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Assim é se não lhes parece
Milk e as ambiguidades de Hollywood
João Moreira Salles | Edição 29, Fevereiro 2009
Os políticos conservadores americanos não gostam de Hollywood. Uma das formas costumeiras com que desqualificam um rival é se referir a ele como “Fulano e seus amigos de Hollywood”. Trata-se de um atalho para dizer que Fulano é a favor do aborto, do casamento gay e de carros híbridos. A violência dos filmes de ação que constituem parte considerável da produção do cinema industrial americano não é propriamente o que os aflige. Pior que a exaltação das armas seria a exaltação da libido, sobretudo quando dissociada do afeto – libertinagem, concupiscência, adultério. Boa parte dos que criticam o cinema americano pelo viés do conservadorismo moral diria provavelmente que, ao escolher uma opção, melhor amor sem sexo do que sexo sem amor. E, à falta de amor, decerto melhor sexo entre homens e mulheres do que entre homens e homens ou mulheres e mulheres.
À primeira vista, os conservadores parecem estar perdendo essa guerra. Nos últimos anos, Hollywood ampliou sua agenda liberal e trouxe a homossexualidade das franjas do cinema independente para o centro da indústria.
Neste mês, estréia no Brasil o filme Milk — A Voz da Igualdade, a história de um dos primeiros homens abertamente homossexuais eleitos para um cargo público nos Estados Unidos. Harvey Milk foi um judeu de Nova York que na década de 70 se mudou para São Francisco e abriu uma pequena loja de fotografia no distrito gay da cidade. Em 1977, depois de três tentativas, elegeu-se vereador.
Era um homem gentil, conciliador, de uma simpatia e generosidade irresistíveis. Trabalhou lado a lado com o prefeito liberal da cidade, George Moscone, e fez avançar a causa dos direitos civis americanos. Combateu com sucesso um projeto de lei que permitia demitir professores homossexuais da rede pública de ensino. Sua popularidade se estendia além dos limites da comunidade gay. Foi um dos responsáveis por aproximar o mundo heterossexual da cultura aberta que começava a transformar São Francisco num destino preferencial de homossexuais discriminados em outras partes do país. Em novembro de 1978, Milk e Moscone foram assassinados no prédio da prefeitura. O assassino, um vereador conservador católico, havia sido eleito junto com Milk.
Uma resenha na revista Rolling Stone diz que Milk “é um triunfo absoluto, um clássico do cinema americano”. O principal crítico do New York Times escreveu: “Milk é um prodígio.” Inúmeras associações americanas de críticos, acompanhando a opinião, elegeram o filme como o melhor de 2008. No papel de Harvey Milk, Sean Penn, o melhor ator de sua geração, não pára de colecionar prêmios, entre os quais o de melhor ator pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema e pelos círculos de críticos de cidades como Nova York e Los Angeles. O sucesso também é de público. Orçado em 15 milhões de dólares, o filme já havia arrecadado mais de 23 milhões de dólares até o último fim de semana de janeiro.
Milk vem na esteira de outro fenômeno. Em 2005, Ang Lee lançava O Segredo de Brokeback Mountain. O filme custara 14 milhões de dólares. Depois de estrear em oito salas, na quarta semana pulou para 269 e, na nona, para 2089. Não apenas as elites liberais da Costa Leste ou Oeste lotaram as sessões. A América profunda das cidadezinhas do Sul e do Meio-Oeste, em grande parte cristã e conservadora, também se comoveu com o amor entre os dois caubóis. Só nos Estados Unidos, Brokeback Mountain teve uma receita superior a 80 milhões de dólares, o que o pôs na lista dos dez dramas românticos de maior bilheteria do país.
Durante alguns meses o filme foi assunto obrigatório na imprensa. Dispondo de ouro puro, o departamento de marketing da Focus Features, a empresa que produziu o filme com a Paramount, assegurou um fluxo constante de notas para alimentar jornais e redes de televisão e rádio. Em meio às trivialidades acerca da produção, uma das notícias que preencheram mais páginas nas revistas de celebridades dizia que, durante as filmagens, o ator Heath Ledger se apaixonara por Michelle Williams, atriz que fazia o papel de sua mulher. Antes mesmo da estréia nascia a filha do casal.
