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questões da direita

Mais partido do que novo

De olho em 2022, Amoêdo abre oposição tardia a Bolsonaro, e Novo racha antes de crescer

Thais Bilenky | 24 fev 2021_14h51
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Fundador e ex-candidato a presidente pelo partido Novo, João Amoêdo entrou em rota de colisão com deputados e outros quadros da agremiação ao se tornar um opositor irritado ao presidente Jair Bolsonaro. Eleitor de Bolsonaro em 2018 e rosto público do Novo, Amoêdo cobra uma “depuração” que afaste quem não seja explicitamente opositor ao governo. Quer que o partido defenda o impeachment do presidente, mesmo que isso leve a desfiliações de deputados e até do único governador da legenda, Romeu Zema, de Minas Gerais. Para o seu grupo, a “faxina” ajudará a posicionar o Novo nas eleições presidenciais de 2022 como um projeto de direita antibolsonarista, o qual o próprio Amoêdo não descarta encabeçar. 

“As pessoas querem saber quem estão elegendo, o que a pessoa pensa, o que se propõe a fazer. Ninguém quer mais surpresa”, diz o ex-candidato. “Isso me favorece dentro do partido porque tenho sido muito enfático naquilo que defendo.”

Para adversários, Amoêdo foi “seduzido pela idolatria” e se vê como “dono” do partido Novo. 

A tensão interna se elevou há um mês, quando Amoêdo passou a defender o impeachment de Bolsonaro em parceria com o Movimento Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre. Em uma reunião, o diretório nacional do Novo discutiu se apresentaria ou não um pedido à Câmara, o que gerou reação enérgica de deputados federais. Zema também foi a público protestar contra a possibilidade de ruptura pública com Bolsonaro. Governador do segundo maior colégio eleitoral do país, o mineiro tem boa relação com o Planalto e seu nome pode ser lembrado para a eleição presidencial de 2022, o que causaria uma disputa interna com Amoêdo. Por fim, o diretório nacional decidiu que não apresentaria pedido de impeachment.

A temperatura baixou, mas na semana passada as diferenças voltaram a se evidenciar, quando a bancada do Novo na Câmara votou contra a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), detido por ameaçar e ofender ministros do Supremo Tribunal Federal. Amoêdo se disse desapontado com o posicionamento. “É decepcionante que o partido não seja oposição ao desgoverno que temos hoje. Não era esse o papel que imaginávamos para o Novo quando da sua fundação”, escreveu o ex-presidenciável em rede social. 

O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) retrucou, verbalizando a indignação de colegas. “Pena que discorda! Mas prova que o partido Novo não tem dono, mas valores! Defender princípios liberais e a Constituição, mesmo que 1 dos 181 fundadores não os defenda mais, dá ORGULHO da bancada. Nem fanáticos a favor nem fanáticos contra: somos INDEPENDENTES!”, cutucou.

Uma dos cinco membros do diretório nacional, Patrícia Vianna atribui a “demora” da bancada federal a aderir a uma crítica consistente a Bolsonaro à proximidade com o poder em Brasília e ao medo das urnas. “Parte dos eleitores deles é bolsonarista, você fica preocupado com seus votos e likes, e parte quer ter espaço no Congresso, ser relator, participar mais ativamente de alguns projetos”, diz ela. “É um erro você se sentir refém, dizer ‘o cara não é muito bom, mas vou passar a mão na cabeça para conseguir algum espaço’. A gente não apoia isso.” A crítica é dirigida, por exemplo, a Van Hattem, que na Câmara se aproximou de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

 

A expulsão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, do Novo, em maio do ano passado, atestou a disputa entre bolsonaristas e amoedistas. À época, Salles atribuiu a expulsão ao fato de ter aceitado o cargo no governo. “Amoêdo é o dono do Novo. Faz de conta que segue as regras de compliance do partido, mas exerce controle absoluto sobre tudo através dos membros do diretório nacional, que são todos ligados pessoalmente a ele e só fazem o que ele quer. A única chance de o Novo se libertar disso é trocar todo o diretório nacional”, disse o ministro.

