Eu escrevia cartas para garçonetes e vendedoras que despertavam meu desejo. Acreditava que a escrita poderia ter o efeito que meu corpo não lograva produzir: a sedução. Que uma carta pudesse compensar a falta de musicalidade do corpo, desviando a atenção para a musicalidade da linguagem. ILUSTRAÇÃO: PEDRO FRANZ_2016
O momento
Quando é que um escritor começa de fato a escrever?
Arnon Grunberg | Edição 120, Setembro 2016
Quando a leitura termina e na sequência vem a inevitável sessão de perguntas e respostas – e até aí, tudo bem –, sempre surge a questão: “Qual foi o momento exato em que você começou a escrever?” Como se fosse possível determinar data e hora, como se faz com o primeiro cigarro ou a perda da virgindade. E quem pergunta em geral assume uma expressão de quem espera uma resposta escrupulosamente detalhada: “Foi no dia 20 de setembro de 1986, logo depois do jantar.” Mas será que uma redação feita em sala de aula, ainda que com pouco entusiasmo, não pode ser considerada a estreia da atividade da escrita? Ou uma canhestra carta de amor? Ou mesmo os versos escritos para as bodas de prata de um tio?
Quando me pedem para indicar o momento preciso em que comecei a escrever, imagino que a melhor resposta seria quando eu – por coação, e bastante precocemente – deixei de frequentar o Vossius Gymnasium, em Amsterdã. Mas nem mesmo isso pode ser definido como “um momento”, porque, como em tantas outras separações, desistir da escola secundária foi um processo longo e arrastado que durou semanas, meses até.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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