As fotos de Ledger com Michelle Williams e a filhinha Matilda Rose foram uma dádiva para estender o latifúndio que Brokeback Mountain conquistara na imprensa, mas é razoável supor que serviam a um segundo propósito, tão importante quanto o de divulgar o filme: reforçar inequivocamente que os atores eram heterossexuais.
Difícil imaginar que Brokeback Mountain pudesse ser lançado pela Focus se o filme tivesse atores homossexuais nos papéis que couberam a Heath Ledger e Jake Gyllenhaal. Ledger – que, ao morrer, já era o melhor ator da sua geração – poderia ter elevado a tensão erótica entre os amantes à altura da paixão que os consumia, mas Ang Lee, em vez de conjunção carnal, preferiu nos oferecer uma “conjunção de almas”, como escreveu Anthony Lane, crítico da revista New Yorker. Brokeback Mountain é um drama sentimental extremamente bem interpretado, no qual suspiros espirituais têm precedência sobre corpos que suam. Elimine-se o fato de serem dois homens e o que sobra é o eterno enredo do amor impossível.
A discussão sobre a propriedade de minorias serem representadas por atores do mainstream é velha e, na maior parte das vezes, restritiva e mesquinha, afeita à tirania dos movimentos de auto-afirmação. Segundo essas vozes, só lésbicas estariam aptas ao papel de lésbicas, ou só negros teriam legitimidade para dirigir filmes sobre a escravidão. O importante a sublinhar, no caso, não é a escolha de atores heterossexuais para protagonizar a história, mas a impossibilidade da alternativa: dada uma paixão entre dois homens, é prudente fazer saber ao espectador de Des Moines ou de Salt Lake City que ele está assistindo a atores no exercício da profissão. A presunção de uma sexualidade manifestada na tela com a sofreguidão de corpos que poderiam se desejar na vida real seria difícil de ser tolerada.
Milk é dirigido por Gus Van Sant, um dos mais audaciosos diretores do cinema americano. Para os que se situam no campo liberal, seu filme parece inatacável: uma história real de coragem e militância política progressista, interpretada por um grande ator – talvez seja esta a primeira salva cinematográfica da era Obama, na qual minorias até então à margem se sentem absorvidas pelas esferas mais altas do poder. A quase unanimidade em torno do filme reflete um certo otimismo em relação aos tempos. Além disso, tal qual Brokeback Mountain, Milk traz em si o antídoto à sua própria crítica: as razões para não gostar do filme esconderiam, quase sempre, o pecado da homofobia.
Entretanto, o que esperar de um diretor que realizou filmes tão desconcertantes como Elefante (2003) e Paranoid Park (2007) Em quase todo o seu trabalho, Van Sant ignora a sintaxe clássica do cinema de indústria. Em Elefante, cujo enredo se inspira no massacre da escola Columbine, ele retalha o tempo, dilatando-o de forma a criar longos intervalos de inação nos quais se manifestam a solidão, a angústia e a confusão mental. É o oposto da maneira como esperamos ver representado o tempo da adolescência, sempre frenético e clipado, e também o tempo da barbárie. O filme é misterioso, sem explicações. Van Sant privilegia as contingências que levam alguns a morrerem e outros a serem poupados – sem razão alguma salvo as do acaso.
Milk é o oposto, uma narrativa convencional e edificante, com violinos que plangem para lembrar ao espectador que é hora de se emocionar. Em se tratando de uma produção cara, com ambições de alcançar os grotões da América, é provável que não pudesse ser muito diferente – não é essa a falácia liberal. Filmes convencionais entram merecidamente para a história do cinema. Noite e Neblina (1955), o documentário de Alain Resnais sobre Auschwitz, é um bom exemplo. Como narrativa não-ficcional, trata-se de uma obra verbosa e literária, sem novidades formais. Contudo, tem o mérito indiscutível de ser o primeiro filme a focalizar explicitamente o Holocausto.
Qual seria, então, o mérito de levar para a tela, em 2008, a história de um ativista gay? Certamente, não apenas o de contá-la. Seria preciso ir além.