Nesta semana, contudo, a interferência de Bolsonaro na Petrobras deixou até os deputados mais alinhados ao Palácio do Planalto sem saída. Ao rasgar sua já esgarçada cartilha liberal, com a qual se elegeu, o presidente unificou o discurso no Novo.

“É irresponsabilidade do presidente fazer uma troca desse jeito neste momento e com essa indicação”, ataca Van Hattem, referindo-se ao general Joaquim Silva e Luna, que assumirá a petroleira. “Tenho todo o respeito por militares, mas eles têm vocação e treinamento para a área da Defesa, não para cuidar de empresa de mercado. A prova está aí, ações despencando. Bolsonaro tinha que cumprir a promessa de campanha de privatizações.”

Para João Amoêdo, o discurso dos deputados do partido a favor de sua “independência” ameaça a “essência” do partido. “É importante que o Novo como instituição tenha unidade em temas centrais. Sua posição em relação ao governo deveria ser única, não dá para ter gente contra e gente a favor.” Quando declarou voto contra o PT no segundo turno da eleição de 2018, porém, ele próprio falou que adotaria uma “posição independente” em relação a Bolsonaro.

A bancada do Novo é uma das mais governistas na Câmara. Segundo o monitor Radar do Congresso, os oito deputados da legenda entregaram 82% dos votos como o Planalto pediu. Mesmo em pautas de costumes, e não apenas econômicas, as posições do Novo se mostraram alinhadas ao bolsonarismo. Os oito deputados foram contrários à convenção da OEA (Organização dos Estados Americanos) contra o racismo, ratificada pela Câmara em dezembro. Também se opuseram à criminalização do assédio moral no trabalho para não prejudicar empreendedores. 

Amoêdo provocou os brios de deputados do Novo em outras ocasiões, como quando defendeu a obrigatoriedade da vacina no combate à Covid-19. A recíproca é verdadeira. “Desespera-se sempre que sente que os princípios e valores do Novo estão se perdendo entre os seus políticos com cargo eletivo”, diz Vianna. 

“A saída é parar de achar que o partido tem dono. João acabou se encantando, ficou deslumbrado, seduzido por essa coisa meio perigosa de as pessoas se apaixonarem, transformarem-no em mito. A gente não pode aceitar isso”, criticou o deputado federal Alexis Fonteyne (Novo-SP). Para ele, é chegada a hora de o partido ter um “novo líder”, já que Amoêdo é, em suas palavras, “desagregador”. Pior, continua Fonteyne, “ele agrediu os oito melhores deputados da Câmara, segundo o Ranking dos Políticos [os do Novo]. Se os oito não prestam para ele, quem presta? Ele se comporta como o guardião, é incoerente com princípios de liberdade”, protestou o deputado.

Candidato a vice na chapa de Amoêdo em 2018, Christian Lohbauer se tornou um adversário visceral interno na sigla e defende que o Novo  “responda ao jogo bruto da política dentro do Parlamento e do governo de Minas”, liberando alianças. “O jogo que o João faz atrapalha tudo, porque a opinião dele, cinicamente, tem efeito sobre opinião pública”, ataca. “O verdadeiro projeto liberal do Brasil está no partido Novo, e o João é uma pecinha pequena nesse negócio, só que ganha  projeção porque, em vez de ficar quieto, fica fazendo fuzuê no Twitter.”

O ex-candidato a presidente defende que o diretório nacional fique blindado em relação à interferência dos políticos com mandato. “O que acontece em muitos partidos é que a máquina partidária passa a ser usada pelos interesses dos mandatários.” Diante do impasse interno, o fundador do Novo recorre a uma metáfora de mercado para sustentar que sobreviverá a ala que souber saciar a demanda por um partido liberal no Brasil. “O filiado é como um consumidor. Ele só vai a restaurante de que gosta. Os filiados têm cobrado de nós posicionamento e identidade.”

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