Más notícias – degradação do cinema brasileiro
2012 terminou com maus presságios. E o ano novo começou com notícias ruins. A mais recente chegou aos jornais sexta-feira passada (18/1) – Carlos Magalhães, diretor da Cinemateca Brasileira, foi exonerado pela ministra da Cultura, Marta Suplicy. A outra, recebida com atraso, refere-se à convenção comercial promovida, em Paris, no mês de setembro, na qual o Cinema do Brasil, criado em 2006, e presidido por André Sturm, anunciou, entre outros incentivos, uma Copa dos distribuidores com estímulos à promoção do cinema brasileiro no mercado internacional.
2012 terminou com maus presságios (veja aqui e aqui). E o ano novo começou com notícias ruins. A mais recente chegou aos jornais sexta-feira passada (18/1) – Carlos Magalhães, diretor da Cinemateca Brasileira, foi exonerado pela ministra da Cultura, Marta Suplicy. A outra, recebida com atraso, refere-se à convenção comercial promovida, em Paris, no mês de setembro, na qual o Cinema do Brasil, criado em 2006, e presidido por André Sturm, anunciou, entre outros incentivos, uma com estímulos à promoção do cinema brasileiro no mercado internacional.
Além de estarrecedoras, as duas notícias refletem o processo de degradação ao qual o cinema brasileiro vem sendo submetido.
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Publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira, dia 16, a exoneração de Carlos Magalhães, além de extemporânea, põe em risco a continuidade do trabalho realizado na Cinemateca Brasileira. Acima de insatisfações legítimas, questões menores a corrigir, e o que certamente ainda resta por fazer, não é possível desconhecer, de boa fé, o grau de excelência alcançado pela Cinemateca Brasileira na gestão de Carlos Magalhães. A instituição se tornou referência no plano internacional, tanto pela dimensão e importância do seu acervo, como pelas condições de sua reserva técnica, alta qualidade do laboratório de restauro e das salas de projeção, valor da biblioteca e documentação, qualificação da equipe técnica etc. E isso se deve ao trabalho da equipe liderada por Carlos Magalhães, assim como ao suporte que sempre receberam, na formulação e encaminhamento de projetos, do Conselho da Cinemateca Brasileira, da Sociedade Amigos da Cinemateca e da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, instâncias co-responsáveis por tudo que foi feito na instituição ao longo dos últimos anos.
Diante da grave ameaça que paira sobre a instituição, façamos um apelo à ministra da Cultura, Marta Suplicy: Ministra, não destrua a Cinemateca Brasileira. Atenta ao seu futuro político, e ciosa do seu legado, a senhora certamente não quer esse lamentável feito no seu currículo.
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Em vez da intervenção abrupta, prejudicial ao andamento do trabalho da Cinemateca Brasileira, a ministra poderia ter voltado os olhos para a desmoralização do cinema brasileiro promovida pelo Cinema do Brasil, com o apoio da Secretaria do Audiovisual do ministério da Cultura e outros órgãos do governo.
A revista Cahiers du Cinéma de novembro, com o significativo título de “Samba!”, dá notícia do “assalto ao mercado internacional” realizado, “com entusiasmo mas sem tato”, pelo escritório de promoção do cinema brasileiro Cinema do Brasil.
De fato. Muito entusiasmo e pouco tato. O oba-oba parece fruto de recursos generosos do governo. A falta de tato, além do mau gosto, resulta da ilusão de que o cinema brasileiro possa ocupar espaço no mercado internacional, por menor que seja, graças a incentivos financeiros e outras benesses oferecidas a agentes de venda e distribuidores estrangeiros, esquecendo que decisivo, no caso, são os próprios filmes.
O site http://www.cinemadobrasil.org.br/ informa que Cinema do Brasil tem 140 empresas [brasileiras] associadas e é financiado pela Apex-Brasil – Agência de Promoção de Exportações e Investimentos, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, além de contar com a parceria do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores e da ANCINE – Agência Nacional do Cinema.
