Joaosucodfruta.

Há cascas de banana dentro do próprio Linkedin. Um consenso entre especialistas de carreira é que não pega muito bem usar o selo “open to work” (aberto para trabalhar, em tradução livre) que o LinkedIn oferece. Ao ativar a funcionalidade, a foto de perfil ganha um semicírculo verde. O “open to work” ficou muito popular na época da pandemia por conta das demissões em massa. Marc Tawil cita que “muita gente se recolocou graças a essa visibilidade”. “O LinkedIn é um suporte poderoso de solidariedade em tempos de crise”, diz. 

Mas, em tempos relativamente normais, pode ser “queimação”, conforme esta reportagem apurou com entrevistados que preferiram não se identificar. Profissionais da área de recursos humanos também não recomendam o uso do “open to work” para todo mundo ver, mas sim de forma discreta. Dizem que é como chegar numa balada com uma placa dizendo “estou disponível”, uma lógica tão cruel quanto a analogia. A dica é deixar, no máximo, a opção “open to work” só para os recrutadores verem.

É bastante esforço para manter uma imagem positiva. A preocupação com “marca pessoal” é algo que Luciana Carvalho, cofundadora do Chiefs Group e profissional com mais de 18 anos de experiência na área de recursos humanos, avalia que veio para ficar. “Cuidar da marca pessoal é importante e vai ficar cada vez mais com esse movimento de futuro do trabalho, que é essa grande virada do company centered [focado na empresa] para o talent centered [focado no talento], diz. “As empresas vão precisar cada vez menos de currículo e mais das habilidades para resolver problemas específicos por um determinado período de tempo. Para isso, como executivo ou executiva, você precisa deixar muito claro, nos lugares que são públicos e que as pessoas te acessam, quais são as suas habilidades, o que eu chamo de superpoderes.” Em outras palavras, de acordo com Luciana, você precisa falar do seu trabalho nos posts, para que futuros contratantes entendam que valor você pode trazer ao negócio. 

As previsões futuristas de Luciana caem em um clássico – a máxima que diz que “quem não é visto não é lembrado”. O que vira um dilema para os profissionais que ainda evitam o LinkedIn por conta da afetação. 

Para ajudar no dilema, vale lembrar que nem tudo é “LinkeDisney”. Como em toda rede social, há usuários dispostos a compartilhar dicas e experiências profissionais relevantes com a rede. Gente disposta a ter discussões interessantes sobre o mercado de trabalho, além de ajudar outros profissionais a se recolocar no mercado compartilhando vagas. E há casos reais de gente que até fez transição de carreira com ajuda do LinkedIn, como a jornalista Marina Dayrell, que virou consultora em diversidade muito por conta do trabalho com conteúdo desenvolvido na rede social.

Para Guilherme Rosinha, que trabalhava como advogado tributarista, escrever no LinkedIn permitiu que ele explorasse mais os temas relacionados à nova carreira que ele tinha em mente, na área de compliance das empresas. “Fui me conectando aos poucos com as pessoas que tinham ideias parecidas com as minhas. Fiz muitos amigos e explorei mais essa veia de comunicador.” Guilherme chegou a participar de um programa remunerado para criadores de conteúdo do LinkedIn que pagava 20 mil reais para que criadores postassem quatro vezes por semana na plataforma, por seis semanas, como forma de incentivar as publicações e testar diferentes ferramentas de publicação da plataforma.

A resposta para o LinkedIn, talvez, seja descartar a parte “LinkeDisney” e usar a rede com autenticidade, sem forçar a barra, como comenta Marc. “A receita anti-mico é simples: pensar antes de escrever, checar dados e histórias, não ser sensacionalista, deixar os clichês e jargões em paz, ser educado até com quem não é com você e, obviamente, compartilhar experiências reais. Em 2024, as pessoas farejam picaretas de longe”, diz.

E, acima de tudo, deixem o cavalo Caramelo em paz.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí