O Creative Commons age no lado mais frágil do direito de propriedade: o trabalho intelectual individual. Nenhuma empresa abre mão de suas patentes em nome do bem comum ou do direito à informação FOTO: QTHOMASBOWER_FLICKER.COM/QTHOMASBOWER
Em defesa da obra
As corporações da mídia querem que os escritores trabalhem de graça, não façam arte e exponham a vida privada na internet – e contam com o apoio de Paulo Coelho
Bernardo Carvalho | Edição 62, Novembro 2011
A primeira coisa que me vem à cabeça quando falam das novas relações entre público e privado é a ideia de autoria. Provavelmente, por vício de escritor – e de escritor anacrônico. Há alguns anos, a revista The New Yorker publicou uma longa reportagem sobre a disputa entre os herdeiros de James Joyce e uma pesquisadora da Universidade Stanford, na Califórnia, pelos direitos de publicação da correspondência do escritor. O artigo pintava um quadro favorável à pesquisadora, apresentada como vítima dos herdeiros de Joyce, que proibiam o acesso à sua correspondência íntima. E a transformava em símbolo da necessidade de uma legislação mais democrática, condizente com as exigências estabelecidas pelo uso da internet. A reportagem estava em sintonia com os princípios do Creative Commons e de outras propostas alternativas ao tradicional, restritivo e cada vez mais insustentável copyright, o direito autoral.
O Creative Commons foi concebido como um desdobramento natural do mundo informatizado. Nele, cada vez mais se consolida o consenso em torno da visibilidade absoluta e do acesso irrestrito às informações e às obras, como valor democrático básico, em conformidade com o que prega o WikiLeaks na esfera da política. A utilidade do Facebook e do Twitter, como ferramentas para burlar a censura e organizar movimentos pró-democracia em ditaduras como Irã, China e, mais recentemente, nos países árabes do Mediterrâneo, é um forte argumento a favor desse consenso.
A reportagem deplorava que uma obra de interesse público (cartas que revelariam a vida privada do escritor) estivesse nas mãos de herdeiros estúpidos, que, por pudor ou ganância, dispunham de seus direitos hereditários contra o bom-senso, a livre-circulação da informação e, em consequência, o progresso da humanidade. O Creative Commons seria, então, uma forma de libertar as obras do controle dos autores e de defender o público. E também restringiria o direito despótico de herdeiros sobre obras com as quais eles não têm, necessariamente, algo a ver.
Não haveria nada errado nesse ajuste de contas, até porque o Creative Commons permite ao autor decidir o quanto deseja ceder dos seus direitos. Não há nada de errado em defender o bem comum e o progresso de todos contra as restrições impostas pela propriedade privada e o privilégio de poucos. Mas quem é que falou em propriedade privada? É aí que começam os problemas e contradições.
O Creative Commons – assim como o “licenciamento global”, que propõe ao internauta pagar uma taxa proporcional à quantidade de downloads que fizer – busca adaptar o direito autoral a uma situação de fato e irreversível. Essas iniciativas buscam alternativas a esse direito, condenado à morte pela nova economia da informação. Mas, a despeito das boas intenções, elas só se propõem a agir no lado mais frágil do direito de propriedade, aquele que diz respeito ao trabalho intelectual individual e, sobretudo, ao trabalho intelectual circunscrito às artes e à cultura. Por quê?
Porque é apenas o direito de propriedade intelectual individual que cria obstáculos à “nova” relação de propriedade. Nenhuma empresa abrirá mão de suas patentes científicas ou industriais em nome da visibilidade, do bem comum ou do direito à informação. A começar pelas próprias corporações de mídia eletrônica – elas estão interessadas, isto sim, na adoção de um modelo flexível de licenciamento e difusão de conteúdo.
O Google, por exemplo, não pretende tornar disponível a usuários e competidores o saber por trás de seus serviços – e não é por acaso que mantém sigilo desse saber, a ponto de nenhuma informação sobre a empresa aparecer no próprio Google, que em princípio deveria ter acesso a tudo. Ninguém, a começar pelos fundadores do Creative Commons, pensa em pôr em questão o direito de herança e de propriedade sobre bens materiais e corporativos.
A propriedade intelectual é um instrumento recente do capitalismo: o direito de autor só foi internacionalmente reconhecido e oficializado no final do século XIX, a partir da Convenção de Berna. No capitalismo tardio informatizado, entretanto, ela se tornou um problema e uma contradição para as corporações cujo trunfo é a circulação de conteúdo intelectual, não sua produção. Para elas, é fundamental que o trabalho intelectual seja barato ou gratuito. E, para isso, é preciso que ele seja indiferenciado, que o seu valor seja medido unicamente de modo quantitativo, cumulativo – e não qualitativo ou subjetivo. É imprescindível que o valor seja determinado pela regra, e não pela exceção.
A exceção fica ainda mais desautorizada e desprestigiada – e parece ainda mais antidemocrática e elitista – quando já não há lugar para o direito autoral individualizado. Não é fortuito que associações de roteiristas de cinema tenham passado a reivindicar o reconhecimento de seus membros como autores literários – e a defender uma mudança na lei dos direitos autorais que a torne mais abrangente. Com isso, eles reiteram o princípio de indiferenciação que tanto interessa aos grandes conglomerados da internet. Roteiristas trabalham com normas e regras. Há regras para ser um bom roteirista, e elas atendem sobretudo ao modelo do cinema industrial. Não existe bom roteirista para filme experimental, por exemplo. O bom roteirista é o que domina a excelência de uma série de normas dramáticas e narrativas.
A exceção, nas artes, é imponderável e intransmissível. E está necessariamente ligada a um ideal de individualidade, de subjetividade e de autoria individual. A norma faz parte do domínio da indiferenciação, onde todos se equivalem, podem dançar com pequenas variações, mas conforme a mesma música, determinada por uma série de regras e diretrizes. Sem querer, ao reivindicar o mesmo reconhecimento dos autores literários, os roteiristas endossam a vocação do mercado, sob a égide da internet, e a tendência crescente de associar valores subjetivos e qualitativos de exceção ao autoritarismo. O único valor possível e democrático passa a ser o do direito à expressão e à opinião, em nome de uma igualdade sem hierarquias, capaz de tornar equivalente tudo o que se escreve, desde um blog, um roteiro de cinema, até um romance de Joyce.
Numa entrevista recente ao New York Times, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior influência. E o entrevistador não o contestou. Seja porque não tinha condições críticas para tanto, seja porque isso não interessava ao objetivo da entrevista. Banidos os critérios da subjetividade, já não há como distinguir entre um texto de Joyce e um Paulo Coelho ou um apócrifo, por mais incoerente que seja a impostura aos olhos de um leitor educado. A única medida de prestígio passa a ser o número de acessos ou de leitores. Até aí, trata-se de um velho princípio de mercado. A única diferença é que, ao suplantar todo e qualquer valor subjetivo, o mercado agora permite a Paulo Coelho dizer que é herdeiro de Borges sem causar espécie.
A consequência é simples: enquanto tudo for percebido como equivalente, não haverá necessidade de pagar (mais) pela diferença. E se o alcance da diferença é sempre restrito, seu valor, pela lógica do mercado, só pode ser insignificante. O valor da diferença é substituído pelo da quantidade. Hoje, temos acesso a tudo, mas sabemos cada vez menos distinguir uma coisa de outra. E é essa substituição, basicamente, que distingue a escola da internet. E a crítica da opinião. E o que faz da educação um paradoxo dentro dessa nova economia.
A escola é o lugar da transmissão e da regra, mas nela somos forçados a aprender o que não sabemos e mesmo o que não queremos, e só essa obrigação é capaz de alargar o nosso conhecimento. O aprendizado depende de esforço. Já na internet, procuramos o que já conhecemos, ou o que tem algo a ver com o que já conhecemos. O interesse das novas corporações é capitalizar esse prazer, não contradizê-lo. Em princípio infinita, a amplitude do campo de conhecimento na internet, pelo próprio modo da busca, passa a ser repetitiva e limitada, homogeneizante. A ausência de hierarquias culturais e subjetivas faz parte do próprio princípio de busca na internet. E é revelador que a grande invenção, imediatamente patenteada pelo Google, tenha sido um algoritmo que permitiu estabelecer uma nova regra de ordenação nos sites de busca, uma nova hierarquia, baseada no cruzamento dos sites e páginas individuais mais acessados, num sistema que se autorreproduz, associando prestígio e valor ao número de links e acessos.
