minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    Sorelle Mai

questões cinematográficas

Sorelle Mai – relações familiares em família

Em 2010, quando Marco Bellocchio, aos 71 anos, lançou Sorelle Mai no Festival de Veneza, a crítica italiana observou com razão que ele preservava a vitalidade e leveza dos melhores momentos da sua carreira, iniciada com I pugni in tasca, em 1965, aos 26 anos. Considerado o melhor da temporada de 2011, Sorelle Mai foi também classificado, entre os filmes de Bellocchio, como aquele que mais recupera o espírito de 1968, e que “parece querer apagar toda a história ‘industrial’ do cinema para recomeçar do início (do ‘Ano Zero’, como se dizia então)”.

| 16 jul 2015_17h18
A+ A- A

Em 2010, quando Marco Bellocchio, aos 71 anos, lançou no Festival de Veneza, a crítica italiana observou com razão que ele preservava a vitalidade e leveza dos melhores momentos da sua carreira, iniciada com I pugni in tasca, em 1965, aos 26 anos. Considerado o melhor da temporada de 2011, foi também classificado, entre os filmes de Bellocchio, como aquele que mais recupera o espírito de 1968, e que “parece querer apagar toda a história ‘industrial’ do cinema para recomeçar do início (do ‘Ano Zero’, como se dizia então)”.

Na conferência de imprensa em Veneza, Bellocchio explicou que é “um filme que não pode ser repetido, fora do conformismo das formas de grande sucesso hoje em dia. Pode ser definido como um filme revolucionário em uma época na qual me preocupa muito a opção dos jovens diretores, fadados a obter recursos apenas para determinados projetos. Para mim, é diferente, mas e para eles?” O próprio Bellocchio, porém, denunciara pouco tempo antes que não conseguia financiamento para um projeto que considerava muito importante – Minha Itália, sobre o poder em seu país. “Mas não desisto”, declarou.

Exibido, em São Paulo, na Mostra Internacional de Cinema de 2011, foi lançado comercialmente, no Rio, em 2013. Apesar dos comentários favoráveis, entre outros de Luiz Zanin, no seu blog do Estadão, e de Consuelo Lins, no Globo, o filme não recebeu a merecida atenção. Injustiça que o recente relançamento no Instituto Moreira Salles, no Rio, parece ter tentado minorar.

Zanin conclui seu comentário com o adjetivo “genial”. Consuelo, por sua vez, escreve que Bellocchio é “um dos poucos cineastas italianos ainda em atividade com alcance universal”. Pois nem assim teve entre nós oportunidade para ser visto e debatido.

Supondo que a cópia em 35mm exibida no IMS seja a mesma das exibições anteriores no Brasil, é provável que tenha sido prejudicado de antemão pela incúria do responsável pela má qualidade da imagem. Sabendo que Marco Sgorbati e Gian Paolo Conti receberam o prêmio Giuseppe Rotunno de melhor fotografia, no Festival Internacional de Bari de 2011, é revoltante que o espectador brasileiro seja submetido ao breu projetado na tela.

Outro fator negativo é o título de Sorelle Mai no Brasil. Mai, no caso, é o nome de família fictício das irmãs mais velhas de Bellocchio, Letizia e Marialuisa, tias no filme do casal de irmãos, Giorgio (Pier Giorgio Bellocchio) e Sara (Donatella Finocchiaro). Se, em italiano, o jogo de palavras entre o nome próprio Mai e o advérbio mai (nunca, jamais) cria uma ambiguidade instigante, na tradução para português o sentido do advérbio jamais é unívoco e a ambiguidade desaparece. Irmãs jamais, além de um péssimo título, explicita o tema do filme e, portanto, o empobrece.

O terceiro e decisivo equívoco a respeito de é anunciar, como faz O Globo, que se trata de um docudrama. Os poucos momentos que podem ser documentais em , uma ária de ópera e uma canção popular, não fazem do filme, sequer em parte, um documentário. O componente biográfico, de fato existente, tampouco afeta o caráter essencialmente ficcional da trama e da encenação.

Filme sobre relações familiares feito em família, é composto de seis episódios, filmados em etapas ao longo de dez anos, entre 1999 e 2008. Realizado em Bobbio, cidade natal de Bellocchio, à qual ele retorna para filmar na mesma casa em que fez I pugni in tasca, contou com a colaboração dos participantes da Oficina “Fare Cinema” (“Fazer cinema”). O longo período de filmagem permite acompanhar o crescimento de Elena (Elena Bellocchio), filha de Bellocchio, a partir dos 4 anos de idade.  

      

Sobre , Bellocchio declarou:

“Aceitei a ideia de dar a oficina de direção ‘Fazer cinema’, em Bobbio, incluindo na experiência algo pessoal que me permitisse não ter uma postura teórica mas de participação e divertimento pessoal. Se vê, de fato, no filme, uma menina, minha filha, crescer dos quatro aos quatorze anos. E o outro filho, vinte anos mais velho, em transformações sucessivas, como se fosse perseguido por vários fantasmas… Na minha história juvenil houve a rebelião e também a coragem do desapego, que não deixou em mim lamentos ou sentimento de culpa, a não ser o inevitável confronto entre o meu destino e o de minhas irmãs que, ao contrário de mim, ficaram na província.

Mai é um sobrenome fictício, mas também alude àquela armadilha que a família foi para as duas irmãs. Sem ter tido a oportunidade de uma vida autônoma (no sentido de que sempre foram desencorajadas a tê-la), ficaram sempre em casa como certas senhoritas do Ottocento, em um mundo de Gozzano, ou Pascoli, ou Tchekhov. Eu que sou mais moço não tenho responsabilidade objetiva por essa ‘prisão’ delas, mas sinto igualmente certa tristeza pela vida de renúncias confortáveis que elas tiveram. E tanto afeto. é dedicado a elas.

O filme conta o crescimento de uma menina e a transformação do ambiente ao seu redor. Tendo filmado no decorrer de dez anos sem nenhuma ideia de reunir os episódios, trabalhamos de maneira livre, espontânea. Os episódios nasciam uns dos outros, de um ano ao outro. E o tempo é o verdadeiro protagonista do filme, é o que rege todo seu sentido, mais do que qualquer juízo estético que se possa fazer dele. Que se conclui definitivamente no tempo presente.

Inseri pequenos fragmentos de I pugni in tasca não para fazer uma citação intelectual, mas por que sendo os mesmos lugares, os mesmos ambientes, me agradava mergulhar a história de Sorelli mai, de modo improvisado e rapidamente, em uma outra história muito distante no tempo. Vivida e representada cinquenta anos antes. A casa do meu primeiro filme não mudou muito desde aquela época. Mas, ao menos para mim, não é mais povoada de fantasmas.”

Depois da primeira sessão de em Bobbio, a declaração feita por Bellocchio talvez guarde o segredo desse grande filme: “O trabalho foi feito sem prever que se tornaria um filme. Nos divertimos, não havia aquela ansiedade sutil pelo resultado. não é catalogável como obra experimental, é mais uma obra feita ao acaso, na qual o verdadeiro protagonista é o tempo que passa para várias gerações.”

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí