ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2006
Raquetadas no piauí
Teresina se rende ao badminton (apesar de Bro-Bró)
Cassiano Elek Machado | Edição 1, Outubro 2006
Henry Matheus tem oito anos, 1,40m de altura e mora na rua Três de Itararé. Anrrí é a pronúncia que ele dá ao seu prenome, como se fosse homônimo de Thierry Henri, o atacante da seleção francesa. A camisa estropiada com que joga futebol, no entanto, é da seleção brasileira mesmo. Henry não é o Ronaldinho da sua turma no Escolão do Parque Itararé, na periferia de Teresina. Mas é ídolo de outro esporte bastante popular na capital do Piauí. Os alunos do Escolão do Parque Itararé são jogadores de badminton.
Henry mostra uma peteca modelo Tournament WS 8500, da marca americana Wilson. Ela viajou meio mundo antes de chegar a Teresina. Foi fabricada em Guangzhou, na China, pela empresa Double Happiness, que produz 45 milhões de petecas por ano. A China é imbatível na produção de petecas: as dezesseis penas que compõem cada uma delas estiveram espetadas na asa de algum ganso, e o ganso é um prato popular entre os chineses.
Os chineses começaram a jogar peteca há uns 2500 anos. Pouco a pouco, seus vizinhos indianos tomaram gosto pelo jogo. Foi com os indianos que seus colonizadores, os ingleses, aprenderam a dar raquetadas em petecas de pena de ganso (dizem que as da asa esquerda são as melhores). O jogo do qual Henry Matheus é um ás foi batizado com o nome de badminton em 1873, por um seu xará, Henry Charles FitzRoy Somerset, o oitavo duque de Beaufort. Foi naquele ano que o duque promoveu um campeonato do tal jogo em sua propriedade rural, no sudoeste da Inglaterra. O palácio que servia de sede para a propriedade tinha o nome –justamente– de Badminton House.
O badminton existe hoje na China, na Índia, na Inglaterra, no Brasil e em outros 152 países. Há quem sustente (mais só em rodinhas de adeptos) que se trata do segundo esporte mais praticado no mundo, com cerca de 200 milhões de jogadores. São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas são os principais centros nacionais de badminton. De dois anos para cá, entretanto, o Piauí é motivo de orgulho na diretoria da Confederação Brasileira de Badminton. “Acreditávamos que o calor seria impeditivo, já que o badminton é jogado em quadras fechadas, sem vento e sem iluminação direta”, diz um diretor da entidade, Gilberto Pupo Nogueira. “Mas, para nossa surpresa, o desenvolvimento do esporte tem sido mais rápido lá do que no Sul.”
“Impeditivo” é um adjetivo talvez ameno para o calor em questão. Alguém já o definiu como “anecúmeno”, que o Houaiss explica ser “região geográfica que não é habitada pelo homem”. De fato, o Instituto Nacional de Meteorologia afirma que Teresina é a capital mais quente do país. Os piauienses inventaram a palavra bro-bró para designar o período de calor mais lancinante, os quatro meses de terminação igual: setembro, outubro, novembro e dezembro. Setembro é o pior dos meses, e o início da tarde é o pior dos horários.
No começo de uma tarde de setembro, Henry Matheus começou seu treino de badminton no ginásio do Escolão do Parque Itararé. Numa partida, o jogador chega a percorrer mais de seis quilômetros numa quadra que tem dimensões quase iguais às do tênis. O objetivo do jogo é fazer a peteca ultrapassar uma rede, mais baixa do que a de vôlei e mais alta do que a de tênis, e cair no campo do adversário. Assim como no tênis, o vocabulário do esporte vem do inglês. No calor brutal de setembro, sob o teto de zinco que transforma o ginásio numa fornalha, Henry e seus amiguinhos gritam Out! e Net! para comemorar smashs, forehands e top spins.
O badminton do Piauí tem data de nascimento precisa: 21 de março de 2005. Naquele dia o Aeroporto Senador Petrônio Portella, de Teresina, recebeu Francisco Ferraz, que voltava de um período de estudos em Curitiba. Ferraz é o Charles Miller do badminton piauiense. Ele trazia na bagagem as raquetes, redes e petecas necessárias à prática do seu esporte predileto. Sendo minguadas as expectativas que acalentava quanto à popularização do badminton – “o nome é esquisito, o esporte não usa bola e nem é coletivo” –, trouxe também um adversário, seu amigo Paulo Bastianini. Mas prevaleceu a fé no esporte: Ferraz enfiou o amigo e o equipamento num carro e saiu batendo em portas de escola, oferecendo-se para ensinar badminton.
Suas perorações renderam. Existem agora oito lugares para jogar badminton em Teresina, incluindo três escolas da prefeitura. No começo do ano, a peteca começará a voar no ensino superior, na Universidade Federal do Piauí, que oferecerá o esporte como disciplina optativa. “Só ganho das escolas particulares”, conta Ferraz, 27 anos, presidente da Federação Piauiense de Badminton. “Nas outras, vou para fazer trabalho social e divulgar o esporte.”
Em frente ao ginásio do Escolão do Parque Itararé, Ferraz conversa com a garotada para decidir quem representará o estado num torneio em São Paulo. Os candidatos enumeram seus feitos. “Ferraz, Ferraz, eu fui campeão, vice e terceiro lugar!”, diz Luan, de 13 anos. “Você é o melhor do badminton aqui, Luan?” “É, mas tem também o Augusto, o Arielson e o Mongol.”
A decisão sairia dias depois. Enquanto Dunga relacionava o nome dos 24 homens que enfrentariam as seleções do Kuwait e do Equador, Ferraz fechava a lista dos convocados a defender o verde, azul e amarelo do Piauí no ginásio do seleto Club Athletico Paulistano. Escolheu apenas o professor Jeslley, a atleta Gilmara Cristina e o pequeno Henry. Aos oito anos e 1,40m, o garoto da rua Três de Itararé vai aproveitar e conhecer esse outro bicho que voa, o avião.