Van Sant não dá esse passo. Escolher Sean Penn não é apenas escolher um grande ator. É também uma decisão conservadora, pois se trata, uma vez mais, de um homem com sólidas credenciais de macho no papel de um homossexual. É o preço da decisão de contar a história – uma importante história, diga-se – dentro do sistema de Hollywood.
Não há como não lembrar o judeu Al Jolson pintando a cara de graxa para cantar no primeiro filme falado da história do cinema. O Cantor de Jazz, de 1927, traz à mente, imediatamente, a imagem de um homem branco que se fantasia de negro para reproduzir os estereótipos raciais da época – o negro dócil, extrovertido, sentimental, cômico e dado a sustos –, sublinhados, sempre, por olhos arregalados. Jolson era o mais bem-sucedido cantor de sua época. Apresentava-se em blackface, uma tradição burlesca que vinha de 1830: rosto enegrecido com graxa ou carvão, lábios exagerados à tinta branca, luvas para esconder a cor das mãos.
Entretanto, a grande questão racial no centro de O Cantor de Jazz não é a do negro no mundo dos brancos, mas a do judeu que sonha em ser assimilado. Jolson nasceu Asa Yoelson, filho de imigrantes lituanos que se instalaram num bairro de judeus em Washington. O pai, um rabino, era encarregado dos cantos religiosos da sinagoga e queria que o filho seguisse seus passos. Aos 14 anos, Jolson fugiu para Nova York. Americanizou seu nome, fez sucesso e, por volta de 1920, se tornara o artista mais bem pago do país.
O Cantor de Jazz é autobiográfico. Jolson faz o papel de Jackie Rabinowitz, que vira Jack Robin e entra para uma companhia de teatro. Sua estréia em Nova York coincidirá com o Dia do Perdão. O pai está à morte e a mãe vem lhe suplicar que cante na sinagoga. Já de rosto preto, no camarim, ele precisa decidir entre a carreira e a reconciliação com o pai. Escolhe o pai, que o ouve cantar antes de morrer. Pouco depois, Jack Robin se transforma em astro da Broadway.
O filme foi uma aposta da Warner Brothers, cujos proprietários – Hirsz, Aaron, Szmul e Itzhak Wanskolaser, judeus poloneses – se transformaram na América em Harry, Albert, Sam e Jack Warner. De certa forma, Jolson falava por todos eles ao se apresentar com a máscara blackface. Num complexo jogo de espelhos, o judeu que se fazia de negro afirmava pertencer ao mesmo tronco dos descendentes do Mayflower – minoria eram os outros, que dependiam de graxa no rosto para ser representados. Ninguém diria que na época Hollywood fosse um reduto de liberais. Em busca do reconhecimento da sociedade americana, os donos de estúdio eram mais realistas do que o rei: ferozmente republicanos e anticomunistas. Em questões raciais, acompanhavam o espírito do tempo.
Negros não eram bem-vindos. Hoje são, e uma linha une Al Jolson a Sidney Poitier, Bill Cosby, Richard Pryor, Eddie Murphy, Samuel Jackson, Morgan Freeman, Denzel Washington e Will Smith, entre outros. Ao contrário do que se esperaria, ele é tido como um aliado do movimento negro – alguns chegam a chamá-lo de herói –, e não como vilão. Ególatra e odiado pela classe teatral, não obstante foi o primeiro a levar para platéias brancas o jazz, o blues e o ragtime. Ao morrer, em 1950, foi homenageado pela comunidade negra, que fez fila diante do caixão. Não era bem isso que os irmãos Warner pensavam ao produzir O Cantor de Jazz.
Hollywood é ambígua e se desdiz o tempo todo. Ainda que à revelia, o conservadorismo pode gerar avanços, do mesmo modo que a posição liberal é capaz de perpetuar o estado das coisas. O cinema industrial não é liberal nem conservador, pois não pode se dar ao luxo de ser nem uma coisa nem outra. A grande sabedoria da indústria do entretenimento é intuir o que pode ou não ser dito em determinado momento.
Filmes tidos como liberais muitas vezes apenas ratificam posições já consolidadas na sociedade. Um exemplo famoso é o documentário Corações e Mentes, de 1974, que passou para a história como o documento mais contundente produzido pelo cinema contra a guerra do Vietnã. No entanto, o filme de Peter Davis é, antes de tudo, a purgação de uma culpa. Atacar a guerra em 1974, quando ela já havia sido perdida, era não só fácil – boa parte da sociedade americana já compreendera a dimensão da tragédia –, mas necessário para limpar a ficha de Hollywood, que até então não tivera a coragem de se opor à aventura americana. Corações e Mentes foi financiado por um consórcio de estúdios e ganhou o Oscar.
Destino diferente teve um pequeno documentário de 1968 do marxista Emile de Antonio, No Ano do Porco, sem dúvida o melhor filme de não-ficção sobre a guerra. Não contou com o apoio de estúdio nenhum e ao ser exibido num punhado de cinemas teve de se haver com protestos e ameaças de bomba. De Antonio começou a trabalhar no filme em 1967, um ano antes do enorme impacto psicológico provocado pela ofensiva do Tet, quando só então ocorre a reversão das expectativas americanas em relação ao conflito. Num momento em que grande parte da imprensa e da opinião pública ainda acreditava que os Estados Unidos poderiam ganhar no Vietnã, De Antonio foi o primeiro a demonstrar que a guerra já estava perdida. Chegou a concorrer ao Oscar mas não ganhou.
Ao longo da história de Hollywood, muitos atores de primeira linha tiveram de esconder suas preferências sexuais. Montgomery Clift, Tyrone Power, Rock Hudson, James Dean, Cary Grant, Randolph Scott, Marlon Brando. Alguns tiveram apenas aventuras homossexuais, outros eram homossexuais e sofreram por isso. Expor a verdade equivaleria a suicídio profissional. É difícil acreditar que hoje não existam gays entre os atores do primeiro time. No entanto, pelo menos até agora, eles não saíram do armário. O liberalismo de Hollywood tem limites claros. Quem estabelece a risca no chão é o público.
Por essa razão, salvo em filmes considerados de arte, como Deuses e Monstros (1998), protagonistas gays são sempre interpretados por atores solidamente heterossexuais – Ledger e Gyllenhaal em Brokeback Mountain, Sean Penn em Milk, Al Pacino em Um Dia de Cão (1975), Dennis Quaid em Longe do Paraíso (2002), Jim Carrey, Rodrigo Santoro e Ewan McGregor em I Love You Phillip Morris (que estréia em março), Tom Hanks e Antonio Banderas em Filadélfia (1993).
Filadélfia foi dirigido por Jonathan Demme, responsável por filmes não-convencionais como Stop Making Sense (1984), sobre a banda Talking Heads, e Swimming to Cambodia (1987), o monólogo filmado do ator e escritor Spalding Gray. Dirigiu também O Silêncio dos Inocentes, um filme poderoso que mostra ser possível realizar grandes obras dentro dos parâmetros da indústria. Filadélfia, no entanto, é convencional. Repleto de lições sobre a grandeza da Constituição americana, sua cena mais famosa é o auge do lugar-comum: o homossexual à beira da morte que se comove com uma ária de ópera, provando assim que é sensível e – por que não? – digno de continuar vivo.
Papéis assim são desejados, pois interpretar um homossexual é abrir caminho para premiações conferidas por um corpo de jurados liberais: William Hurt (O Beijo da Mulher-Aranha) e Tom Hanks ganharam o Oscar; Gyllenhaal concorreu a melhor ator coadjuvante; Ledger e agora Sean Penn, a melhor ator.
Quanto a atores negros, hoje eles estão entre os mais bem pagos e mais poderosos nomes de Hollywood. Mesmo em relação a eles, porém, existe uma barreira praticamente intransponível.
Em 1993, a Warner Brothers lançou um thriller chamado O Dossiê Pelicano, baseado no livro homônimo de John Grisham. Era um típico produto da indústria, sem outra ambição além de entreter. Uma estudante de direito descobre uma conspiração que pode levar à queda do presidente dos Estados Unidos; quando pessoas que a cercam começam a morrer, ela decide pedir ajuda a um jornalista investigativo e os dois se juntam para destrinchar a trama e expor os criminosos. Nos papéis principais, Denzel Washington e Julia Roberts.
