Cinemateca Brasileira – quem é responsável?
Mesmo editorial tão preciso quanto “Inimigos da Cinemateca”, publicado na Folha de S.Paulo (2.2.2014), falha ao omitir a quem cabe a responsabilidade pela crise aguda da Cinemateca Brasileira, fabricada artificialmente há um ano e que ainda perdura.
Recusar responsabilidade é um conhecido mecanismo de auto-defesa
Mesmo editorial tão preciso quanto , publicado na Folha de S. Paulo, falha ao omitir a quem cabe a responsabilidade pela crise aguda da Cinemateca Brasileira, fabricada artificialmente há um ano e que ainda perdura.
Recusar responsabilidade é um conhecido mecanismo de auto-defesa. Mas ao não identificar a responsável, a Folha de S. Paulo presta um desserviço ao leitor e à cultura brasileira. Depois de ter lido o editorial , assim como ocorrera com o artigo publicado na Ilustrada em janeiro sobre o mesmo assunto, quem não tiver outra fonte de informação pensará que a crise surgiu por geração espontânea.
Um dos episódios mais notórios de recusa da própria responsabilidade ocorreu no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, no qual dirigentes e funcionários subalternos da Alemanha nazista foram julgados, a partir do final de 1945. No documentário Noite e neblina (1955), de Alain Resnais, há cenas filmadas do Tribunal acompanhadas do seguinte trecho de narração:
“‘Eu não sou responsável’, diz o kapo.
‘Eu não sou responsável’, diz o oficial.
‘Eu não sou responsável…’
Quem é o responsável?
[…]
Nove milhões de mortos assombram essa paisagem.
Desse estranho observatório, quem vela para nos alertar sobre a chegada dos novos carrascos? Terão um rosto tão diferente dos nossos?
Em algum lugar entre nós, subsistem kapos felizes, chefes recuperados, delatores desconhecidos. […]”.
A natureza dos atos varia. Mas fora do âmbito da Justiça, a quem cabe decidir se uma ação é criminosa e atribuir penas de acordo com a gravidade do delito, a diferença é menos relevante. Quem detém poder, independente da posição hierárquica que ocupe, é responsável por suas decisões. E é de estranhar a conivência tácita estabelecida entre quem tenta fingir que não é responsável e quem sabe mas não divulga seu nome.
Outro filme ainda inédito complementa Noite e neblina, indicando a complexidade da questão, e a dificuldade, em certos casos, de atribuir responsabilidade individual em iniciativas políticas.
Na entrevista da dra. Nise da Silveira a Leon Hirszman, filmada em 1986, ele pergunta: “E quem são os responsáveis por isso [o alto índice de reinternações dos chamados egressos dos hospitais psiquiátricos] que não fazem nada? Que não mudam? Vamos falar diretamente deles pro público”. Depois de uma pausa, a dra. Nise responde: “…É difícil saber quem é o responsável. Todos são responsáveis.” E Leon, concordando, repete: “Todos são responsáveis.”
Somos todos responsáveis? Em certa medida, sem dúvida. Convivendo com situações desumanas, indiferentes ao que ocorre à nossa volta, compactuamos com a barbárie. Mas há responsabilidades diretas que não devem depender do menino da fábula de Andersen para serem nomeadas.
Ao atribuir a crise ao “governo federal”, o editorial da Folha de S. Paulo, de resto correto ao descrever o que foi feito e ocorreu no último ano, mesmo sem errar dilui a responsabilidade em uma entidade genérica e abstrata – o governo federal. Apesar de citar corretamente o Ministério da Cultura (MinC) como responsável não só pela demissão do antigo diretor, como também por ter mantido a Cinemateca por quase um ano sem novo diretor efetivo, o editorial deixa de mencionar o nome da ministra da Cultura, a quem cabe responder pela invenção da crise, sua perpetuação e as graves consequências decorrentes.
A “Sociedade dos Inimigos” que, segundo o editorial da Folha, Paulo Emílio considerava responsável pelas dificuldades enfrentadas para manter a Cinemateca, já tem presidenta de honra perpétua – a ministra da Cultura, Marta Suplicy.
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