O ator Vincent Martella, acompanhado de um legítimo vira-lata nacional, vestiu literalmente a camisa por milhões de seguidores (Reprodução/ Instagram)
O Tio Sam está querendo conhecer o nosso engajamento
Não são só as subs – as supercelebridades também entenderam o poder brasileiro nas redes sociais
No dia 6 de abril, o ator americano Andrew McFarlane, do seriado Eu, a Patroa e as Crianças, postou uma foto em seu perfil no Instagram usando uma camiseta com a frase “Eu amo meus fãs brasileiros”, acompanhada da legenda “Hey, Brasil”. Os brasileiros logo se ligaram na intenção: Andrew estava pedindo um mutirão para ganhar mais seguidores no Instagram.
A ideia era surfar na mesma onda que levou o ator Vincent Martella, da série Todo Mundo Odeia o Chris, de 300 mil seguidores a 2 milhões de um dia para o outro (e 6,7 milhões até a publicação deste texto) depois de postar foto vestindo uma camiseta com a frase “Eu sou famoso no Brasil”. Sim, Andrew repetiu a fórmula na cara dura – e deu relativamente certo. Foi de 72 mil seguidores para 400 mil em poucos dias.
Muitos brasileiros comemoram o feito nas redes sociais, com um ar de vitória e gratidão pela atenção. Outros, nem tanto. “Agora o Brasil virou recanto pra subcelebridade estadunidense, a própria Fazenda da Record encarnada”, postou @sigoinvictorrr no Twitter.
Nem só as “subs” (subcelebridades, como se diz nas redes sociais) fazem uso da máquina de engajamento brasileira. Famosos do chamado “alto escalão” volta e meia também apelam para o engajamento dos brasileiros na internet quando precisam de uma ajudinha extra para “bombar” seus números.
Khloé Kardashian (uma das influenciadoras do clã famoso por um reality show) bateu à porta da internet brasileira em janeiro deste ano, bem quando o Twitter estava lotado comentando a primeira eliminação do Big Brother Brasil, para pedir votos para um prêmio da revista People. Ela tuitou em português ““Oi gente!! Eu não estou no BBB mas estou concorrendo ao prêmio da People ‘s Choice Awards esse ano”, junto com o link para a votação. Pedido esse que causou alguma desconfiança e teve respostas como “que isso, mona?”. Ela levou o prêmio de “Estrela de Reality Show de 2024” em um evento que aconteceu um mês depois (ainda que não esteja claro se os brasileiros tiveram qualquer influência no resultado final).
Na verdade, não precisa ser necessariamente famoso para conseguir a atenção do brasileiro na internet. No TikTok, muitos criadores de conteúdo estrangeiros já entenderam que fazer passinhos de funk ou conteúdos com áudios de influenciadores nacionais é um passaporte para que seu vídeo possa bombar. A expectativa é usar as milhares de visualizações que o Brasil entrega como um trampolim para dar um ganho no engajamento do perfil. E, com isso, o algoritmo mostrar a conta para mais gente.
Tem criador que vê essa fórmula dar tão certo que decide vir para o Brasil para criar vídeos por aqui, um movimento crescente no último ano. O investimento parece compensar. @EdPeople, criador no TikTok, foi um dos gringos, entre tantos outros, que escolheu vir para o país durante o Carnaval para criar conteudo. Ele fez vídeos em Salvador, Belém, Recife e outras cidades brasileiras, sempre acompanhado de alguém ensinando um passo de dança bem local, como o frevo ou o samba. O investimento parece ter valido a pena: os vídeos no Brasil estão sempre na casa dos milhões de visualizações no perfil de Ed, enquanto os outros posts ficam na casa dos 200 mil.
Há algumas pistas que mostram que a tendência não só é real, como pode crescer. No último mês, começou a aparecer uma trend nova no TikTok, com vídeos com o título “Brazil PR is working” (algo como, “a propaganda sobre o Brasil está funcionando”). Segundo a ferramenta de insights da própria plataforma, os vídeos da categoria já somam 72 milhões de visualizações. Os conteúdos mostram pessoas no aeroporto, a caminho do Brasil, ou reservando passagens de avião para vir ao país. Prato cheio para os brasileiros assistirem e interagirem.
“Eu tenho um olhar bastante critico sobre o turista, ou o gringo que se aproveita da sociedade alheia para consumo extrativo”, disse à piauí Joris Lechene, franco-britânico que cria conteúdo com foco em perspectivas decoloniais. “Chamo isso de colonização moderna. Eu sempre tento ter uma abordagem diferente para tomar cuidado com isso”, comenta. A preocupação foi redobrada com o Brasil, já que ele decidiu passar uma temporada no país no começo do ano para criar conteúdo. No caso dele, reflexões sobre colonização antiga e moderna no país publicadas nos seus perfis no Instagram e no TikTok.
No YouTube, uma rede que há anos abriga a tendência dos vídeos de “reação” às músicas, filmes e outros produtos culturais brasileiros, a fórmula ainda parece funcionar. O canal “MontWRLDtv” publicou um vídeo reagindo a “Negro Drama”, dos Racionais MC’s, há três meses e conseguiu mais de 100 mil visualizações. A maioria dos vídeos do canal não passam de 10 mil.
Por outro lado, convenhamos: pode ser realmente difícil resistir a clicar em um vídeo de indianos reagindo à novela Caminho das Índias. Ou americanos assistindo pela primeira vez à versão de They Don’t Care About Us, do Michael Jackson, que foi gravada em Salvador e no Rio. Mas fica bem claro que é tudo estratégia quando um vídeo parece uma cópia do outro, feito só para angariar números com facilidade.
A prática gera uma saia justa para outros criadores de conteúdo gringos. O americano Clinton Manigault, do canal Goony Googles no YouTube, disse à piauí que hesitou antes de fazer vídeos mirando na audiência brasileira. Logo no início do seu canal, quando ele tinha menos de 10 mil inscritos, começou a receber muitos pedidos de brasileiros para fazer vídeos de reação (nos quais assiste e comenta videoclipes) de músicas nacionais. Mas ficava em dúvida se deveria atendê-los. “Eu sentia que muitas pessoas estavam usando o Brasil como uma fazenda de visualizações. Eu não queria ser essa pessoa”, conta.
A audiência brasileira continuava ali, firme e forte, pedindo mais vídeos de reações. “Eu continuei fazendo reações a outras coisas, como [a série] Breaking Bad, e ganhava mil visualizações. Mas quando reagia a algo brasileiro, eu ganhava 100 mil”, conta. No final das contas, ele encontrou o seu jeito de fazer vídeos para a comunidade brasileira. Optou então por mergulhar na cultura nacional. Os doze vídeos mais vistos do canal do criador contêm reações a músicas como Negro Drama, dos Racionais, Ela Partiu, do Tim Maia, Você Me Vira a Cabeça, da Alcione, e até filmes brasileiros, como Tropa de Elite. Em novembro do ano passado, ele se mudou para o Brasil. Hoje mora em Goiânia (GO).
Se alguém consegue ganhar a atenção do público brasileiro na internet, como Clinton ou Khloe Kardashian, logo percebe que o engajamento é alto e muito focado. Um privilégio em relação ao comportamento na internet que se tem em outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, com uma enorme população conectada à internet, mas maior concorrência e uma audiência mais dispersa. Mas também conta com um cenário de mídia muito mais amplo, com mais canais e veículos de imprensa. Ou seja, ainda mais gente famosa disputando a atenção do público o tempo todo.
Não é difícil perceber isso ao olhar os números das redes sociais desses famosos. Em uma comparação rápida, dá pra perceber que Khloe recebe uma média de 3 mil comentários em suas postagens no Instagram, número bem parecido com os das brasileiras Ludmilla e Juliette – ambas, porém, com cerca de 30 milhões de seguidores, um décimo do contingente de Khloe.
Além de parecer engajar de uma forma diferente, a população brasileira com acesso à internet ainda passa muito mais tempo online do que muitas outras nações: em torno de 9h30 por dia, enquanto a média mundial está em torno de 6 horas e 37 minutos por dia.
Se bem estimulados, os brasileiros vão como uma onda enorme e que se move rápido. Uma mistura da cultura empolgada e acolhedora do Brasil talvez com a famosa síndrome de cachorro vira-lata que dá essa eterna vontade de ser visto e validado pelo gringo. Para completar, a cultura dos mutirões, que está cada vez mais consolidada nas redes sociais – vide os grandes movimentos que acontecem durante o BBB, por exemplo. Uma grande gincana online que às vezes chega carregada de outros sentimentos além da pura molecagem, como vingança e justiça.
Neste ano, Christian Chávez, da banda RBD e primeira versão da novela Rebelde, exibida no SBT, atribuiu aos fãs brasileiros o sucesso do resgate do seu canal no YouTube, que ele havia perdido em uma briga para o ex-empresário. Os brasileiros ajudaram na mobilização para que o YouTube desse atenção ao caso, um jeito de ajudar o ator a conseguir justiça.
A história do ator Vincent Martella é outro exemplo de uma grande brincadeira online temperada com motivações emocionais. A ideia de dar mais seguidores a Vincent, criada pelos próprios fãs brasileiros, era de fazer o seu Instagram superar o número de seguidores do perfil do ator Tyler James Williams, seu colega da série Todo Mundo Odeia o Chris. Tyler, o protagonista da série, cometeu o pecado de criticar o excesso de comentários dos brasileiros nas suas postagens. Isso aconteceu lá por volta de 2016, mas os fãs brasileiros da série têm memória. E, pelo jeito, mágoa.
O mutirão aconteceu não só no Instagram, mas também no Facebook e no Twitter, e foi parar até na tevê. No dia 4 de abril, um programa da TV Record exibia o número de seguidores do coadjuvante de Todo Mundo Odeia o Chris no telão do estúdio, enquanto o apresentador comemorava o feito dizendo: “Foi a gente que começou a campanha.”
No fim, Vincent Martella se deu muito bem com tudo isso. Veio para o Brasil, se deixou fotografar com a camisa da seleção, participou de programas de tevê, de podcasts, estrelou um comercial do Burger King feito para o território brasileiro. Em paralelo, o clima nos comentários no seu Instagram entrou naquela fase de atenção antes de virar crise. Muitos brasileiros demonstraram impaciência com o fato de o ator não adicionar legendas em português nos novos vídeos que estão entrando no perfil, o que deixa o conteúdo inacessível para a sua nova maioria de seguidores. Há comentários como “petição para traduzir o conteúdo” com mais de 80 mil curtidas. Talvez haja ali um prenúncio de uma falta de paciência dos fãs com o ator, caso ele não atenda aos pedidos dos seus novos milhões de seguidores – que vai saber se ele queria mesmo.
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