Romance policial
Romance policial – gênero exaurido
Exibidos no mesmo cinema, em sessões alternadas, Romance policial, escrito e dirigido por Jorge Durán, e Sangue azul, de Lírio Ferreira, embora sejam filmes de gêneros diferentes, têm em comum não apenas Daniel Oliveira no papel principal, mas a ideia central de isolar seus personagens em ambientes distantes. No deserto, em Romance policial, e no fundo do mar, em Sangue azul. Nos dois há o mesmo propósito de fazer uso da paisagem como elemento dramático, refletindo o estado psicológico dos personagens.
Exibidos no mesmo cinema, em sessões alternadas, , escrito e dirigido por Jorge Durán, e Sangue azul, de Lírio Ferreira, embora sejam filmes de gêneros diferentes, têm em comum não apenas Daniel Oliveira no papel principal, mas a ideia central de isolar seus personagens em ambientes distantes. No deserto, em , e no fundo do mar, em Sangue azul. Nos dois há o mesmo propósito de fazer uso da paisagem como elemento dramático, refletindo o estado psicológico dos personagens.
Seria precipitado falar em uma tendência geral a partir das convergências de apenas dois filmes, mas chama atenção, tanto o destaque dado ao paisagismo, quanto a necessidade de fugir do contexto urbano para apaziguar conflitos íntimos, presentes nos filmes de Durán e Lírio.
Em , o contraste entre aridez e potência, características do deserto do Atacama, onde vulcões cobertos de neve dominam o horizonte, serve de refúgio a Antônio, um escritor em busca de inspiração. Ao contrário de Sangue azul, o filme de Durán é comedido, meticulosamente arquitetado, e não faz concessões ao folclore. E como o de Lírio, tem um conjunto de virtudes que vão se tornando corriqueiras no cinema brasileiro – elenco de alto nível, neste caso com atores chilenos que dão ao filme uma paisagem humana nova e interessante; belíssimas imagens, fotografadas por Luís Abramo; música de boa qualidade, bem editada etc. Ainda assim, , como Sangue azul, não satisfaz.
A insatisfação parece ter origem na própria concepção dos projetos que revelam a mesma incapacidade dos seus personagens de romperem o cerco que os isola, vinculando-se às exigências e demandas do Brasil contemporâneo.
Como o título sugere, Durán cultiva um gênero exaurido. A essa dificuldade se somam inconsistências de roteiro e encenação que prejudicam o resultado do filme. Para sustentar a narrativa, informações que os personagens já adquiriram são sonegadas do espectador para só serem reveladas no desfecho. E para não precipitar a trama, elipses omitem situações reveladoras. São recursos usuais, sem os quais o filme policial talvez não pudesse existir como gênero diferenciado, mas que, de tanto serem usados, dão a incômoda sensação de estarem manipulando a atenção da plateia.
Duas cenas cruciais, em especial, são insatisfatórias por serem encenadas e montadas de maneira esquemática e acelerada. E dada a importância de ambas, a falta de desenvolvimento e cadência adequados acabam minando os alicerces do enredo e debilitando o conjunto do filme.
Outro ponto fraco de Romance policial, em comum com Sangue azul, é recorrer a pensamentos filosofantes, expressos pelo narrador, que cito de memória: “As lembranças são como um vulcão que explode deixando morte e desolação.”; e “A verdade é insuportável e não há como evitá-la. Você não tem escolha a fazer aqui.” São tentativas canhestras, com ranço literário, que expressam, mais que tudo, insegurança quanto à compreensão do próprio filme.
Narrado em um longo flash-back, começa e termina com a mesma imagem – sentado no chão, reclinado em uma pedra, no alto da montanha, um homem de expressão grave, barba por fazer, cenho franzido, veste um poncho e segura um capuz de lã. Ao fundo, o pico de outras montanhas, cobertas de neve.
Ao ver esse plano pela primeira vez, fica claro que algo grave aconteceu àquele homem. O que foi é a história do filme que o próprio homem irá narrar, na terceira pessoa. Sua voz em off o descreve didaticamente como tendo decidido “deixar tudo. Nada para esquecer. Nada para lembrar”.
Depois da clássica legenda “meses antes”, esse homem é visto trabalhando no setor de registro do Escritório de Direitos Autorais. É o escritor, personagem principal de , que não está conseguindo escrever nada. E, para não enlouquecer, em busca de inspiração parte para o Atacama.
O cuidado em apresentar Antônio de maneira mais detalhada contrasta com o modo casual de Florência, a atriz chilena Daniela Ramirez, ser introduzida na trama. O que não é mau. Pelo contrário. Motiva, porém, ao menos duas indagações: a sequência de apresentação de Antônio, dado ser basicamente informativa, não seria dispensável?; o início do flash-back não seria mais eficaz se fosse com a chegada de Antônio no Atacama?
Mais e verdadeiramente problemático, porém, é o súbito pavor de Florência quando um homem não identificado aparece à noite na sua casa. Ou será apenas imaginação dela? Não há como saber. A cena, de qualquer modo, beira o ridículo. É o único momento infeliz da atriz Daniela Ramirez.
Ainda mais e definitivamente prejudicial ao filme é o modo súbito, sucinto e esquemático com que toda a trama é explicada no capítulo final. O efeito dessa ligeireza é esvaziar a densidade da jornada de Antonio que adquire com isso um viés artificioso e inconsistente.
É pena.
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