ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2016
QG do impeachment
Pato, Pixuleco e buzinaço na Fiesp
Consuelo Dieguez | Edição 115, Abril 2016
Uma faixa não muito larga, com uns 2 metros de comprimento, carregada por jovens de bermuda e camiseta, é a senha para transformar o quarteirão da Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, no pedaço mais rumoroso da já barulhenta avenida Paulista. Nela está escrito: “Buzine pelo impeachment” – o suficiente para que inúmeros condutores de ônibus, táxis, carros de passeio e motos enterrem as mãos na buzina e só suspendam o gesto algumas quadras depois. A sinfonia dissonante tem início por volta das oito da manhã e só dá trégua no final do dia, quando o trânsito da Paulista ameniza.
A ideia de promover o buzinaço nasceu na manhã de 16 de março, ao se confirmar a notícia de que Luiz Inácio Lula da Silva viraria ministro da Casa Civil. Logo, centenas de opositores do governo se juntaram em frente à sede da Fiesp para protestar. Mais exaltado, um grupo decidiu se instalar permanentemente ali, com a promessa de ir embora apenas quando a presidente Dilma Rousseff renunciar ou sofrer impeachment. Os sublevados armaram quase quarenta barracas de náilon diante do edifício e, perto delas, amarraram o Pixuleco, bonecão inflável com a cara de Lula e roupa de presidiário. À noite, os acampados se revezam para fazer a segurança da área. Durante o dia, além de atiçar as buzinas, gritam palavras de ordem, acompanhados por apitos e vuvuzelas: “Diga não ao PT ladrão!”
Numa tarde quente de março, Patrícia Bueno, uma loura de olhos azuis, se aproximou assim que me viu com caderno e caneta em riste. “Precisa de ajuda?”, perguntou. Doutoranda em ciências sociais e moradora dos Jardins, bairro nobre paulistano, a moça é uma espécie de porta-voz dos manifestantes. Há outros. Ali a maioria fala mesmo quando não solicitada. “Dilma não tem mais condições de governar o país”, afirmou Bueno com firmeza. E enumerou os motivos: incompetência, corrupção, falta de apoio do Congresso e da sociedade. À jovem rapidamente se juntou o consultor Raphael Mello, negro de barba hirsuta e calva pronunciada, morador da periferia. O rapaz e a loura exibiam discurso afinado. “Só que ela é da elite branca”, brincou Mello, antes de questionar: “Como o PT vai explicar minha presença aqui? O partido se apropriou das causas populares e alardeia que todos os pobres e negros o apoiam. Mas não é bem assim. Tem muita gente da periferia insatisfeita com o governo.”
Nos primeiros dias de acampamento, os revoltosos ganharam armário, mesas, cadeiras e geladeira de simpatizantes. “As pessoas nos perguntam do que estamos necessitando”, contou Bueno. “Uns trazem água; outros, café, pão ou frutas.” O principal auxílio ao grupo, no entanto, advém da própria Fiesp. A Federação liberou seus banheiros para os ativistas, lhes cedeu a iluminação e chegou a servir quentinhas a alguns deles – arroz, feijão, massa e picadinho de carne. Desde dezembro, a entidade está em guerra com o Planalto. No dia 14 daquele mês, não apenas se declarou a favor da queda de Dilma como começou a trabalhar para alcançar o intento. Primeiro, por meio dos pronunciamentos indignados de Paulo Skaf, seu presidente. Depois, com um gigantesco pato amarelo que, alojado no subsolo do prédio, sai às ruas durante as manifestações, fazendo companhia ao Pixuleco. A ave inflável ataca a alta carga tributária do país. “Não vou pagar o pato”, avisa, em vermelho, a frase que atravessa seu peito.
Nos elevadores da Federação, o circuito interno de tevê transmite constantemente as pregações de Skaf contra Dilma: “A bandeira da Fiesp é a renúncia. Mas hoje, como a presidente não dá sinais de renunciar, é impeachment já.” Exibe ainda uma série de números que comprovariam a incompetência do governo federal: somente em fevereiro, a indústria paulista perdeu 12 mil postos de trabalho; no ano passado, o PIB industrial do país encolheu 8% se comparado a 2014, sendo que o da indústria de transformação caiu 9,7% em 2015. Quando Dilma anunciou Lula como ministro da Casa Civil, Skaf escancarou. O imenso painel de LED, instalado na fachada da Fiesp, tornou-se verde-amarelo e ganhou uma enorme faixa de luto – que, no dia seguinte, ostentava a frase “Renúncia já”.
No final de março, outro pato inflável, de 20 metros de altura, viajou para Brasília e foi instalado no gramado em frente ao Congresso Nacional. Skaf posou para fotos com o boneco ao fundo, cercado por 5 mil patinhos.
Rogério Chequer é a face mais visível do Vem pra Rua, um dos movimentos responsáveis por organizar os protestos oposicionistas. Eram pouco mais de oito da noite quando, também em março, o encontrei numa casa de chá no Itaim, outro bairro nobre de São Paulo. Ele passara o dia em reuniões e sairia dali para uma nova entrevista. Esbaforido, mas seguro, relatou que a aproximação entre o Vem pra Rua e a Fiesp se deu por iniciativa da entidade. “A convite dela, nós e os líderes do Movimento Brasil Livre participamos de uma conversa na sede da Federação. Todos comungamos as mesmas ideias e queremos chamar a atenção para os estragos do governo: trajetória fiscal insustentável, Estado quebrado e corrupção.” Chequer se mostrou firmemente convencido de que Dilma cairá, ou por renúncia ou por impeachment. E fez uma previsão: se a presidente não apear do poder, o Brasil vai parar.
Ele e o Vem pra Rua criaram um site em que acompanham a opinião dos parlamentares sobre o assunto. Diariamente, adeptos do movimento ligam para os que rejeitam o impeachment ou os indecisos e exigem que se posicionem contra a presidente. Graças a esse corpo a corpo, conseguiram a adesão de quase noventa deputados, segundo Chequer. “A secretária de um deles me telefonou e disse aos berros que estávamos infernizando a vida de seu chefe”, confidenciou, com um sorriso. “É isso mesmo! Se depender de nós, Dilma está fora.”