Em busca da perfeição
Whiplash – elogio ao sadismo e à humilhação
Em busca da perfeição (Whiplash no título original) sugere ao espectador brasileiro desavisado que o filme escrito e dirigido pelo jovem Damien Chazelle (1985-) seja uma jornada em busca da excelência quando, na verdade, não passa de um elogio ao sadismo e à humilhação. Como se não bastasse, Whiplash nos diz que é preciso derramar sangue no altar da glória para que o sacrifício seja consagrado.
O adendo ao título original não poderia ser pior – . Tratando-se de uma música conhecida do compositor e saxofonista Hank Levy, não seria mesmo o caso de traduzir Whiplash (chicotada). Mas por que não preservar apenas o original como já se tornou hábito entre nós? Em busca da perfeição sugere ao espectador brasileiro desavisado que o filme escrito e dirigido pelo jovem Damien Chazelle (1985-) seja uma jornada em busca da excelência quando, na verdade, não passa de um elogio ao sadismo e à humilhação. Como se não bastasse, Whiplash nos diz que é preciso derramar sangue no altar da glória para que o sacrifício seja consagrado.
Chazelle desmerece sua Alma mater – a Harvard University. Terá sido por lá que aprendeu a seguir com tanto esmero a fórmula da eficácia narrativa adotada pela indústria americana e imposta ao mundo? Entre outros ingredientes, o famoso mid point (ponto central ou metade do filme) no qual algo inesperado deve necessariamente ocorrer para mudar o rumo da história. Em Whiplash, essa função é atribuída a um desastre de automóvel e uma agressão, a partir dos quais se inicia a volta por cima do baterista de jazz Andrew Neiman (Miles Teller) cujo objetivo na vida é “ser extraordinário” (“I want to be great”, ele diz).
Se o grande chef fosse aquele que segue a receita ao pé da letra, Chazelle seria um deles. Mas como não é suficiente seguir instruções para preparar um bom prato, Whiplash demonstra que por enquanto seu diretor e roteirista está longe de ser um cordon bleu. Falta-lhe o talento e a sensibilidade necessários para escolher bons ingredientes.
A primeira metade de Whiplash é um amontoado de lugares comuns desesperadores. O professor de música Terence Fletcher (J.K. Simmons) é mais um na infindável galeria de instrutores sádicos, que inclui vários militares capazes de humilhar recrutas ou comandados e levá-los ao suicídio. Para Fletcher “empurrar além do esperado é uma necessidade absoluta”. O massacre de Andrew chega a um extremo tal que não há como ficar indiferente quando ele finalmente começa a reagir, confronta Fletcher, assume o comando do longo número musical que encerra o filme no qual prolonga indefinidamente seu solo. A duração da sequência a tornou controvertida. Para uns é notável vermos o decurso do tempo como poucas vezes foi visto no cinema. A.O. Scott escreveu no The New York Times (9/10/2014) que “a longa, intrincada cena final transcende o drama psicológico com uma explosão de inspiração puramente musical, empurrando a reação da plateia da curiosidade para a empatia e para o pasmo. Apenas tente ficar quieto na sua cadeira. Whiplash pode não chegar a ser um grande filme, mas não há dúvida de que sabe uma ou duas coisas sobre o que excelência quer dizer.”
O crítico americano J.R. Jones diverge frontalmente. Para ele, o final de Whiplash “é um desses infindáveis solos ejaculatórios que fazem a má fama do jazz, embora seja apresentado como a vitória final. É um momento de perfeição técnica em uma forma de arte cuja mágica está nas suas falhas ocasionais.” E ainda: “Louis Armstrong, músico de jazz de alguma reputação, era tão pouco instruído que nunca aprendeu como fazer uma embocadura apropriada (o que explica por que ele tinha aquele horrível sulco circular no seu lábio superior até o fim da vida). Alguns dos seus maiores solos dos anos 1920 e 1930 têm notas imperfeitas, porque ele estava sempre tentando algo novo, mas ninguém pode responsabilizar o sentimento que ele punha nesses solos. Para ser um dos grandes, você precisa correr o risco de não ser bom de todo.” (em http://www.chicagoreader.com/chicago/whiplash-damien-chazelle-jk-simmons-miles-teller-jazz-movies/Content?oid=15492714)
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É meio patético comentar Whiplash no Brasil e dizer que é uma bomba. Afinal, trata-se de um filme americano muito bem sucedido no circuito dos festivais e das premiações anuais, assim como na bilheteria. Quando estreou no Festival de Cinema de Sundance, em janeiro do ano passado, ganhou os dois Grandes Prêmios – do Júri e do Público –, foi aclamado pela grande maioria da crítica e teve seu direito de distribuição internacional comprado pela Sony Picture Classics. Produzido por modestos $ 3.3 milhões, já rendeu $ 7.5 milhões e se tornou um dos filmes mais elogiados pela crítica americana em 2014. Há algumas semanas, J.K. Simmons recebeu o Prêmio Globo de Ouro para o melhor ator coadjuvante, e o filme está indicado para concorrer ao Oscar em cinco categorias: melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator coadjuvante, melhor mixagem e melhor montagem. Ao crítico brasileiro é o caso de perguntar: Não é disso que se trata, estúpido?
Ao mesmo tempo, porém, Richard Brody escreveu na revista The New Yorker (13/10/2014) que “o jazz em Whiplash […] não é um problema em si mesmo. O problema é a ideia subjacente. A própria ideia de jazz do filme é uma caricatura grotesca e ridícula.” E completou: “Whiplash não honra o jazz nem o cinema; é um trabalho de didatismo insignificante, de exibicionismo insignificante, e alimenta o tipo de celebridade menor à qual Andrew aspira. Buddy Rich. Buddy fucking Rich.” (para Brody, Buddy Rich não passa de “um virtuoso técnico insensível e barulhento, uma celebridade da TV, não uma grande inspiração do jazz.”)
O mesmo J.R. Jones, citado acima, escreve também que “Whiplash tem menos em comum com os grandes dramas de jazz (Kansas City, de Robert Altman, e Round Midnight, de Bertrand Tavernier) do que com uma mercadoria muito mais abundante, o drama esportivo edificante. De fato, uma razão para os críticos estarem enlouquecidos com Whiplash pode ser que o filme transplanta os mecanismos excitantes do drama esportivo para o mundo da música de conservatório, fornecendo justificativa intelectual para jornalistas que de outro modo talvez empalidecessem diante da sua fórmula machista de masoquismo nobre e autorrealização gloriosa.”
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