É possível que esses produtores tenham ficado satisfeitos com a promoção feita em Paris no ano passado? Os Ministérios e a Agência acreditam realmente que a média anual de 6 filmes brasileiros exibidos no exterior, entre 2009 e 2011, segundo dados disponíveis no site do Cinema do Brasil, deve-se à falta de promoção comercial? Não terá ocorrido a uns e outros que, entre muitas razões fora do alcance de qualquer iniciativa brasileira, a qualidade do que vem sendo produzido no País é determinante?
Da promoção anunciada, em Paris, com um show de Jorge Ben, fez parte um “prêmio para agentes de venda internacionais e uma Copa do Mundo de distribuidores” com um sistema de pontuação baseado na aquisição dos direitos de filmes brasileiros. Uma “Copa do mundo de distribuidores”? Difícil acreditar, mas é isso mesmo.
A pontuação cresceria quando o filme fosse lançado em salas de exibição e atingiria o valor máximo se a produção fosse atual e não um título antigo. Os dois distribuidores que atingissem a pontuação mais alta, em 2012, receberiam convite para assistir ao carnaval do Rio e, em 2013, para ver um jogo da Copa do Mundo.
Seria preciso ter talento humorístico para inventar isso tudo. Infelizmente, além de não se tratar de uma piada, é verdade.
Mas há mais. “A página de inscrição na Copa dos distribuidores propõe, entre outros divertimentos, criar uma camisa de futebol com as cores da equipe escolhida, e um logo horroroso com um campo de futebol de fundo que parece esmagar um pequeno ingresso de cinema. Totalmente deprimente”, segundo a Cahiers du Cinéma. Não há como discordar.
Outro mecanismo de incentivo, “ainda mais inquietante”, segundo a Cahiers, “promete aos agentes de venda um prêmio especial de 40.000 dólares [quarenta mil] se eles ‘puserem’ um filme brasileiro na seleção de um grande festival: Berlim, Cannes, Veneza, San Sebastian e Sundance.”
Cinema do Brasil espera que “dessa maneira um vendedor puxará mais um filme brasileiro rumo ao abra-te Sésamo de Cannes e Berlim do que um filme do Uzbequistão? Pensa também simplesmente que certos vendedores têm direito de livre acesso aos grandes festivais? A formulação do comunicado dá a entender que sim e parece insultuoso tanto aos programadores, quanto aos vendedores”, diz a matéria da Cahiers.
“O que incomoda na iniciativa do Cinema do Brasil é que ela aplica de maneira ostensiva ao cinema, com essa grande convenção de vendas, princípios de marketing usuais nas indústrias não artísticas, o filme sendo um produto como um outro, que se vende melhor se seus representantes comerciais são motivados por presentes e recompensas… Essa aproximação desinibida, de fato indigna, causa surpresa em um meio onde prevalece o respeito às obras e aos autores. Os cineastas brasileiros apreciarão ver seu trabalho perdido no coração dessa quermesse, objetos anônimos de troca por ingressos de futebol.” (no original, não há ponto de interrogação no final da última frase.)
Segundo a matéria, há quem apoie a iniciativa, na França, mas há também quem a considere “a expressão de um país economicamente forte e cinematograficamente fraco”. Para a autora da matéria, “é garantido que fanfarronadas são quase sempre a expressão de uma cruel falta de confiança.”
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O resultado da Copa dos Distribuidoras beira o patético. Segundo informa o site do Cinema do Brasil, duas empresas que distribuiram 2 (dois) filmes brasileiros cada uma, desde 2005, foram premiadas com a viagem para assistir aos desfiles do Carnaval 2013. Estando previstos encontros dos representantes das distribuidoras estrangeiras com os associados ao programa, seria o caso de perguntar se ocorrerão no intervalo entre a passagem das escolas de samba.
Cinema do Brasil não foi criada para desmoralizar o cinema brasileiro no exterior. Pois é o que está conseguindo fazer com o apoio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores e da ANCINE – Agência Nacional do Cinema.
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