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Ancine – Agência disfuncional (II)

Transcrevo abaixo a resposta assinada por Luciano Trigo, especialista em regulação na Agência Nacional do Cinema, ao post publicado segunda-feira (20/5/2013). Por ter, entre outros defeitos, o de ser longa demais, deixo para talvez comentar o teor em outro post, dando seguimento ao que poderá se transformar numa série. Convido quem quiser se manifestar sobre as questões que levantei para mandar sua colaboração.

| 22 maio 2013_16h01
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Transcrevo abaixo a resposta assinada por Luciano Trigo, especialista em regulação na Agência Nacional do Cinema, ao post publicado segunda-feira (20/5/2013). Por ter, entre outros defeitos, o de ser longa demais, deixo para talvez comentar o teor em outro post, dando seguimento ao que poderá se transformar numa série. Convido quem quiser se manifestar sobre as questões que levantei para mandar sua colaboração. (EE)

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Em vários momentos de sua história, a relação entre cinema e Estado no Brasil foi comprometida pela incompreensão. Esforços para a construção de políticas públicas voltadas para a consolidação de uma indústria audiovisual esbarraram ciclicamente na resistência de grupos de interesse ou nas disputas fratricidas por espaço político. Vale lembrar que, quando uma estrutura institucional inteira foi desmontada em nome da eficiência do mercado, muitos cineastas aplaudiram. Nesse sentido, não chega a ser surpreendente o ataque do cineasta e colunista de ‘Piauí’ Eduardo Escorel à Agência Nacional do Cinema, […]

Depois de colocar em dúvida a “autoridade moral e política da Agência”, Escorel conclui seu texto afirmando que ela não faria falta para o cinema brasileiro: “Não há por que considerar o gigantismo da Ancine, sua disfuncionalidade, morosidade e a burocratização de sua atividade como sendo imprescindíveis, muito menos benéficas para o cinema brasileiro.” Essa sentença, reveladora da vocação da nossa classe cinematográfica para dar tiros no pé, é arrematada por outra, que interpreta como “mau presságio” uma entrevista do diretor-presidente da ANCINE que teria passado “ao largo de algumas questões”. Mas que questões seriam essas?

Primeiro, a suposta “contradição entre, de um lado, uma Agência cada vez maior, com mais recursos e funcionários, e de outro um setor produtivo descapitalizado, fazendo filmes brasileiros subsidiados, em seu conjunto, pouco expressivos.” Ora, o setor produtivo nunca esteve tão capitalizado, com centenas de milhões de reais do Fundo Setorial do Audiovisual disponíveis anualmente para investimento nos diversos elos da cadeia produtiva, sem falar em medidas de desoneração para o setor de exibição e no estímulo às distribuidoras nacionais (sem falar também no inegável aquecimento do mercado de produção produzido pela Lei 12.485, a Lei da TV Paga). Mais importante: não são recursos a fundo perdido, pois prevêem retorno ao FSA e estimulam a profissionalização e o empreendedorismo. Por fim, longe de ser inexpressiva, a produção cinematográfica nacional tem conquistado repetidamente o reconhecimento do público e da crítica, em diferentes fatias do mercado.

Segundo, a suposta “debilidade e inoperância da ANCINE diante das empresas que dominam, de fato, o mercado” e a “anomalia” de a Agência “ter procurado se moldar ao mercado, em vez de buscar formas de tornar equitativa a competição do filme brasileiro com o estrangeiro”. Aqui seria necessário recapitular o longo debate que gerou o atual desenho institucional de fomento e ao cinema no Brasil, mas para desfazer a confusão do raciocínio de Escorel basta dizer que o modelo das agências reguladoras no qual a ANCINE se insere não é inimigo do mercado (como muitos desejariam e outros, equivocadamente, entendem): ao contrário, a regulação existe justamente para fazer o mercado funcionar sem distorções, o que não exclui medidas de proteção e garantias de espaço para obras e empresas nacionais.

Terceiro: tampouco há anomalia em “fomentar a atividade de produtores e empresas brasileiras e, ao mesmo tempo, regular o setor audiovisual como um todo, envolvendo os interesses muitas vezes antagônicos de distribuidores de filmes estrangeiros e emissoras de televisão”. Ora, regular é, justamente, administrar interesses antagônicos, calculando riscos e benefícios, nem sempre agradando a todos (preocupante seria se agradasse).

Cabe perguntar, por fim, onde estaria a “insatisfação generalizada no meio cinematográfico com a atuação da ANCINE”. Ora, foi o meio cinematográfico em peso quem assinou uma carta endereçada à ministra da Cultura solicitando o terceiro mandato do diretor-presidente. É certo que o tema gerou um justificado debate, dentro e fora da ANCINE, ensejando inclusive o amadurecimento da proposta de nomeação de um servidor concursado para compor a diretoria-colegiada da Agência. Mas, se insatisfação generalizada houvesse entre os cineastas, não haveria carta à ministra, nem sequer condições políticas para se aventar um terceiro mandato.

É preciso separar a realidade do : faltou esse discernimento ao texto de Eduardo Escorel, aliás recentemente beneficiado pela política pública que tanto critica, ao receber recursos de renúncia fiscal para a produção de seu documentário sobre o músico Paulo Moura, em cartaz nos cinemas. A ANCINE tem muitos problemas, seguramente, mas diante do que tem sido feito nos últimos anos, classificá-la como inoperante exige muita má-vontade. E só quem ainda não entendeu a missão, os parâmetros legais e as atribuições institucionais da Agência pode considerá-la disfuncional. Atacá-la da maneira como faz Escorel lembra um roteiro que, definitivamente, não vale a pena encenar de novo. Esse filme já passou, e o final não foi feliz.

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