Anselm Jappe, um jovem crítico marxista (é difícil pensar hoje numa definição mais anacrônica), mostrou num livro recente, Crédit à Mort, como certa esquerda, na sua luta contra o elitismo, quis “abolir as hierarquias onde elas podem ter um sentido”. Por exemplo, as hierarquias “da inteligência, do gosto, da sensibilidade, do talento”. Só a existência de uma escala de valores subjetivos pode negar e contestar “a hierarquia do poder e do dinheiro, que impera quando negamos toda hierarquia cultural”. O narcisismo é o contrário da diferenciação e da exceção. “Não ajudar alguém a desenvolver sua capacidade de diferenciação significa condená-lo a um infantilismo perpétuo”, escreve Jappe. “A virtualização do mundo é também um estímulo aos desejos infantis todo-poderosos.”
Não é à toa que essa crítica nos soe tão anacrônica. Ela insiste na diferença entre crítica e opinião. E no mundo da internet, a crítica é cada vez mais desvalorizada como autoritária e coercitiva, porque impõe valores, em parte subjetivos, que não são necessariamente os da maioria. A crítica contradiz o mundo do Eu, o mundo da opinião. Ela pressupõe uma hierarquia subjetiva, um sujeito de autoridade, que supostamente sabe mais que os outros, enquanto a opinião passa a representar a igualdade do que é comum e imediatamente acessível a todos. A opinião é o juízo ao alcance de todos, baseado no gosto e na experiência de cada um, sem hierarquias nem coerções. E, se há um consenso em torno da democracia em todas as esferas sociais, não haveria por que não pensar que a arte também deve ser democrática.
É sintomático, nesse sentido, que a avaliação da literatura, ao contestar a imposição arbitrária de um cânone, tenha passado da análise da dimensão subjetiva das obras para o interesse pela experiência (histórica e biográfica) objetivamente mensurável dos autores. Tampouco é casual que essa passagem se faça acompanhar por uma atenção crescente a obras de não ficção, ou baseadas em “histórias reais”. Contra a arbitrariedade subjetiva do cânone ocidental, o espírito democrático do multiculturalismo teve de privilegiar na obra a expressão de uma experiência mensurável e extraliterária (de classe, gênero, raça, origem etc.), reduzindo a produção de subjetividade à representação e expressão da experiência do autor.
Esse novo paradigma acaba gerando desdobramentos perversos, forjando imposturas, oportunismos e contradições nos quais o interesse final das corporações é defendido pelos próprios indivíduos, críticos e consumidores, sempre em nome da democracia e de um suposto bem-estar comum. A obra de arte é reduzida a um serviço à comunidade e à humanidade, conforme a imagem do trabalho voluntário das ONGs e da própria rede de informação. Se os serviços prestados pelo Google são gratuitos, com que direito a obra de arte ou literária exige ser remunerada? A comodidade dos serviços prestados pelo Google lhe garante um paradigma divino e incontestável, sobretudo entre os jovens que desconhecem – mas podem imaginar, como fantasma – os horrores de um mundo sem o Google.
Pode soar como piada, mas o mandamento oficial do Google é Don’t Be Evil (Não seja mau). Google e democracia passam a ser sinônimos. E assim, para o bem da humanidade, assumindo o papel de entidade suprema e legisladora, a empresa se sente no direito de digitalizar e oferecer gratuitamente tudo o que estiver publicado no mundo, sem a autorização dos autores, que, sem terem sido avisados de nada, devem tomar a iniciativa de se manifestar a tempo no caso de não concordar com a publicação gratuita de seus próprios livros. Cabe lembrar que o projeto só não foi levado a cabo por interferência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que entrou em cena para frear as ambições da empresa.
