"Tem jogador hoje em dia que é como o Big Brother: tem câmera para tudo que é lado e, se você aprontar, o maior prejudicado será o clube" FOTO: EGBERTO NOGUEIRA_ÍMÃ FOTOGALERIA
Tem jogador que parece bloco de concreto
No meu tempo de gandula, cheguei a xingar o meu ídolo Zetti de frangueiro, mas hoje isso é passado
Leonardo Brancaccio | Edição 22, Julho 2008
GERENTE COMERCIAL DE UMA EMPRESA DE ENTRETENIMENTO, LEONARDO BRANCACCIO TEM QUINZE ANOS DE SERVIÇOS PRESTADOS AO SEU TIME DE CORAÇÃO, O PALMEIRAS, PRIMEIRO COMO GANDULA E DEPOIS COMO CARREGADOR DE MACA. ENTRE GLÓRIAS, TRAGÉDIAS E CORPOS ESTENDIDOS NO CHÃO, BRANCACCIO, AO LADO DO FIEL ESCUDEIRO MÁRCIO AVERSANI, JÁ VIU PRATICAMENTE DE TUDO DENTRO DAS QUATRO LINHAS DO ESTÁDIO DO TIME, O PALESTRA ITÁLIA. ELE SE CONSIDERA UM PRIVILEGIADO POR VER OS JOGOS DO PALMEIRAS DE PERTO E PODER PARTICIPAR DAS PARTIDAS, ALÉM DE CONVIVER COM JOGADORES, TÉCNICOS, CARTOLAS E FUNCIONÁRIOS DO CLUBE. COMO MAQUEIRO, ELE É PROIBIDO DE TORCER DURANTE OS JOGOS, UMA REGRA QUE ELE SEGUE (QUASE) À RISCA
MARÇO DE 1997-_PALMEIRAS VS. SANTOS
Foi na época em que o Luisão ainda era fininho e eu atuava como gandula, que o Santos veio ao Estádio Palestra Itália enfrentar o Palmeiras. Djalminha reinava. Antecipava aquele estilo — que daria fama a Ronaldinho Gaúcho — de olhar para o lado inverso na hora do passe para confundir os marcadores. Jogava com elegância, o nariz empertigado e um futebol tão virtuoso que, muitas vezes, os próprios companheiros não entendiam suas intenções. E foi justamente o que aconteceu quando vencíamos o Santos por 2 a 0, com tranqüilidade, e faltavam uns vinte minutos para o final do jogo. De longa distância, vi Djalminha armar o petardo para o gol. Era firula: acabou apenas alçando a bola na grande área. Ninguém entendeu. Na incompreensão entre ser uma finalização ou um cruzamento, a bola foi caminhando solitária em direção à linha de fundo, quase que em câmera lenta.
Eu trabalhava atrás daquele gol, e tinha sempre uma bola na mão, enquanto o outro gandula ficava de sobra. Na jogada, a bola ainda se arrastava rumo à linha de fundo quando Zetti, o goleiro do Santos, olhou em minha direção e começou a bradar pela reposição de bola. Respondi que ele esperasse a bola em jogo sair totalmente do campo, como manda a regra. Eu não estava fazendo cera: a bola realmente não tinha saído. Mas não foi o que ele achou, e por isso ficou transtornado. Era uma situação inusitada: sem nenhuma razão, eu era xingado pelo Zetti.
Apesar de ter se consagrado no rival São Paulo, Zetti nascera no Palmeiras e havia sido um ídolo meu. Entrou para a história no Campeonato Paulista de 1987, quando ficou nada menos que 1 242 minutos sem sofrer um único gol. Naquele final de jogo, no entanto, o bate-boca foi inevitável.
Zetti ameaçou partir para a ignorância e disse que iria me pegar. Falei para ele vir para cima, que eu não tinha medo de frangueiro. O tempo fechou. Ele procurou o juiz e me acusou de eu ter ficado o jogo inteiro xingando e provocando ele. Não era verdade.
Entre acusações daqui e dedos em riste de lá, acabei expulso. Sobrou também para o outro gandula, que não havia feito nada. De noite, no Mesa Redonda da TV Gazeta, ainda de cabeça inchada com a derrota, Zetti reiterou que eu ficara de sacanagem com ele durante toda a partida. Não bastasse, ainda peguei um gancho de seis jogos. Quando voltei da suspensão, fui informado que precisavam de alguém para ficar na maca, e como eu era forte (fisicamente falando), me designaram para a função. Desde então, me tornei um dos maqueiros titulares do Palmeiras, função que divido hoje com meu parceiro Márcio.
