Quando o peemedebista José Marcio Rigotto chega a Brasília todo mundo já fala: “Olha aí o prefeito da cidade que tem mais presos do que soltos” FOTO: ORLANDO BRITO_2011
Em falta: mulheres e homens soltos
Município do interior paulista registra virada populacional
Clara Becker | Edição 53, Fevereiro 2011
Três senhores aposentados conversam em um dos bancos da única praça de Balbinos, pequeno município na região de Bauru, no noroeste paulista. Cada um com a sua bengala ao alcance da mão, encostada. É uma tarde típica de janeiro, abafada e modorrenta. Indagados como anda a vida da cidade, eles respondem com um lamento amoroso. “Isso aqui era morar no céu sem estar morto”, descreve o primeiro. “É um paraíso, tinha que ter sido trancado a sete chaves”, garante o outro. “Quando chega a muierada de visita no fim de semana, aí danou-se”, acrescenta o terceiro.
Para eles, uma das conclusões mais alardeadas do Censo de 2010 é notícia indigesta: de todos os 5 565 municípios do país, Balbinos é o que registrou o maior salto populacional no decorrer da última década. Saltou de 1 313 habitantes para 3 932. Ou seja, cresceu quase 200%. Além disso, passou a ser a cidade brasileira com a maior concentração de homens: 88,2% do total da população local.
O motivo desse inchaço desenfreado está nos dois presídios masculinos de regime fechado inaugurados cinco anos atrás. Com capacidade prevista para abrigar 768 detentos em cada unidade, a lotação de ambas transbordou. Hoje os presos já são 2 687, enquanto os balbinenses livres somam 1 245 almas.
A cidade nunca teve hotel, nem nos saudosos tempos quando ali se plantava café. Quem quiser conhecer o paraíso de antanho precisa se hospedar em uma das quatro pensões adaptadas à nova clientela. A primeira pergunta dirigida ao visitante desavisado soa ininteligível: “Você quer uma P1 ou P2?” As pensões P1 são as que abrigam as mulheres dos presos da Penitenciária I, isto é, aqueles excluídos do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Já as P2 abrigam as mulheres dos presos da Penitenciária II, membros do PCC. Por ordem expressa dos detentos, é prudente não misturar.
No rastro dos novos presídios, os potins de Balbinos passaram a assimilar o dialeto carcerário brasileiro. A notícia da transferência de um preso para outra penitenciária é comentada com um “hoje alguém vai de bonde” para tal lugar. “Visita” é mulher de preso que desembarca na cidade nos fins de semana e muierada é coletivo de visita. “Função” designa o crime que o preso cometeu, e não o emprego que ocupava. “Jacks” são estupradores, “pezinhos” são os pedófilos, “157”, assaltantes, “121”, homicidas, e é útil dar uma estudada nos números dos artigos do Código Penal para não se sentir perdido em uma conversa de bar.
Do lado direito da praça, onde os aposentados marcam ponto diariamente, fica a prefeitura municipal. “Quando eu chego a Brasília todo mundo já fala: ‘Olha aí o prefeito da cidade que tem mais preso do que solto”, queixa-se o peemedebista José Márcio Rigotto. Aos 49 anos e em seu primeiro mandato, Rigotto é filho da terra. “Alguém tem que defender a tese de que a penitenciária não foi boa para a cidade. Eu ficaria feliz se fossem duas universidades! Quem lucrou foram três ou quatro comerciantes. Balbinos é pequena, conservadora, todo mundo se conhece, não tinha estrutura para receber os presídios.”
Rigotto pensou em construir um condomínio que seria alugado para os agentes penitenciários vindos de fora, e cujo salário gira em torno de 2 500 reais por mês, mas como o complexo carcerário foi construído na porta da cidade, muitos foram morar nas cidades vizinhas, que têm melhor estrutura. “Não somos nem cidade-dormitório”, lamenta o prefeito. Quem acaba ficando por Balbinos são as famílias dos presos, que em geral não têm renda própria e dependem dos serviços públicos.
“Para elas, nossa cidade é um paraíso, com água, luz, saneamento e educação para todos”, arrola o burgomestre. “A creche onde caberiam quarenta crianças hoje está com 84. Servem-se contrafilé no almoço e pera de sobremesa. Na escola, come-se de frango para cima. Nos finais de semana, oito em cada dez crianças a desfrutar da piscina do clube são filhos de detentos – regalias que elas não encontram em parte alguma do Brasil.”
Rigotto soube por meio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, que uma empresa de doces procurava uma cidade da região para se instalar. Ofereceu o terreno e a construção da fábrica, mas quando o dono foi informado da existência das P1 e P2, desistiu. “Ele morava no Horto Florestal, Zona Norte da capital, e seu argumento era irretorquível: ‘Agora que tiraram o Carandiru daqui eu não vou ficar ao lado de outra penitenciária.’”
Atualmente a produtora de alimentos Naturale é a única fábrica de Balbinos, mas ela não emprega familiares de detentos nem pessoas com antecedentes criminais.
No dia 27 de março passado, o município registrou o primeiro caso de homicídio em 56 anos de emancipação: o detento Charles de Clayton Gonçalves, 39 anos, matou a mulher, Valéria Aparecida Teodório da Silva, durante uma visita. No dia anterior, recebera uma carta do irmão dizendo que a esposa tinha se amasiado com outro. Quando Charles recebeu a mulher em sua cela, ela trazia o filho para ver o pai. Foi estrangulada enquanto o garoto jogava bola no pátio da carceragem.
À parte esse crime intragrades, o livro de ocorrências da cidade, com capa florida e páginas amareladas, é o mesmo desde 1975. A média anual de registros de ocorrências menores não chega a duas dúzias.
Entre os que não têm medo de virem a ocorrer rebeliões nos presídios da cidade está o balbinense José Airton Tecolo. Quando sai para jogar baralho numa cidade vizinha, deixa a televisão ligada, portão, porta e janelas abertos. Para ele, os negócios estão bombando. Airton, como é chamado, é dono da maior pousada de Balbinos, uma P2. Nos finais de semana hospeda oitenta senhoras do PCC, cortejadas por terem um poder aquisitivo maior do que as da P1. A diária custa 15 reais e as instalações foram adaptadas para atender às necessidades da nova clientela. Cozinhas são duas; fogões, oito. “Nos fins de semana isso aqui é uma muvuca. Elas passam o dia e a noite cozinhando para os maridos”, diz ele. Para armazenar os quitutes, investiu em dois freezers tamanho-família. Também instalou tomadas extras para a profusão de chapinhas e carregadores de celular. Sobretudo, colocou espelhos grandes no banheiro.
A julgar pelo seu empreendedorismo, Airton parece ter as chaves do paraíso nas mãos.
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