Faz sentido que, nesse mesmo mundo, a ideia do fim do artista, do término do gênio criador individual e da arte como provocação subjetiva e idiossincrática, em nome de uma criatividade generalizada e socializante, também seja promovida por uma parte influente da crítica, sob pretextos políticos e sociais. Se alegam que o artista individual, autor de uma obra de exceção, é um aspecto anacrônico e reacionário do romantismo, é porque de certo modo isso também serve a uma necessidade de sobrevivência da crítica, que precisa se sobrepor ao seu objeto de estudo, negando-lhe autonomia. É o que justifica a passagem do foco do artista para o curador, e o curador reivindicar o papel de coautor de exposições. Em certos casos, o curador pode até substituir os artistas, como na 28ª Bienal de São Paulo, que ficou conhecida como Bienal do Vazio. Entretanto, vai ficando claro que é menos o autor e mais a obra que precisa morrer. Por quê?
Reciclada para os tempos atuais, a ideia da morte do autor, que em Foucault e Barthes se inseria num contexto totalmente diverso, revela uma disputa entre a crítica e o seu objeto. Isso ocorre num momento em que a própria crítica torna-se prescindível pelo mesmo princípio de desautorização das exceções e das hierarquias, em nome de uma “opiniocracia”. A necessidade de estabelecer valores coletivos e generalizados, reduzindo a arte, é a palavra de ordem, aparentemente libertária, de festivais como o Burning Man, em Nevada, nos Estados Unidos. O Burning Man é regido por uma série de mandamentos retóricos, como “autoexpressão, esforço comum, participação, ‘desmercantilização’, doação, inclusão” e outros princípios morais e cívicos. E é especialmente emblemático que as obras criadas no festival acabem sendo queimadas num auto de fé, como manifestação ao mesmo tempo ambientalista (para não abandonar resíduos no deserto) e simbólica, contrária à mercantilização da arte.
Também o consumidor de cultura, cujo narcisismo é alimentado pelo Facebook e Twitter (que o incitam a se expor o tempo inteiro, exercendo não apenas seu direito de participar da vida pública, mas também mimetizar celebridades), pode terminar combatendo toda hierarquia e exceção. Ao se privilegiar as obras, se pressupõe que nem todos podem ser autores, e que nem todas as autorias são iguais. E nada mais natural, depois de tanto esforço de marketing a celebrar a figura do autor, que a obra tenha passado a ocupar um lugar secundário e insignificante.
A exemplo da lógica perversa da cultura da celebridade, que, ao se reproduzir indiscriminadamente cria sempre mais anonimato, a autoria também passou a ser vista como sinônimo de visibilidade, uma forma privilegiada de estar e aparecer no mundo, em detrimento das obras. E são as grandes corporações da internet que acabam colhendo os frutos dessa estratégia, são elas que nos proporcionam afinal o sonho de sermos célebres autores de nós mesmos. São elas que nos vendem a miragem de transformar cada detalhe da nossa vida privada em evento público. Por uma razão muito simples: o lucro dessas novas empresas depende unicamente do conhecimento dos desejos íntimos dos consumidores.
Num texto esclarecedor sobre a “Política da Literatura”, Jacques Rancière lembrou que “a constituição da vida privada, que é em si mesma suficientemente satisfatória para que as pessoas renunciem à vida pública”, coincidiu com a noção da arte feita para o indivíduo, pelo indivíduo, o autor. Rancière mostra como a ideia do autor como gênio criador individual, ideia contemporânea ao advento dos direitos autorais e do individualismo da revolução burguesa, acabou associada a uma concepção da arte que foi ultrapassada já por Flaubert e Mallarmé.
No entanto, num pequeno texto (“Autor morto ou artista vivo demais?”) publicado na Folha de S.Paulo ainda em 2003, Rancière explicou que, ao contrário do que se convencionou chamar de culto do autor, a noção de gênio é bem mais complexa e está originalmente ligada ao conceito da obra como expressão de uma força anônima. O gênio não é apenas a representação de uma individualidade – uma força anônima o atravessa e termina por se expressar.
