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    Taego Ãwa FOTO: Vinícius Berger

questões cinematográficas

Taego Ãwa e Paterson – A simplicidade tem seus encantos

Embora sejam radicalmente diferentes, documentário brasileiro e filme de ficção americano guardam um inesperado e encantador traço em comum: a simplicidade

Eduardo Escorel | 25 maio 2017_14h43
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Na tentativa de pôr em dia lançamentos que deixei de comentar durante as férias, assisti a Taego Ãwa e Paterson em dias seguidos, sábado e domingo da semana passada, na mesma sala. Embora sejam radicalmente diferentes, o documentário brasileiro e o filme de ficção americano guardam um inesperado e encantador traço em comum, a simplicidade.

O engajamento dos irmãos Marcela e Henrique Borela em favor da demarcação da terra tradicional dos Ãwa, povo indígena do Brasil Central, não os leva a tornar Taego Ãwa grandiloquente. Cinema e empenho militante coexistem e a qualidade estética não é ofuscada pela política.

Jim Jarmusch, por sua vez, acompanha durante uma semana, demarcando a passagem dos dias, a rotina de Paterson (Adam Driver) e as múltiplas iniciativas de sua mulher, a sonhadora Laura (Golshifteh Farahani). Homem comum, motorista de ônibus e poeta, não há acontecimentos notáveis ou atos de heroísmo na vida de Paterson – salvo se o ônibus que dirige enguiçar e o caderno onde escreve seus poemas ser estraçalhado pelo buldogue inglês do casal forem considerados eventos fora do comum. O único arroubo heróico do personagem é um gesto inútil – arrebatada a arma da mão do amigo que ameaça se matar, descobre-se que ela é de brinquedo. A novidadeira da família é Laura, mas sem nunca perturbar a placidez do marido.

Sendo ambos narrados em tom menor, Taego Ãwa e Paterson se aproximam, apesar de suas dissemelhanças. O que Jarmusch disse dos seus próprios filmes em entrevista à Film Comment de novembro/dezembro do ano passado se aplica ao documentário dos irmãos Borela: “Eu tenho tentado fazer filmes que não gritam a plenos pulmões para o mundo todo [that are not shouting from the mountaintop to all the world], mas que parecem mais pequenas cartas enviadas para alguém por quem tenho afeto.”

Os irmãos Borela levam ao Brasil Central, em 2011, imagens dos Ãwa (Avá-Canoeiros) gravadas em VHS pelo músico goiano Tonzêra em 1989 e 1991, encontradas por Marcela, em 2003, na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás. São imagens preciosas, entre as quais se destaca a cena da caça de cervos-do-pantanal feita com arco e flecha por um Ãwa. É uma cena memorável pela maneira como é gravada, com a câmera acompanhando o caçador de perto à medida que ele se aproxima das presas, pé ante pé, pisando com cuidado no alagadiço. A sequência é longa e preserva as flechadas que erram o alvo antes das certeiras, vistas sem cortes entre o disparo e o impacto nos cervos.

Nas gravações feitas entre 2014 e 2015, os irmãos Borela mostram planos gerais da área em disputa e remanescentes dos Ãwa que aguardam a delimitação das suas terras tradicionais. Com sensibilidade, em apenas 75 minutos, criam a atmosfera de uma espera de décadas que mais parece perdurar há séculos.

<i>Paterson</i>
Paterson

Ao contrário de Taego Ãwa, Paterson, nas palavras de Jarmusch, “não é um documento social” da cidade do estado de Nova Jersey, homônima do personagem principal: “É uma Paterson imaginária. Mas além de a respeitarmos visualmente, também respeitamos sua diversidade étnica por que ela é incrivelmente diversificada.” Indicação disso é feita através do casal Paterson e Laura, formado por Adam Driver, cuja ascendência é inglesa, holandesa, alemã, irlandesa e escocesa, e Golshifteh Farahani, descendente de persas. Mesmo antecedendo a recente exacerbação da intolerância em relação a imigrantes, a escolha como locação do filme da cidade que tem a segunda maior população árabe per capita dos Estados Unidos assinala uma tomada de posição de Jarmusch sobre a discriminação imperante.

Diante de perguntas sobre o significado de certas coisas em Paterson, Jarmusch respondeu: “Eu creio que nos inclinamos pela anti-significação” em Paterson. “O filme é sobre coisas, não sobre significados.”

Na sessão em que assisti a Taego Ãwa, no sábado, o público se resumia a 6 senhoras.

Domingo, a mesma sala estava lotada para ver Paterson. Dados disponíveis informam que o custo de produção do filme de Jarmusch foi de 5 milhões de dólares e que, de dezembro a abril, teria rendido nos Estados Unidos e no mercado externo cerca de 7,5 milhões de dólares. Não é um êxito comercial, mas é um bom resultado, considerando seu custo e as rendas adicionais que ainda terá em outros mercados.

Taego Ãwa, por sua vez, teve até o momento cerca de 1200 espectadores. É a reafirmação, como se ainda fosse preciso, do impasse enfrentado por documentários brasileiros que aguarda um desfecho – mesmo filmes de qualidade, premiados e bem recebidos em diversos festivais, documentários em especial, não costumam ter público no circuito de salas de cinema e acabam sendo condenados a um certo ostracismo em função disso. Até quando será possível continuar produzindo filmes como esses nessas condições? Por outro lado, o empenho militante de Taego Ãwa não acaba, ao menos em parte, frustrado e caindo no vazio?

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