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Jorge Furtado a própósito de O mercado de notícias

Passados quatro meses, chega um e-mail do Jorge Furtado no qual ele comenta os 2038 toques do post sobre o documentário O mercado de notícias, escrito e dirigido por ele, publicados aqui no início de setembro passado (8/setembro/2014). Vão transcritos a seguir os 5594 toques do comentário dele. (EE)

| 30 jan 2015_12h31
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Passados quatro meses, chega um e-mail do Jorge Furtado no qual ele comenta os 2038 toques do post sobre o documentário , escrito e dirigido por ele, publicados aqui no início de setembro passado. Vão transcritos a seguir os 5594 toques do comentário dele. 

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[segue o texto de Jorge Furtado]

Você escreveu que é de deixar qualquer um pasmo que eu não soubesse de tudo que os treze entrevistados do filme disseram em suas entrevistas. Além de superestimar meus conhecimentos, acho que você demonstra uma visão simplista do que seja um depoimento, nem sempre são as informações trazidas pelos entrevistados que fazem o valor de uma entrevista. Os meus treze entrevistados, todos eles grandes jornalistas, tem opiniões diversas, e por vezes divergentes, sobre os mais variados aspectos da profissão. Não esperava deles revelações e sim opinião e análise sobre o momento de radical transformação que vive a profissão de jornalista, no Brasil e no mundo.

Como diz o Raimundo Pereira, no filme, “novo é aquilo que reorganiza o passado”. Garanto a você que, para mim, há muita novidade no filme. Mas não faço o filme para mim, “arte requer comunhão”. Garanto também que o filme tem muita novidade para muita gente, incluindo adolescentes recém saídos do ensino fundamental, alunos e professores das faculdade de jornalismo, donas de casa, aposentados, jornalistas, gente que eu já encontrei nas muitas sessões, seguidas de debate, que participei em muitas cidades.

Mas o que me levou a escrever este texto foram as suas afirmações seguintes, estas sim de pasmar. Você diz que o tema do filme, o jornalismo, é um assunto "divulgado à exaustão”. Em que país? Não no Brasil, certamente, onde a crítica à imprensa é, talvez, a mais interditada das pautas. Nenhum jornal, nenhuma rádio, nenhuma televisão, nenhum veículo da grande imprensa toca neste assunto. Você nunca verá, por aqui, um grande jornal criticando outro grande jornal, ao contrário do que acontece nos demais países democráticos. Por aqui há um silêncio cúmplice, uma conveniente omertà entre os grandes veículos de comunicação. Há apenas dois ombudsman em todo o país (Folha de S. Paulo e O Povo, do Ceará) com pequenas colunas semanais, um único programa de televisão sobre o tema (Observatório da Imprensa) numa tevê pública, em horário alternativo. Onde, fora das academias e dos blogs alternativos, se debate a qualidade da imprensa no Brasil? E os filmes brasileiros sobre jornalismo, onde estão? Há raros documentários, alguns personagens secundários em alguns poucos filmes. Não me parece, nem de longe, que as mazelas do nosso jornalismo, como você afirma, sejam discutidas e divulgadas “à exaustão” por aqui, longe disso.

Ainda mais surpreendente foi você dizer que já conhecia a peça de Ben Jonson (The staple of news). É o que o leitor deve necessariamente deduzir quando você afirma que "isolar pequenos trechos, selecionados aparentemente pelo conteúdo dos diálogos, apenas banaliza a peça. O texto perde sua estrutura dramática, um dos componentes essenciais da sua qualidade literária". A peça, que raramente é incluída nas antologias da obra de Jonson, é repleta de referências à política daquele exato momento em Londres e, acho que principalmente por isso, nunca foi traduzida para o português, nem para o francês, alemão ou italiano. Jamais foi encenada, em lugar algum (que eu saiba), desde o século XVII. A peça é tão obscura, e sua afirmação de conhecê-la tão surpreendente, que cheguei a pensar que você podia estar querendo dizer que selecionar trechos de qualquer peça e incluir em qualquer filme, banaliza e põe a perder a estrutura dramática de toda e qualquer peça. Conhecendo sua formação e carreira tive que descartar esta hipótese, já que tal ideia é bizarra, não para de pé. Só resta concluir que, como de fato o texto sugere ao leitor, você realmente já conhecia a peça e achou que foi a minha seleção de trechos desta peça específica que fez com que ela perdesse “um dos componentes essenciais da sua qualidade literária”, a sua estrutura dramática.

Pois eu discordo radicalmente de você. Conheço bem a peça, eu e a Liziane Kugland fizemos a primeira tradução para a língua portuguesa (em 3 anos de trabalho) e afirmo que o que a peça tem de pior – e talvez por isso nunca foi montada em lugar algum – é exatamente a sua estrutura dramática, tão elogiada por você. Jonson, em “The staple of news”, enfileirou sobre o palco uma longa série de esquetes cômicos, ligados por um fio de trama, usando o já surrado clichê do homem que se faz de morto e volta para vigiar os vivos (Shakespeare usou trama semelhante em “Medida por medida”) como pretexto para recitar seus brilhantes poemas e suas inspiradas prédicas, encenar boas piadas e diálogos cínicos, debochando de tudo e de todos e especialmente de si mesmo, condição para a comédia. São alguns trechos, especialmente a visão premonitória que o autor revela do poder da recém surgida imprensa, que conferem a “The staple of news” um grande interesse. Ao contrário do que você afirma, a peça, como estrutura dramática, é muito ruim.

A sua defesa da integridade artística de uma peça obscura (que você afirma conhecer), associada a ideia de que o tema do filme (jornalismo, mídia e democracia) é banal ou já foi exaustivamente debatido, dá ao seu texto sobre o meu documentário um irritante tom blasé. Ao refinado leitor da piauí sobra a sensação de estar flutuando acima das questões exaustivamente divulgadas (a qualidade do jornalismo praticado no Brasil, a relação da grande mídia corporativa com interesses políticos e econômicos, bolinhas de papel jogadas por funcionários na cabeça dos seus patrões, etc.) e a ilusão de estar vendo algum mérito cultural onde, de fato, só há verniz.

A propósito: a peça, na íntegra, as treze entrevistas, na íntegra, assim como toda a pesquisa feita para o filme em oito anos de trabalho, estão no site http://www.omercadodenoticias.com.br

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[comentário de Eduardo Escorel]

Furtado e eu discordamos, quanto a isso não há dúvida. Ele esmiuça e interpreta o post à maneira dele. Tem esse direito. A meu ver, comete alguns equívocos e se dá o direito de fazer comentários de caráter pessoal que não vêm ao caso. Fica aqui o registro da nossa discordância. (EE)

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