A sentença de morte do autor, contudo, repetida há trinta anos por filósofos e críticos, nunca impediu nenhum artista de reivindicar seus direitos; deve, portanto, ser reavaliada à luz da informática. O que aconteceu desde então? Segundo Rancière, o que sobrou do autor no mundo contemporâneo é justamente a ideia de propriedade. Mas essa propriedade já não pode se referir à obra, seja porque já não se acredita em originalidade, seja porque a obra é resultado da combinação de elementos de outras obras preexistentes, como no caso dos DJs, seja porque a obra se tornou conceito, como no caso das artes plásticas.
A ideia de obra mudou. O artista passou a ser proprietário da ideia, assim como o inventor detém a patente do seu invento. E é natural que, em reação a essa propriedade, que pode incorporar tudo o que está ao redor, o que já existe no mundo, venha se contrapor um direito de imagem (daquilo que é usado como elemento para compor a obra – como os sujeitos fotografados, no caso da fotografia). E a autoria acaba, assim, correndo o risco de ser confinada à negociação entre proprietários de ideias e proprietários de imagem.
Rancière mostra – e é aí que as coisas ficam mais interessantes, no que diz respeito à literatura – que a autobiografia vem resolver esse impasse, fazendo as duas propriedades coincidirem: “Hoje, o autor por excelência é supostamente aquele que explora o que já lhe pertence, a sua própria imagem.” A propriedade migrou da obra para a biografia, para a vida do artista. Só resta ser autor da sua vida privada e expressá-la como obra. O autor hoje é o que explora a sua própria imagem. Os blogs e páginas pessoais na internet são a expressão generalizada e vulgarizada desse fenômeno.
Se a obra foi reduzida à vida e à visibilidade do autor, é compreensível que já não possa haver herdeiros de um autor morto. Também é compreensível que a obra, já não sendo exceção, tampouco exista, uma vez que foi igualada à vida, ao que é comum a todos. Ao autor só resta tornar-se cada vez mais público. Não é um acidente que não exista autocrítica na internet, a não ser como disfarce de mais autopromoção. É essa a lógica que, encobrindo os interesses corporativos, justifica o fim dos direitos autorais individuais, segundo valores subjetivos da obra, em nome de uma medida baseada em critérios quantitativos de mercado. Como tudo o que existe agora também deve existir na internet, o que não é acessado simplesmente inexiste. É o destino da exceção.
O mais terrível é que, expondo a vida privada como obra pública, e cuja eventual remuneração só pode ser feita com base em dados de acesso e seguidores que se identificam com essa vida e com essa opinião, ao autor cabe negociar o que seriam seus direitos intelectuais segundo a lógica de uma empresa de mídia. É assim que o chamado “valor social” (a capacidade que os indivíduos têm de influenciar uns aos outros através de suas opiniões em blogs, Twitters e páginas pessoais em sites de relacionamento) começa a despertar interesse no mercado virtual. Porque, a partir do momento em que a obra é reduzida à expressão da vida privada e ao marketing do autor, ela também passa a ser veículo potencial de publicidade e encontra no chamado merchandising uma remuneração possível.
Mais de 95% do lucro do Google vem da publicidade. Toda a estratégia da empresa depende do conhecimento, do acesso e da comercialização dos desejos, dos gostos e dos interesses dos usuários. Toda a economia da informação gratuita precisa que a vida privada seja exposta como pública, formando um mapa mundial dos desejos e do gosto, para que haja lucro.
Mais do que o autor, era a obra que precisava morrer como exceção, como produção de subjetividade, exercício de imaginação e transgressão, para renascer como veículo e instrumento de mercantilização da opinião e do gosto, para que todos nós nos tornássemos autores de nós mesmos, e o privado pudesse afinal não apenas ser lido, mas vendido como público. Se a exceção passa a ser sinônimo de injustiça e antidemocracia, a transgressão é reduzida a crime. Mas podemos ficar sossegados, porque onde tudo é público não há lugar para transgressão.