post da semana passada (6/10/2014) – segundo a qual o diretor que preserva o poder de decidir o que e como filmar; o que será incluído ou não na montagem; o instante inicial e final de cada plano, etc., como é o caso de Coutinho em Moscou, mantém a posição de Criador –, contra-argumentou em e-mail nos seguintes termos:"> Moscou de outro ângulo (II) - revista piauí
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    A Aposta de Eduardo Coutinho

questões cinematográficas

Moscou de outro ângulo (II)

Enéas de Souza, autor do artigo A Aposta de Eduardo Coutinho (Teorema 24,agosto de 2014), mesmo reconhecendo a validade da objeção feita no post da semana passada (6/10/2014) – segundo a qual o diretor que preserva o poder de decidir o que e como filmar; o que será incluído ou não na montagem; o instante inicial e final de cada plano, etc., como é o caso de Coutinho em Moscou, mantém a posição de Criador –, contra-argumentou em e-mail nos seguintes termos:

Eduardo Escorel | 13 out 2014_17h24
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Enéas de Souza, autor do artigo (Teorema* 24,agosto de 2014), mesmo reconhecendo a validade da objeção feita no post da semana passada (6/10/2014) – segundo a qual o diretor que preserva o poder de decidir o que e como filmar; o que será incluído ou não na montagem; o instante inicial e final de cada plano, etc., como é o caso de Coutinho em Moscou, mantém a posição de Criador –, contra-argumentou em e-mail nos seguintes termos:

“Para mim, em Moscou, Coutinho abandona a posição de Criador com letra maiúscula e se coloca na posição do criador com letra minúscula. Qual é a ideia? Em primeiro lugar, trata-se de uma operação simbólica, Coutinho se desloca da posição absoluta, dando a Kike, o duplo, a posição relativa. Em que sentido? No sentido de que, de fato, Coutinho guarda para si a montagem, ou seja, a organização do filme, mas a concepção da mise en scène, a encenação, é colocada para o outro, para o citado Kike. Com isso, há uma fratura, uma divisão na posição do diretor. O primeiro fica com a ideia do filme, o segundo com a ideia da encenação.

É claro, um artista é de fato um criador, mas a busca do cineasta de Moscou foi sem dúvida possibilitar não a ausência, nem a dissolução da direção, mas uma autocrítica da sua posição absoluta, onipotente, através da simbolização aludida. Há contradição dessa posição? Há. Mas é, no meu modo de ver, esse paradoxo que Coutinho tenta explicitar ou pôr às claras. De um lado, o cineasta é criador, mas sendo criador, não é o Criador.

Talvez, esse ato cinematográfico seja mais contundente do que aquele do Edifício Master, por exemplo, quando desdobra a sua posição, entrando o diretor dentro do plano, e se colocando no nível do “entrevistado”, armando assim a conversa. Sim, aqui ele mantém o domínio da direção, mantém a montagem, e concebe a encenação, pondo-se em cena; contudo, permite ao outro, a aquele que conversa, que fala, a sua própria encenação. É também um paradoxo, mas menos gritante do que o de Moscou, porque nesse há como que uma retirada do diretor da cena, numa sutil operação cinematográfica. Enquanto que a operação no Edifício Master é, ao contrário, uma operação de presentificação, de mostrar o artista em trabalho. Nos dois casos do que chamo de operação simbólica, está em ação uma lógica do paradoxo (com duas figuras operatórias distintas), e não uma lógica da identidade. O que permite que o diretor como criador, como o construtor do engenho, aponte para a desconstrução da sua figura de Criador. Criador sim, mas com letra minúscula. Um de forma presencial: Edifício Master; e o outro, saindo de cena, retirando-se: Moscou.”

Em resposta a Enéas de Souza, a breve observação feita foi de que em filmes documentários, por definição, o diretor jamais é o Criador, uma vez que não tem poder ‘absoluto’ sobre o que observa, com o que interage, e mesmo sobre o que reencena. Ao que ele treplicou:

“De fato, está na natureza do documentário a relatividade da posição do diretor. Mas, no limite, considerando o lado externo de cada obra de arte, filme incluído, há sempre esta posição relativa do artista. O que não exclui que a ficção tem no entanto esta questão “imaginária” e histórica, quase hamletiana, do eu para o autor: ser ou não ser o Criador/criador. Com isto, você já percebeu que mantenho a minha posição do e-mail anterior.”

Como também escreveu Enéas de Souza, poderíamos ir longe com essa conversa, mas ao menos por enquanto ficamos por aqui.


* A revista Teorema, prova de dedicação ao cinema dada por seus editores (Enéas de Souza, Fabiano de Souza, Flávio Guirland, Ivonete Pinto, Marcus Mello e Milton do Prado), com tiragem de 1000 exemplares, não é vinculada a nenhuma instituição ou empresa, podendo ser encontrada através da rede de livrarias Cultura.

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