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Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois – filme que dói

A julgar por Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois, porém, minha impressão é que incensar Cariry é um caso grave de mistificação, estimulado por críticos como Abbade, festivais de cinema nacionais e internacionais

Eduardo Escorel | 09 fev 2017_14h30
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Ao estrear quinta-feira passada no Rio, Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois, dirigido por Petrus Cariry, chamou atenção por duas razões. De um lado, os elogios de Mario Abbade publicados no Globo, acompanhados do Bonequinho aplaudindo de pé; de outro, o fato desses louvores se referirem a mais um filme brasileiro condenado de antemão ao fracasso comercial por estrear em três cinemas precários, além de uma sala boa, espalhados pelo Centro e Zona Sul da cidade, com apenas cinco sessões diárias ao todo.

Domingo à tarde, um belo dia de verão, ensolarado e quente, fomos conferir na sala boa, naturalmente, a razão de tamanha discrepância entre os encômios hiperbólicos do crítico e os maus-tratos do exibidor. Um dos motivos não demorou a ficar evidente – apesar de Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois não ser longo, dura uma eternidade.

Tive impulso de sair da sala, no meio da sessão, mais de uma vez. Resisti até o fim, porém, por dever de ofício. Acabrunhado, perguntei a uma amiga que encontrei na saída por que viera assistir ao filme. Foram o Bonequinho e o panegírico de Abbade que a atraíram. Ela estava tão desconcertada quanto eu. Disse apenas que não gostara do filme, mas sem a mesma ênfase de uma das amigas que a acompanhavam. A outra elogiou a “beleza” das imagens e achou interessante o que chamou, se bem me lembro, de “a visão do mundo interior” dada em Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois.

Confesso minha perplexidade diante das reações favoráveis superlativas a Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois.  Segundo Abbade, “Petrus Cariry é atualmente o maior artesão de imagens do cinema de ficção do Brasil”. Ainda de acordo com ele, Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois é “um importante libelo feminista”.

Não posso opinar sobre os filmes anteriores de Cariry, aos quais não assisti e, admito, de cuja existência sequer tinha conhecimento – falha minha que procurarei remediar na primeira oportunidade. Pois não é que ele fez outros dois longa-metragens, Grão (2007) e Mãe e filha (2011), além de curtas-metragens. A julgar por Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois, porém, minha impressão é que incensar Cariry é um caso grave de mistificação, estimulado por críticos como Abbade, festivais de cinema nacionais e internacionais.

Nascido em 1977, Cariry acumulou experiência profissional como montador e produtor até ser reconhecido como cineasta promissor há uns 10 anos. Segundo Gabriel Carneiro, escrevendo em 2011 na Revista de Cinema, ele seria “uma espécie rara no Brasil: o cineasta de vasto rigor formal”. Passados seis anos, é o o mesmo que Abbade tem a dizer, em outras palavras, sobre Cariry.

É inegável que Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois é bem fotografado, pelo próprio Cariry inclusive. Mas o apuro da iluminação, assim como da cenografia, não basta para dar consistência a um filme realizado sobre alicerces tão frágeis. O roteiro de Rosemberg Cariry, pai de Petrus, tendo seu filho e Firmino Holanda como corroteiristas, está aquém das imagens e da ambientação. No todo, a narrativa é desconexa, sub-literária e pretensiosa, resultando em um filme que fica a léguas de sua descomunal ambição.

Excesso de presunção é até compreensível em jovens diretores estreantes, mas resulta constrangedora quando externada por veteranos. A pretensão de ser transgressivo, por sua vez, seria mais aceitável se fosse fruto de um arroubo juvenil. Não sendo o caso, resulta tão somente deplorável.

Acúmulo de metáforas e símbolos banais, Clarisse ou alguma coisa sobre nós reincide na tentativa de usar sangue para dizer algo que não se sabe o que é. Depois da cachoeira de Aquarius, agora é a vez de corpos nús banhados de sangue.

Quanto a ser “um libelo feminista” não encontro no comentário de Abbade, muito menos no próprio filme, base para semelhante afirmação. Este blog fica, pois, à disposição de quem discorde e, sendo feminista ou não, possa esclarecer o que faria de Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois um libelo feminista.

Há filmes que doem. Saí doído da sessão de Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois.

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