The Newsroom
The Newsroom – abobrinha falsa
“A América não é mais o melhor país do mundo.”
Quem causa escândalo dizendo isso, na sua intervenção final no debate realizado em uma universidade, é o âncora Will McAvoy, personagem principal de The Newsroom, série criada por Aaron Sorkin (The West Wing, A rede social), que estreou, no Brasil, há duas semanas (5/8), na HBO, tendo estreado, nos Estados Unidos, há menos de dois meses.
“A América não é mais o melhor país do mundo.”
Quem causa escândalo dizendo isso, na sua intervenção final no debate realizado em uma universidade, é o âncora Will McAvoy, personagem principal de , série criada por Aaron Sorkin (The West Wing, A rede social), que estreou, no Brasil, há duas semanas (5/8), na HBO, tendo estreado, nos Estados Unidos, há menos de dois meses.
No prólogo do primeiro capítulo – Acabamos de decidir –, escrito também por Sorkin, McAvoy está, de início, alheio ao debate. Observa mais do que participa, parecendo entediado com os lugares comuns ditos pelos outros dois debatedores. O áudio fica baixo e ele fecha os olhos, fazendo esforço para prestar atenção. As respostas dele são telegráficas e pretendem ser espertas, causando constrangimento e provocando risos. Acredita reconhecer uma mulher com uma auréola, sentada numa das últimas filas. Indagado se é democrata, republicano ou independente, responde que se considera torcedor do Jets – time de baseball, de New York.
O debate segue até a pergunta fatal, feita por uma estudante do 3º ano – “Poderia dizer por que a América é o melhor país do mundo?” –, à qual o moderador cobra com insistência de McAvoy uma resposta com “um momento humano”. Depois de recusar a tentativa dele de escapar repetindo as respostas dos outros debatedores – “diversidade e oportunidade”, diz um; “liberdade e liberdade”, diz o outro – o moderador também não aceita como resposta o que chama de “um conjunto de leis e uma declaração de guerra” – a constituição e a declaração de independência. Pressionado, McAvoy sucumbe, acabando por responder o que a mulher com auréola no fundo do auditório escreveu num bloco e mostrou para ele: “Não é. Mas poderia ser. Não é o melhor país do mundo, professor.” Depois de acatar a deixa, McAvoy prossegue em um longo monólogo, de cerca de três minutos, no qual procura justificar sua resposta.
Esse prólogo, que antecede os créditos iniciais, dura cerca de 8’, o que, por si só, configura certa ousadia. E tem a eficiência narrativa típica dos roteiros de Sorkin. É uma abertura forte, que estabelece com clareza a premissa da série, e permite deduzir, pelo que McAvoy diz, onde Sorkin se situa no espectro ideológico americano – ou ao menos quais as crenças arraigadas dos espectadores que procura mobilizar em seu roteiro.
McAvoy é um idealista desencantado, e por isso mesmo irascível, nostálgico de um passado de glórias. Depois de enumerar as estatísticas que situam os Estados Unidos, entre os países do mundo, distante do primeiro lugar em vários setores, McAvoy fala de um tempo que passou – “Um tempo em que lutávamos pelo que era certo. […] Lutávamos contra a pobreza, não contra os pobres. Nos sacrificávamos, nos preocupávamos com nossos vizinhos […] Buscávamos as estrelas e agíamos como homens. […] Não nos medíamos por em quem havíamos votado nas últimas eleições e era difícil nos assustar. Conseguíamos fazer essas coisas por que éramos informados por grandes homens que eram reverenciados.[…]”
O personagem de McAvoy está a serviço da reafirmação do mito de origem da sociedade americana, que Sorokin cultiva para contrapor à crise contemporânea, e narrar, mais uma vez, o percurso de personagens em busca de redenção. Como escreveu Emily Nursbaum, na New Yorker (“Broken News”, 25 de junho de 2012), o monólogo de McAvoy é “abobrinha falsa sobre uma América que nunca existiu”.
Redimir o jornalismo televisivo, partindo do pressuposto de que está decadente, é o objetivo definido no primeiro capítulo de . Missão assumida por um grupo de profissionais quixotescos que propõe fazer o melhor noticiário possível, ignorando índices de audiência e bochicho. Como nada pode ser insinuado, e tudo tem que ser explícito, os personagens se referem mais de uma vez, no primeiro capítulo, a Don Quixote – ao original e à versão teatral escrita originalmente para a televisão e depois lançada como musical.
Ao menos nos dois primeiros capítulos, apenas tangencia o fato da emissora pertencer a uma corporação que tem, como é da natureza das corporações, seus próprios interesses financeiros e políticos. Cria-se, dessa maneira, uma situação esquizofrênica. De um lado, o roteiro refere-se a fatos reais contemporâneos – no primeiro capítulo, o vazamento de petróleo no Golfo do México de responsabilidade da British Petroleum, em maio de 2010; e no segundo, a controvertida lei restritiva à imigração ilegal conhecida como Arizona SB1070, sancionada em abril de 2010 –, e de outro se passa no vácuo, sem conexão com injunções empresariais.
Some-se a isso o fato da trama dos primeiros dois capítulos acabar se concentrando em pequenos conflitos pessoais que poderiam ocorrer em qualquer ambiente de trabalho, vividos por personagens estereotipados, e a expectativa para a continuação da série não pode ser favorável.
Se é isso que HBO pode fazer de melhor, com os generosos meios financeiros e de produção de que dispõem, então não resta nenhuma dúvida: além da América não ser o melhor país, a televisão americana também não é a melhor do mundo. O elenco, liderado por Jeff Daniels e Emily Mortimer, tem talento. O nível de competência profissional é alto. Os recursos técnicos disponíveis foram bem utilizados. O que falta mesmo são ideias menos rasas.
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