Cena de
Tata e Cao – proximidade e distância
Apenas quatro quarteirões separam o Centro Cultural Itaú do cinema Reserva Cultural, na Avenida Paulista, em São Paulo. A distância é pequena – cerca de 800 metros – e pode ser vencida, a pé, em poucos minutos.
Mas a essa proximidade não corresponde, à primeira vista, uma afinidade clara entre a mostra Ver é uma fábula, de Cao Guimarães, que ocupa o Centro Cultural, e o filme Hoje, de Tata Amaral, em exibição numa das salas do Reserva Cultural, entre outros cinemas da cidade e do Rio, Porto Alegre e Brasília.
Hoje (Tata Amaral)
Apenas quatro quarteirões separam o Centro Cultural Itaú do cinema Reserva Cultural, na Avenida Paulista, em São Paulo. A distância é pequena – cerca de 800 metros – e pode ser vencida, a pé, em poucos minutos.
Mas a essa proximidade não corresponde, à primeira vista, uma afinidade clara entre a mostra Ver é uma fábula, de Cao Guimarães, que ocupa o Centro Cultural, e o filme Hoje, de Tata Amaral (foto ao lado), em exibição numa das salas do Reserva Cultural, entre outros cinemas da cidade e do Rio, Porto Alegre e Brasília.
Desde O fim do sem fim, co-dirigido por Lucas Bambozzi, em 2001, a obra de Cao Guimarães lida com profissões em vias de extinção. E a atual mostra Ver é uma fábula retoma o mesmo tema. Ao extravasar os limites da sala escura, reafirma o projeto de interrogar o âmbito, e ir além, da experiência fílmica, fazendo de Cao, de acordo com o próprio catálogo, um “artista” atuante “no cruzamento entre o cinema e as artes plásticas”.
Cineasta fiel, Tata Amaral, por sua vez, permanece comprometida com o propósito de ocupar as salas de exibição, insistindo em tentar fazer da tela grande sua principal vitrine. Ao concentrar a ação de Hoje entre quatro paredes – na verdade, um amplo apartamento, no centro de São Paulo –, ela reitera sua crença na importância de ter uma espaço delimitado de referência, tanto para Vera, sua personagem principal, poder acertar contas com o passado, quanto para ela mesma dar visibilidade ao seu filme.
Cao Guimarães (foto ao lado) é menos tradicional do que Tata, e ela menos inovadora do que ele. Cada um a seu modo, porém, está entre o que a cultura audiovisual brasileira tem para oferecer de melhor. Sem compromisso com o projeto de ocupar o mercado exibidor com filmes nacionais, Cao conquistou a liberdade de incursionar pelo domínio de centros culturais, galerias de arte e museus. Tata continua resistindo, sem cogitar que a luta do filme brasileiro pelo mercado possa ter se tornado anacrônica.
A chave de Tata é o realismo, mesmo ao encenar projeções do imaginário. Sem preocupação em ter unidade de estilo, Cao percorre um amplo leque de opções, desde imagens abstratas até microscópicas, passando por observações do cotidiano e perfis de personagens inusitados.
Apesar de divergentes em vários aspectos, Cao e Tata ocupam, no fundo, o mesmo lugar geométrico, tendo em comum seu elitismo. Cao não parece se importar em ser visto por poucos. Tata continua lidando com a frustração de ter menos espectadores do que gostaria, e seria necessário se tivesse que recuperar os recursos investidos na produção de Hoje.
Um dos pontos altos da obra de Cao é Mestres da Gambiarra, de 2008, em que o neurocientista Sérgio Neuenschwander, depois de demonstrar várias técnicas inúteis para secar um par de tênis molhados num dia de chuva, conclui: “Encontrar a solução é simples. Difícil é formular corretamente o problema.”
Hoje, narrativa de uma cura, guarda coerência com a claustrofobia dos filmes anteriores de Tata. Sendo o mais bem realizado deles todos, sugere, ao mesmo tempo, que possa propiciar uma superação também para ela. A partir de agora, ou de Hoje, Tata terá acertado contas com o passado? Abandonará os espaços entre quatro paredes? As salas escuras? Ela se aproximará de Cao? Ou, mesmo permanecendo cineasta, seus próximos filmes abrirão novos horizontes?
Cao e Tata conhecem a solução – continuar fazendo filmes, fotografias, trabalhos, imagens e sons, enriquecendo suas obras a cada nova produção. Mas para isso é preciso que tenham meios para fazer gambiarras, ou melhor, filmes e vídeos tão inúteis quanto os experimentos do cientista para secar um par de tênis molhados. A dificuldade dos dois, e não só deles, continua a ser “formular corretamente o problema”.
A mostra Ver é uma fábula estará aberta até 1 de junho. Hoje continua sendo exibido no Reserva Cultural, embora em apenas duas sessões. Dificilmente resistirá por muito mais tempo em cartaz. Com uma caminhada curta, os paulistanos ainda têm a rara oportunidade de ver de uma só vez a obra do Cao e o filme da Tata. E, se forem capazes, de descobrir qual é o problema. Deveriam aproveitar, pois não é comum haver tamanha qualidade à disposição.
As imersões que Cao e Tata oferecem são de natureza diversa. Ela lida com a ambiguidade para manter o espectador em permanente estado de alerta. Ele nos envolve num universo paralelo rico e variado. Os dois provocam um choque quando saimos e somos envolvidos de novo pela Avenida Paulista.
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