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    Chris Pine e Ben Foster

questões cinematográficas

Custe o que custar – o que um pai não faz por seu filho?

A peculiaridade de A qualquer custo é nenhum dos envolvidos se considerar ladrão. Ou, pelo menos, nenhum deles manifestar qualquer sentimento de culpa pelo que fazem. Nem quem é roubado, nem quem rouba

Eduardo Escorel | 16 fev 2017_11h49
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Custe o que custar seria uma tradução melhor para Hell or High Water, título original do filme que no Brasil foi batizado com o estranho nome A qualquer custo.

Informações disponíveis via Google ensinam que a expressão hell or high water remonta a pelo menos 1882, sendo encontrada nesse ano no Burlington Weekly Hawk Eye, jornal de Iowa: “[…] e de acordo com a antiga expressão, tivemos hell and high water sem trégua – e muita high water eu lhe garanto.” A origem da expressão seria relacionada ao deslocamento de gado das fazendas até as estações de trem, cruzando extensões de terra infernais e atravessando rios profundos.

O que um pai não faz por seu filho? Ou, neste caso, para ser mais preciso, o que dois irmãos não fazem pelo filho de um e sobrinho do outro? ‘Tudo’, custe o que custar, é a resposta do filme dirigido por David Mackenzie. Até uma travessia enfrentando o “inferno” e “águas profundas”.

A qualquer custo não deixa de ser a enésima milionésima variante da história de uma dupla de assaltantes perseguida pela polícia em uma paisagem desolada do oeste do Texas, além de ser também mais um road movie. Mas esse viés não é o mais marcante, apesar das brilhantes caracterizações de Jeff Bridges, fazendo o xerife Marcus, prestes a se aposentar, e de Gil Birmingham, seu parceiro Alberto.

Mais interessante é o inusitado golpe concebido por Toby Howard (Chris Pine) para assegurar o futuro do seu filho, executado com a colaboração decisiva do seu irmão Tanner (Ben Foster), um ex-presidiário de pavio curto.

O mérito do roteiro de Taylor Sheridan é introduzir um viés irônico na trama, além de pequenas doses de humor, ao partir de premissa adaptada do consagrado provérbio “ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão”. A peculiaridade de A qualquer custo é nenhum dos envolvidos se considerar ladrão. Ou, pelo menos, nenhum deles manifestar qualquer sentimento de culpa pelo que fazem. Nem quem é roubado, nem quem rouba. E a polícia, por sua vez, move perseguição implacável, mas frustrada, apenas aos assaltantes pé-de-chinelo.

Aos irmãos não parece restar alternativa para compensar a injustiça que consideram estar sofrendo. Desvalidos, fazem justiça com as próprias mãos, recorrendo a várias ações para fazer ouvir sua voz.

A ressonância de A qualquer custo nos Estados Unidos talvez seja devida, em parte, à identificação de setores do público com essas vítimas que conseguem se vingar do que veem como seu algoz. Com custo de produção relativamente modesto (12 milhões de dólares), o filme já rendeu mais de 30 milhões nos mercados interno e externo e estará concorrendo a quatro Oscars no próximo dia 26.

David Mackenzie
David Mackenzie

Ao contrário dessa visão favorável, porém, há quem considere A qualquer custo exemplarmente ruim. Esse é o caso de Richard Brody, crítico da New Yorker, segundo o qual “o principal som” que se ouve no filme “é o do teclado do roteirista Taylor Sheridan, que corre o risco de se sobrepor à ação e deveria digitar o diálogo diretamente na tela de uma vez no lugar de deixar que seja dito pelos atores”. Brody só livra a cara de Jeff Bridges e admite que o filme inclui uma frase cômica brilhante – a da garçonete que pergunta aos fregueses “o que vocês não querem?” Mas, Brody aponta que “nada supérfluo à ação é permitido […] os personagens não têm memória, nem identidade, nenhum campo de interesse ou conexão pessoal, nenhuma idiossincrasia além do que a trama determina e do que os realizadores usam para apresentar o evidente e entorpecedor argumento”. Para Brody, “filmes como A qualquer custo sufocam-se nas próprias intenções dos seus realizadores. As intenções não apenas governam mas também entopem a ação com cimento molhado, sobrecarregando a tela e preenchendo o espaço, sem deixar nem aos personagens, nem aos frequentemente formidáveis atores que os interpretam […] alguma margem de manobra e de liberdade, alguma aparência de espontaneidade, alguma aparência de existirem.”

A crítica de Brody, publicada em agosto de 2016, é bem escrita, divertida e ácida. Vale a pena ler a íntegra, disponível aqui.

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