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questões cinematográficas

Doméstica – insuficiência do método

Insuficiência do método, mal grave de que sofre Doméstica, não é novidade e vem se transformando em pandemia no cinema brasileiro. Dirigido por Gabriel Mascaro, o documentário é vítima da mesma doença que vem derrubando filmes pelo menos desde Rua de mão dupla, de Cao Guimarães, feito em 2004, e que, em 2009, provocou o naufrágio de Pacific, de Marcelo Pedroso – fetichismo metodológico é o horrível nome que essa doença poderia ter.

| 13 maio 2013_16h07
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Insuficiência do método, mal grave de que sofre , não é novidade e vem se transformando em pandemia no cinema brasileiro. Dirigido por Gabriel Mascaro, o documentário é vítima da mesma doença que vem derrubando filmes pelo menos desde Rua de mão dupla, de Cao Guimarães, feito em 2004, e que, em 2009, provocou o naufrágio de Pacific, de Marcelo Pedroso – fetichismo metodológico é o horrível nome que essa doença poderia ter.

Sofre de fetichismo metodológico todo aquele que atribui valor irrestrito ao dispositivo – para usar o termo da moda. Ao delegar a adolescentes a função de gravar empregadas, e um empregado, nas suas casas, trabalhando e dando seus depoimentos, Mascaro abdica de interagir com suas personagens no momento da gravação, ocasião em que poderia contraditar as platitudes que resultam do registro feito sob o manto protetor da afetividade, ignorando o crivo da relação hierárquica entre empregada(o) e filha(o) da(o) patroa(ão).

Mascaro não está, naturalmente, ausente de todo. Mas apesar de ser responsável pela seleção das personagens e pela montagem, ao fazer do método o cerne do filme, sabota a própria escolha do assunto, cuja relevância e relativo ineditismo sugeririam a possibilidade de resultado menos anódino.

Doméstica nos dá visão idealizada das relações sociais, omitindo qualquer traço da tragédia que as domina – omissão deliberada difícil de aceitar.

O documentário dirigido por Mascaro empalidece ainda mais se confrontado com O patrão e as empregadas domésticas, último texto publicado de Gilberto Velho, em 2012, “sobre relações entre distintas categorias sociais numa sociedade em processo de acelerada transformação”, nas palavras do autor. Em parte, o grande interesse do relato de Gilberto Velho está em mostrar o processo dinâmico da relação patrão-empregada, enquanto Doméstica se atém a uma visão estática. O texto não camufla a existência de tensões, agressividades e conflitos, sem excluir relações marcadas por traços de lealdade e afetividade. O recorte do filme de Mascaro, por sua vez, enfatiza a harmonia.

Empregadas domésticas, para Gilberto Velho, “são agentes de mudança social, reinterpretando e reinventando relações, costumes e códigos. Percorrem a metrópole, em ritmos e velocidades diversificados, fazendo novas combinações, juntando fragmentos e pedaços de vários mundos, numa fascinante bricolage. Longe de serem meras sobrevivências de um passado arcaico, são ativas construtoras de novos mundos, em que hierarquia e individualismos, tradição e modernidade são transformados em instigantes metamorfoses.[…] O fato é que essas mulheres estão envolvidas, como participantes ativas, em processos de negociação da realidade em que são intérpretes e sujeitos na leitura de significados antigos e produção de novos.”

Ao dar sinal de desconhecer tudo isso, , de Gabriel Mascaro, mostra-se defasado em relação ao que já foi elaborado sobre o assunto e enfatiza o atraso do cinema brasileiro em relação às ciências sociais.

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