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    Que horas ela volta?

questões cinematográficas

Que horas ela volta? – versão açucarada

Na casa com piscina do Morumbi, Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) levam uma vida familiar estável. Fabinho (Michel Joelsas), filho adolescente do casal, está prestes a fazer o vestibular. Val (Regina Casé) trabalha para a família como empregada doméstica há mais de dez anos e, como ela mesma diz, “mora no serviço”. O núcleo, a princípio harmonioso, é desestabilizado com a imprevista chegada, vinda de Pernambuco, de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, com quem ela não falava há mais de três anos.

| 10 set 2015_12h25
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Na casa com piscina do Morumbi, Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) levam uma vida familiar estável. Fabinho (Michel Joelsas), filho adolescente do casal, está prestes a fazer o vestibular. Val (Regina Casé) trabalha para a família como empregada doméstica há mais de dez anos e, como ela mesma diz, “mora no serviço”. O núcleo, a princípio harmonioso, é desestabilizado com a imprevista chegada, vinda de Pernambuco, de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, com quem ela não falava há mais de três anos.

A premissa dramática desse enredo é conhecida e já serviu a vários filmes antes de , escrito e dirigido por Anna Muylaert. Entre os mais famosos, e menos açucarados, está Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, cujo teorema, ou premissa, descrito por Barth David Schwartz, em Pasolini Requiem, é que uma vez “confrontados com um poder que representa uma verdadeira liberação (necessariamente sexual) e seus valores se revelam falidos, os membros da família ‘enlouquecem’”.

Apesar das quase 5 décadas que separam Teorema de Que horas ela volta?, evocar o radicalismo de Pasolini, assim como a reação violenta ao filme de setores do Vaticano e da sociedade italiana da época, realça a feição anódina de . Mesmo tratando de tema social relevante, traço que o distingue e valoriza perante a atual produção brasileira, Muylaert evita de forma deliberada que seu filme vá ao fundo da própria questão que levanta.        

Os diferentes destinos de Emília (Laura Betti) e Val, empregadas, respectivamente, dos filmes de Pasolini e Muylaert, sugerem uma pista segura para entender o que permite a fazer sucesso em diferentes quadrantes.

Em Teorema, a empregada da casa é salva do suicídio pelo personagem do Hóspede (Terence Stamp) que se dedica, em seguida, a ter relação sexual com cada membro da família – o filho, a mãe, o pai e a filha. Falando de seus personagens, Pasolini descreveu o Hóspede como sendo “uma mistura de Deus e do Diabo” e disse que para compor o grupo familiar “escolheu pessoas que não eram particularmente odiosas, pessoas que inspiram certa simpatia – elas são típicas da burguesia, mas não da pior burguesia”.

Conforme a descrição de Schwartz, depois de carregar a mala do Hóspede até o carro, beijar a mão dele e se despedir, Emília, a empregada da casa, volta à sua aldeia para se dedicar a uma vida estoica de meditação e penitência. Ela come urtigas cruas, fica sentada dias e noites sem falar, sujeitando-se a esse flagelo. Logo, o cabelo dela fica verde e ela levita, ascendendo acima da casa onde iniciou sua vigília. Maravilhados, os moradores da aldeia se reúnem embaixo para venerá-la. Ela volta então à Terra.

Emília chama uma velha camponesa (Susanna Colussi Pasolini, mãe de Pier Paolo) para segui-la. Elas se afastam caminhando da aldeia, da humanidade, e chegam a um lugar onde escavadeiras fizeram um buraco na terra. Emília deita e a camponesa começa a cavar. Logo, Emília está coberta de terra, menos seus olhos, dos quais correm lágrimas que se tornam uma poça, um riacho de água que dá vida.

Considerado “negativo e perigoso” pelo L’Osservatore romano, jornal da Santa Sé, Teorema foi acusado de “ofensivo à decência”, teve sua exibição proibida na Itália e foi submetido a julgamento. Argumentando perante o tribunal que o filme era “completamente simbólico”, Pasolini conseguiu evitar que a corte o considerasse “pornográfico” e Teorema acabou liberado.

E Val, em ‘’, o que acaba fazendo? Entra na piscina quase vazia da casa dos patrões, anda de um lado para outro e se diverte, espalhando a água. Depois, rouba um conjunto de garrafa térmica, bandeja e xicrinhas de café, e vai morar com a filha numa casa de periferia. São transgressões pueris que, ao contrário do que acontece em Teorema, não ofendem, nem inquietam ninguém. Ainda mais quando tratadas, em conformidade com o resto do filme, em chave humorística. Essa visão rósea parece ser o que propicia a boa receptividade de . Em consonância com os valores dominantes do nosso tempo, o filme apaga arestas, evita confrontos, aplaca conflitos.

O talento esfuziante de Regina Casé é o sustentáculo de . A força da sua presença, seu magnetismo e sua inteligência como atriz ofuscam o restante do elenco, além de tornarem inverossímil que Val tivesse sido tão submissa durante tanto tempo.

*

Em uma entrevista recente (revista Sétima, edição 1), Anna Muylaert atribui o sucesso de ao fato de ser um “feel-good movie” (filme que propicia bem estar). Os espectadores “saem do filme muito felizes”. Segundo Muylaert, o filme tem um final de esperança, “um final positivo, otimista”.

Seria difícil explicação melhor e mais sucinta do que essa para o sucesso do filme. E nada tornaria tão nítida a diferença entre Teorema e Que horas ela volta?. 

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