MARÇO DE 1999_PALMEIRAS VS. GAMA
Dificilmente perco um jogo do Palmeiras. No Palestra Itália, só fico de fora quando as partidas caem em horário comercial, já que meu trabalho “oficial” é na gerência de vendas de uma empresa de DVDs. Quando o time joga fora de casa, acompanho pela televisão porque tenho pay-per-view. Meus dois filhos do primeiro casamento, Leonardo e Giovanna, adoram futebol, mas só o primeiro herdou o sangue verde. Como a família da mãe era corintiana e a minha palmeirense, minha filha preferiu ser são-paulina “para não desagradar ninguém”. Minha atual esposa, Bruna — que me deu o futuro palmeirense Bernardo, de 3 meses —, nunca teve qualquer crise de ciúmes por causa do Palmeiras. Ao contrário, sempre me incentivou. Ela até já assistiu a um jogo na numerada, enquanto eu trabalhava no campo.
Há partidas que são maçantes, nas quais não acontece nada, e você acaba pensando justamente na via inversa: que poderia estar em casa, curtindo a família, em vez de estar ali, na beira do campo, à espera de jogador caído. Mas compromisso é compromisso. Uma vez que você assumiu esse com o time, é preciso estar preparado para o que der e vier: às vezes tédio, às vezes tensão.
Nem sempre é possível evitar um desentendimento, mesmo que você procure fazer seu trabalho com discrição e na maior dignidade. Essa partida contra o Gama não tinha nenhum atrativo em especial, mas calhou de ser o único caso, como maqueiro, em que fui expulso. Como sempre, cheguei ao estádio com duas horas de antecedência, fui para o vestiário e pus o uniforme: camisa, calção e meias. Sempre uso boné também, para o sereno não judiar da minha calvície.
Pouco antes de entrar em campo, o árbitro chamou os gandulas e maqueiros para a preleção. Árbitros mais detalhistas até perguntam aos gandulas em que posição cada um vai atuar. No nosso estádio, geralmente são dois em cada lateral e dois atrás de cada gol. Sempre um fica com a bola na mão e outro de sobra. Como o Palestra é um jardim suspenso, então a bola está sempre caindo no fosso — daí a importância desses que ficam de sobra.
Histórias de gandula entrando em campo para evitar gol do adversário (ou influenciando de alguma maneira no resultado do jogo) só acontecem em clubes semi-amadores, de divisões baixas. O futebol, hoje em dia, é como o Big Brother: tem câmera para todos os lados e, se você aprontar, o maior prejudicado será o clube. Sem falar que há o quarto árbitro, sempre de olho em tudo, e fiscais da federação atrás dos gols, nas laterais e na arquibancada.
Nesse jogo contra o Gama, o time deles estava muito nervoso desde o começo. O massagista questionava todas as marcações da arbitragem e chegou a xingar alguns jogadores do Palmeiras. O treinador do Gama ficava no limite daquele pontilhado que demarca a área técnica. Eu me dirigia ao lugar dos maqueiros e, para não atrapalhá-lo, optei por passar por trás dele. Caminhava olhando para o jogo, até que alguma coisa me fez desequilibrar e senti a maca bater em algo. Quando me virei, o massagista do Gama, já com o muque armado, veio para cima de mim. Pronto: estava armada a confusão. Só depois, vendo o teipe, observei que o massagista tinha colocado o pé na minha frente, provavelmente para me dar um tropicão. O que ele não esperava é que, no meu desequilíbrio, o pezinho da maca o acertasse em cheio na perna. Ele ficou furioso.
Como ele reagiu violentamente, eu mantive a maca entre a gente, apoiando-a no peito dele, para evitar o confronto. Mas é claro que, quando o quarto árbitro me viu naquela posição supostamente agressiva, não teve jeito. Fui expulso, e o massagista também. Aos poucos, esfriamos a cabeça, até que, quando vimos, estávamos um sentado de frente para o outro, ambos com cara de tacho, como se fosse castigo de colégio. Concordamos que éramos duas bestas. Mas ele mais.
ABRIL DE 1999-_PALMEIRAS VS. VASCO
Não vamos ser hipócritas de dizer que gandulas e maqueiros não torcem para os times aos quais prestam serviço. Mas, uma vez selecionado para trabalhar, tem que ser sério. Comemorar gols? Nem pensar! É claro que quando o jogo está muito complicado, e sai o gol redentor, você tem uma reação instintiva, o ímpeto de querer vibrar. Com o tempo, você vai se habituando a controlar esse tipo de reação, “gritando baixinho”, se é que isso é possível. Tanto a Federação Paulista quanto a Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, são rigorosas na proibição. Às vezes acontece de um representante, assistindo ao teipe de um jogo, notar um gandula erguendo os punhos na hora do gol. Aí, na partida seguinte, chega a cobrança.
Teve um gandula que, uma vez, veio com a camisa da torcida Mancha Verde por baixo. Quando o Palmeiras fez um gol, saiu louco em direção à galera, exibindo o logotipo da uniformizada. Era amigo nosso, mas fazer o quê? Foi excluído. Já a Confederação Sul-Americana não se apega tanto a esse tipo de detalhe. Daí que nosso inconsciente nos leva a extravasar nos jogos da Libertadores de forma mais passional.
Em 1999, Donizete vivia a alvorada de sua alcunha de “Pantera”. Era o jogo de ida das oitavas-de-final da Libertadores, e o Vasco defendia o título com Antônio Lopes no comando técnico, com quem havia faturado o Campeonato Brasileiro de 1997, em cima do Palmeiras. Ou seja, o Vasco era um algoz no nosso caminho.
Viramos o primeiro tempo na frente, 1 a 0, com gol de cabeça de Oséas. Se bem conhecíamos Luiz Felipe Scolari, o Felipão, ele voltaria do intervalo tentando segurar o resultado, para jogar pelo empate no jogo da volta, em São Januário. Mas aos 22 minutos veio o banho de água fria, com o gol de Guilherme. O Palmeiras partiu em busca do segundo gol, com uma pressão tão avassaladora que o Vasco mal conseguia respirar. Foi por isso que fiquei indignado quando vi, na minha frente, Donizete ir ao chão, fazendo uma onda danada na simulação de uma contusão, para desacelerar o ímpeto palmeirense.
O juiz Márcio Rezende de Freitas sinalizou em nossa direção e entramos com a maca. Recolhemos o Pantera rapidamente. Enquanto o levávamos para fora de campo, ele não conseguia disfarçar o blefe e ria. Aquilo mexeu com nossos brios. Porque se fosse cera, o.k. Em qualquer lugar do mundo isso existe. Rindo daquela maneira, era como se ele nos chamasse de otários. Eu empunhava as hastes da maca no lado da cabeça do jogador, enquanto o Márcio segurava o lado oposto. Assim que ultrapassamos a linha lateral, soltei as hastes. Como o Márcio não soltou o lado dele, o Pantera deslizou de cabeça no chão, como se fosse um escorregador. Quem viu o lance isoladamente acreditou que nós, maqueiros, fizemos aquilo de má-fé. Reconheço que não foi uma atitude das mais louváveis da minha parte, mas o fato é que, ali, valeu uma ética digna de “mulher de malandro”: se ninguém entendeu por que eu soltei, o Pantera sabe por que caiu.
JUNHO DE 1999_PALMEIRAS VS. DEPORTIVO CALI
Quando eu e o Márcio começamos a trabalhar no Palmeiras, ainda como gandulas, não poderíamos imaginar que faríamos parte da maior conquista da equipe, a Taça Libertadores da América. Pouco antes do início daquela final contra os colombianos do Deportivo Cali, já no gramado, víamos o Palestra Itália como uma panela de pressão. No início daquela semana, no dia de abertura das bilheterias, houve quem saísse da fila sem conseguir comprar ingressos mesmo após oito horas de espera, e debaixo de chuva. Márcio dizia que, se havia 30 mil pessoas no estádio, 30 mil e uma pessoas gostariam de estar na nossa pele.
A subida ao gramado foi triunfal. Na partida de ida, o Palmeiras perdeu por 1 a 0. Não seria sem sofrimento que iríamos reverter a vantagem colombiana. O primeiro gol do Palmeiras só saiu na metade do segundo tempo, com Evair. Nada menos que cinco minutos depois, com a delicadeza que lhe caracterizava, Júnior Baiano quase mata um atacante adversário dentro da área. Pênalti e 1 a 1 no placar. Seis minutos depois, após um cruzamento de Júnior, Oséas marca 2 a 1 e leva a decisão para as penalidades. Eu, o Márcio e toda a equipe de gandulas nos posicionamos no gol oposto ao das cobranças, ajoelhados em corrente, rezando. Foi assustador ver Zinho desperdiçar o primeiro chute. Mas o mesmo Zapata, que convertera o pênalti do tempo regulamentar, desperdiçou a cobrança derradeira para o Cali, e então o Palestra Itália explodiu. Felipão, em vez de ir em direção aos jogadores, veio correndo para o nosso lado, em transe. Ele vertia lágrimas quando o alcancei para um abraço — na verdade, foram diversos abraços coletivos, com jogadores e integrantes da comissão técnica pulando uns sobre os outros — e eu também não pude conter o choro. Depois, numa entrevista a uma rádio, Felipão diria que não ignorara a vibração positiva da “gurizada”, e que por isso quis ir primeiramente ao nosso encontro, como uma forma de agradecimento mesmo. Jamais me esquecerei do tamanho daquela emoção.
FEVEREIRO DE 2002_PALMEIRAS VS. ASA DE ARAPIRACA
Era o jogo de volta da primeira fase da Copa do Brasil. Na partida de ida, em Alagoas, a expectativa de uma vitória com margem de dois gols de diferença – para evitar o segundo confronto — não se confirmou. Pior: perdemos por 1 a 0. Já não vivíamos mais a bonança dos tempos de Felipão e Parmalat, mas o time não chegava a ser ruim: ainda tínhamos alguns remanescentes das últimas conquistas, como Marcos, Arce e Alex. Sem falar que havíamos repatriado Luxemburgo, em baixa após sua demissão do Corinthians, a primeira de sua carreira. De modo que ter de vencer por dois gols de diferença uma equipe do futebol alagoano não parecia, em princípio, ser missão das mais desafiadoras.
O primeiro tempo até que correu bem. O Palmeiras saiu na frente com Galeano, mas tomou o empate com um gol de Sandro Goiano (não o do Grêmio, um genérico). No segundo tempo, o zagueiro César, que estreava no Palmeiras, fez 2 a 1 e acendeu a euforia dentro do Palestra Itália. Só que ainda era pouco: faltava mais um gol para a classificação palmeirense. Daí começou o cai-cai. Por inúmeras vezes, vi o técnico do ASA fazendo aquele típico gesto com as palmas das mãos voltadas para baixo, subindo e descendo, como se ordenasse aos seus comandados para caírem no chão — e que por lá permanecessem. Nessa época ainda não havia o carrinho elétrico, então tínhamos que tirar os atletas na raça, no braço mesmo. E eles caíam. Deus do céu, como caíam. A bola não andava dois minutos inteiros sem que alguém não estivesse no chão, geralmente se contorcendo em dores lancinantes. Abusaram da malandragem, de os companheiros cercarem o jogador caído. Isso dificulta na hora de estender a maca no chão para recolhê-lo. Ganham-se (ou perdem-se) minutinhos preciosos aí.
Num certo momento, antes mesmo de o árbitro fazer a sinalização para que entrássemos em campo, eu e o Márcio já estávamos do lado do jogador estirado. A gente nem chegava a tirar a maca do campo e já tinha outro caído. Alertamos o quarto árbitro para o que estava acontecendo. Fomos ignorados placidamente. Era uma encenação tão acintosa que os atletas não se incomodaram nem quando avisamos que começaríamos a derrubá-los da maca. Então o aviso se cumpriu: recolhíamos os jogadores, levávamos para fora do campo e nos desvencilhávamos deles como sacos de batata. Eles se levantavam no mesmo instante e já saíam berrando desesperados para que o árbitro os autorizasse a retornar ao jogo. Nossa única sorte foi que os jogadores do ASA não eram especialmente pesados. Porque tem jogador que parece bloco de concreto.
Calculo, sem exagero, que fizemos uns 23 carretos nesse jogo. Quem quiser comprovar, é só pegar o teipe. Quando sentávamos para respirar um pouco, lá estava o juiz sinalizando novamente para nós, convocando nossos préstimos. Se o Palmeiras não precisasse de mais um gol, acho que seria a primeira vez na história do futebol em que uma dupla de maqueiros faria “chinelinho” para não ter de entrar em campo. Não agüentávamos mais. A poucos minutos do fim, outro jogador do ASA caiu. Quando o colocamos na maca, ele emendou de imediato: “Olha, por favor, não me derrubem, não, porque eu me machuquei de verdade.” Tinha tomado uma canelada e, de fato, dava para ver a marca avermelhada do inchaço. Claro que esse a gente não derrubou, tínhamos discernimento entre o fato e a farsa.
MAIO DE 2008_PALMEIRAS VS. PONTE PRETA
Finalmente, o Palmeiras voltou a estar numa final de Campeonato Paulista. A última conquista foi em 2003, como campeão da Série B. Desta vez, montamos um time competitivo, que ao longo de todo o campeonato nos encheu de orgulho. Há quanto tempo não sentíamos isso? É a recuperação da grandeza perdida.
Acordei bastante ansioso. Estava confiante no título, mas sou escaldado: já vi o Palmeiras tomar tanta virada dentro de seu estádio, que sei que não podemos cantar vitória em nenhuma situação. Nem almocei. Em toda decisão, fico numa expectativa tão grande que perco até a fome. Conforme o desempenho do time no primeiro tempo, posso até comer alguma coisa no intervalo, já que o clube oferece um lanche para o pessoal no vestiário.
Fui me encontrar com o Márcio e os gandulas às 13 horas, na sala de troféus. Só que os gandulas palmeirenses acabaram dispensados, porque, por ser final de campeonato, a própria federação mandou sua equipe: umas meninas bonitas, estudantes de educação física.
Como duas se disseram são-paulinas, brinquei dizendo que estaria de olho nelas, para que não tentassem nos prejudicar. No vestiário, calibramos as bolas, depois checamos o campo, as redes dos gols — as coisas de praxe. Ainda bem que a chuva que se anunciava não se confirmou. Sob chuva é sempre complicado, não só por comprometer a fluência e a técnica do jogo. O risco de contusões sérias é maior. Teve uma vez em que trabalhávamos numa partida da equipe feminina do Palmeiras, debaixo de um temporal. Entramos em campo para tirar uma menina e vimos que ela estava com uma fratura exposta. Eu e o Márcio somos formados em educação física, embora eu não exerça. Então a gente até soube orientar o massagista para não tocar nela, não tentar colocar nada no lugar.
Em outra ocasião, um bandeirinha, sabe-se lá como, arranjou uma distensão em pleno jogo. Teve de ser substituído pelo quarto árbitro, e preferiu sair apoiado em mim. Pensando bem, seria mesmo ridículo um bandeirinha na maca. Porque torcida não perdoa. Num jogo da Libertadores contra o Atlas, do México, assim que o juiz sinalizou que entrássemos em campo para retirar um jogador, eu pisei num buraco. Sabe quando você dá um jeito de se equilibrar, mas vai correndo meio torto, bambeando? A torcida percebeu e só se ouviu o uivo da massa ecoando no estádio: uuuuuuuu!
Nessa partida contra a Ponte, nada de grave ou grotesco aconteceu. Entramos em campo três vezes, uma delas para buscar o Valdivia, mas foram contusões leves, tanto que nenhum dos atletas recolhidos teve de ser substituído. E como também somos filhos de Deus, desta vez não conseguimos controlar a euforia pelos gols que foram saindo tão naturalmente: um, dois, três… O cara da federação até veio falar comigo. Pedi desculpas, mas reiterei: “Hoje não! Hoje não!” E ele entendeu. Era o último jogo do campeonato, o estádio lotado, uma festa de cantos e cores como há muito tempo não fazíamos.
A cada gol, saí abraçando todo mundo: o Márcio, os jogadores do banco, o [fisioterapeuta] Filé… E o Luxemburgo, é claro. Todo mundo torce o nariz para ele, mas, pelo menos com a gente, sempre foi um cara fantástico. Mesmo quando veio jogar contra o Palmeiras por outros clubes, ele ia no nosso vestiário dar um “oi” para o pessoal. Vive brincando comigo, com nossas idades. Afinal, eu peguei as quatro passagens dele no clube: 1993, 1996, 2002 e agora, 2008.
As relações que você estabelece nesse meio, aliás, são gratificantes. Dois anos depois da minha briga com o Zetti, eu o reencontrei num novo Palmeiras vs. Santos, desta vez no Morumbi. Quando o Palmeiras joga lá como mandante, eu trabalho como gandula, porque o São Paulo fornece os maqueiros. Minutos antes de a partida começar, o Zetti veio em minha direção, pedir uma bola para fazer o aquecimento. Assim que olhou nos meus olhos, me reconheceu. Um tanto sem graça, foi se aproximando e disse: “Pô, a gente está sempre se encontrando nos jogos, queria te pedir desculpas, aquela nossa briga…” O cara era campeão do mundo, superconsagrado e, ainda assim, não teve problemas em deixar a vaidade de lado para vir se desculpar com um humilde gandula/maqueiro.
A atitude não me surpreendeu: sempre tive uma imagem do Zetti como um sujeito do bem, íntegro, educado. Ter brigado com ele é que não fazia sentido. Expliquei que eu só o xinguei naquela ocasião porque ele me xingou primeiro. Garanti que, para mim, a coisa morreu lá mesmo. Demos as mãos e desejamos sorte um ao outro. Grande sujeito, o Zetti.
O juiz apontou para o centro de campo. Não deu para a Ponte: 5 a 0. É campeão!
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