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questões cinematográficas

Jornalismo, documentário e ficção

Entre outras questões, na entrevista ao programa Talking Books, da BBC, transmitido há quinze dias, o dramaturgo, romancista e tradutor inglês Michael Frayn (1933 – ) trata da diferença entre fazer jornalismo e escrever ficção, tema sobre o qual costuma se manifestar regularmente. Frayn (não editado no Brasil, salvo engano) foi jornalista e se tornou autor de farsas e romances cômicos de grande sucesso, além de ser tradutor de Tchecov.

| 05 ago 2013_16h08
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Entre outras questões, na entrevista ao programa , da BBC, transmitido há quinze dias, o dramaturgo, romancista e tradutor inglês Michael Frayn (1933 – ) trata da diferença entre fazer jornalismo e escrever ficção, tema sobre o qual costuma se manifestar regularmente. Frayn (não editado no Brasil, salvo engano) foi jornalista e se tornou autor de farsas e romances cômicos de grande sucesso, além de ser tradutor de Tchecov.

Para Frayn, “todo romancista deveria ser obrigado por lei a fazer reportagens”. Ele acredita que o “jornalismo é um trabalho mais difícil porque, escrevendo ficção, a história se molda ao que você pode dizer”.

Ouvindo Frayn, ocorreu retomar o post publicado em novembro de 2010 com o estranho título “Para meditar (3) – a realidade é nosso pior inimigo”, no qual Michelangelo Antonioni (1912-2007) foi citado. “Não nos iludamos: no mesmo momento em que nos inspira, a realidade se torna nosso pior inimigo,” ele escreveu em “Comincio a capire” (“Começo a entender” ), livro de 59 páginas de texto esparso que publicou, em 1999, quando estava com 87 anos.

Dizer que a realidade nos inspira já requer, por si só, qualificação, bastando lembrar de Clément Rosset para comprovar essa necessidade: “Nada mais frágil do que a faculdade humana de admitir a realidade, de aceitar sem reservas a imperiosa prerrogativa do real”, ele escreveu em O real e seu duplo.

À tensão entre atração e repulsa pela realidade, Frayn acrescenta a dificuldade de “descrever uma situação verdadeira que outras pessoas podem conferir. Muitas vezes, as escolhas são muito mais limitadas” do que ao escrever ficção.

Algumas considerações de Frayn, feitas pensando na relação do jornalismo com a ficção literária, talvez sirvam para meditar um pouco sobre cinema documentário e ficcional:

         • “Tentar descrever o que está diante dos seus olhos, tentar entender uma situação real, é muito difícil e exige muito, e quando é bem feito é tão importante quanto qualquer ficção.”

         • “Descrever o mundo é uma forma muito estranha. Não é a forma que você pensa que é quando a imagina antes de confrontá-la; é uma trapalhada terrível, uma confusão tremenda, nada se encaixa, nada parece funcionar, qualquer espécie de impressão é de uma dificuldade feroz.”

         • “Fui a Cuba pensando, OK, vou apenas descrever o que vejo, direi que isso aconteceu, e aquilo aconteceu, não sugerirei que aprovo ou desaprovo essa forma de governo. Mas não é possível – o que você seleciona escrever é à luz de um ponto de vista particular. Você continua experimentando e testando pontos de vista favoráveis e desfavoráveis, mas a única maneira de escolher sobre o quê escrever é à luz de alguma ideia.”

         • “Uma vez conversei com um juiz que disse ter passado a vida no tribunal sendo cético sobre testemunhas que não conseguiam relatar incidentes que afirmavam ter visto. Aí, um dia, ele estava na rua e um acidente aconteceu diante dos seus olhos. Ele teve uma visão completa de tudo que aconteceu, e depois não conseguia fazer um relato do que vira. Bons repórteres sentem a mesma dificuldade. Como cientistas, eles precisam mudar lentamente suas expectativas em relação ao mundo, e levar em conta as discrepâncias entre o que vêem e o que esperam ver.”

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