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Junho e Rio em chamas – um ano depois
Com senso de oportunidade, as estreias neste momento de Junho, dirigido por João Wainer, e Rio em chamas, feito por um grupo de doze realizadores, poderiam contribuir não só para clarear o sentido das manifestações de junho de 2013 e seus desdobramentos, mas também para esboçar o cenário de possibilidades do que poderá acontecer a partir de agora, inclusive com relação às eleições de outubro.
Rio em Chamas
A expectativa é do que poderá ocorrer a partir desta semana. Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, a insatisfação parece estar aumentando, alimentada pela inflação somada ao crescimento econômico pífio. Em ambiente de desconfiança e pessimismo, as recentes greves e manifestações de rua sugerem a possibilidade de junho de 2014 reviver, em dimensão e forma ainda desconhecidas, o que começou há um ano atrás país afora.
Com senso de oportunidade, portanto, as estreias neste momento de Junho, dirigido por João Wainer, e Rio em chamas, feito por um grupo de doze realizadores*, poderiam contribuir não só para clarear o sentido das manifestações de junho de 2013 e seus desdobramentos, mas também para esboçar o cenário de possibilidades do que poderá acontecer a partir de agora, inclusive com relação às eleições de outubro.
Mas, apesar de oportunos, os dois documentários fracassam ao não fazerem o que a voz sensata de Marcos Nobre recomenda no final de Junho: “Junho provoca a necessidade de todo mundo parar para se repensar. Seja partido político, seja sindicato, seja a grande mídia, seja a polícia, seja o sistema político. Todo mundo tem que parar e fazer um balanço.” Inclusive os documentaristas, conviria acrescentar.
O acesso em tempo real, sem edição, aos eventos de junho, graças à mídia Ninja, além dos registros difundidos no You Tube e a própria cobertura jornalística da TV Folha, reafirmaram a obrigação de redefinir o cinema documentário vinculado à atualidade. Desconhecendo esse compromisso, a visão que João Wainer e os realizadores de Rio em chamas oferecem resulta requentada. Os dois documentários estream com ar de coisa velha, embora apenas um ano tenha se passado e os efeitos do que vem ocorrendo continuem a ser sentidos.
Junho e Rio em chamas pouco acrescentam ao já conhecido, tendo sido visto, ouvido e lido a quente. Omitem, além disso, fatos importantes e lançam mão de narrativa desgastada ou claudicante – excesso de depoimentos irrelevantes em meio a poucos de algum interesse, entremeados com miscelânea de imagens conhecidas das manifestações, em Junho; registros alinhados sem coesão e amadorismo das encenações, no caso de Rio em chamas.
Quanto a investigar o que está por vir, embora inequívoco, Rio em chamas resulta simplório ao terminar prevendo que os protestos voltarão a ocupar as ruas. A legenda final do filme adverte: “Não acabou. Brasil 2014”, seguida do epílogo com referências à Copa do Mundo e aos protestos pelo assassinato a tiros do dançarino Douglas Rafael da Silva, ocorrido em abril numa favela do Leme, no Rio.
Junho, por sua vez, acaba com o apelo demagógico de um locutor de rádio anunciando eufórico o final do jogo no qual o Brasil venceu a Espanha em junho de 2013: “Apita o árbitro. É campeão da Copa das Confederações. Vamos nos unir e empurrar. É hora de acreditar.” Tom adequado para um filme de propaganda que procure persuadir espectadores a se unirem, serem otimistas e empurrarem.
Graças ao congraçamento nacional proclamado, Junho sugere que o Brasil poderá ganhar a Copa do Mundo, abolir os antagonismos sociais que levam às manifestações de rua, acabar a miséria e melhorar o atendimento hospitalar, mostrados no clip de encerramento.
O primo rico (Junho) e o primo pobre (Rio em chamas) terminam por se igualar no mínimo denominador comum do esquematismo. A redundância da canção que acompanha os créditos finais de Junho não deixa dúvida. Os versos na primeira pessoa do singular enfatizam o que o locutor de rádio acabou de dizer, dessa vez em estilo paternalista à altura das melhores pérolas do populismo: “É, dizem que não é pra você/ essa história de vencer/ de sonhar e conquistar./ Eu digo que é para você/ essa história de vencer/ de sonhar e conquistar./ Eles querem forjar heróis/ para manter o povo sem voz.”
O cartaz de Rio em chamas disponível na internet, além de pedir “+ FILME – BOMBA”, traz a declaração “Por um cinema vândalo e nosso!”, em franca contradição com o próprio documentário que nada tem de vândalo. O melancólico lançamento comercial, em uma sala insalubre prestes a fechar as portas, coroou a grandiosa pretensão dessa frase bombástica. Mais uma vez, a demagogia de sobrepõem às boas intenções dos realizadores.
Produzido pela Folha de S.Paulo, Junho teve lançamento mais digno, além de espaço generoso no jornal. Resta conferir até que ponto essa maciça ação promocional beneficiará a carreira comercial do filme. O certo é que o lançamento simultâneo na loja iTunes para aluguel ou compra, e nas salas de cinema de oito cidades representa o reconhecimento de que é preciso encontrar novos meios de difusão e estratégias de lançamento para o cinema documentário.
* Junho, produzido pelo jornal Folha de S. Paulo e dirigido por João Wainer, reúne gravações dos repórteres da TV Folha, além de outras das principais emissoras de televisão brasileiras. A edição é de César Gananian que também assina o roteiro com João Wainer.
Rio em chamas, produzido por Daniel Caetano e Cavi Borges, reúne gravações feitas por Daniel Caetano, Vinicius Reis, Clara Linhart, André Sampaio, Cavi Borges, Eduardo Souza Lima, Diego Felipe Souza, Luiz Claudio Lima, Ana Costa Ribeiro, Ricardo Rodrigues, Vítor Gracciano, Luiz Giban. A edição é de Daniel Caetano, Diego Felipe Souza, Ana Costa Ribeiro, Vítor Gracciano, André Sampaio, Felipe Barbosa.
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