A moça em perigo e o jornalista investigativo se enquadram no arquétipo do par romântico clássico dos filmes de tensão – Humphrey Bogart e Lauren Bacall, James Stewart e Grace Kelly. Quase sempre basta passar os olhos pelo elenco para saber quem vai morrer, quem vai matar e quem acabará nos braços de quem, mas não nesse caso. Ao longo da trama, não há nem a insinuação de um romance. É o único aspecto interessante do filme: Denzel Washington não tem o direito de se envolver com Julia Roberts. Se o papel fosse de Richard Gere, por exemplo, seria inconcebível supor que os dois não terminassem por se apaixonar.
Mas negros não podem tomar para si mulheres brancas, salvo em filmes militantes e independentes, como os de Spike Lee – e, mesmo nesses casos, o sexo inter-racial não é um acontecimento banal da vida, mas o centro da trama narrativa. O fato de O Dossiê Pelicano ser dirigido por Alan J. Pakula, responsável por Todos os Homens do Presidente (1976) – um libelo anti-republicano – e pelo extraordinário Klute – O Passado Condena (1971), é uma evidência a mais de que o liberalismo vai só até certo ponto.
Numa recente entrevista para o programa de televisão Inside the Actor’s Studio, Denzel Washington falava do sucesso de sua vida profissional. Às tantas, deixou escapar uma observação que, logo em seguida, tentou disfarçar com ironia, mas que lhe saiu da boca com raiva evidente: toda vez que se via sozinho num elevador com uma mulher, podia sentir, no rosto dela, o medo do estupro. Nos recessos da mente americana, negros ainda representam o instinto versus a civilização, a potência sexual crua contra a suavidade do amor romântico.
É bem possível que, ao ver Denzel Washington levar Julia Roberts para a cama, o espectador branco associasse a imagem à violência sexual. Ou a algo mais ameaçador: à possibilidade de que a princesinha da América estivesse descobrindo o verdadeiro prazer do sexo. Para não se arriscar, Hollywood faz a opção conservadora: nada de romance.
Um exemplo notável da barreira racial está em O Colecionador de Ossos, de 1999, outro filme cujo interesse não deriva de suas virtudes cinematográficas – de resto, inexistentes –, mas do que se pode ler nas entrelinhas. Nele, o mesmo Denzel Washington contracena com Angelina Jolie. Há uma permanente corrente erótica entre o par e, ao fim da trama, sugere-se que os dois formarão um casal. Ocorre que no início do filme Washington está numa cama – imobilizado por uma paralisia que afeta praticamente todo o seu corpo. Nas últimas cenas ele recuperará algum movimento, mas seguirá preso a uma cadeira de rodas. Sua potência está neutralizada. Ainda que os dois se desejem, não existe ali a possibilidade de sexo nem, é claro, de reprodução. A brecha liberal é apenas uma insinuação de futuro – quando (e se) ele superar a imobilidade.
Na direção contrária a barreira racial inexiste. Mulheres brancas não podem ser seduzidas ou amadas por homens negros; já homens brancos não enfrentam a mesma proibição. No péssimo O Guarda-Costas (1992), Kevin Costner tem um caso amoroso com a cantora Whitney Houston. No bom A Última Ceia (2001), Billy Bob Thornton e Halle Berry vivem uma relação tão erótica quanto trágica. Não se trata, portanto, apenas de uma questão racial. Ao menos por enquanto, a posição liberal só tem prevalecido quando o homem branco não é ameaçado.
Will Smith, Eddie Murphy, Denzel Washington, Samuel Jackson, Morgan Freeman, Jamie Foxx: no cinema, todos são casados com mulheres negras ou se envolvem romanticamente com elas. Diz-se que a chegada de Barack Obama à Presidência representa um capítulo importante na superação das tensões raciais na América. É verdade, mas pode-se especular se ele teria sido eleito caso Michelle Obama fosse filha de suecos. Enquanto a resposta não for um inequívoco sim, Hollywood continuará a pagar 20 milhões de dólares a Will Smith, contanto que ele não queira levar Scarlett Johansson para a cama.
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