bad boy
Sniper americano – visões divergentes
Os dois não parecem a mesma pessoa – um é bad boy, o outro bom moço. Mas ambos, na verdade, são o mesmo sniper Chris Kyle, baseadas todas duas no livro de memórias dele, best-seller em 2012. Kyle foi um sniper – atirador de elite que alveja suas vítimas de posições ocultas –, ex-integrante da força de mar, ar e terra da Marinha (os SEALs, em inglês), condecorado com duas estrelas de prata e cinco de bronze, conhecido como “a lenda” por mais de 100 mortos na guerra do Iraque terem sido creditadas a ele.
Os dois não parecem a mesma pessoa – um é , o outro bom moço. Mas as duas descrições, na verdade, se referem ao sniper Chris Kyle, baseadas todas duas no livro de memórias dele, best-seller em 2012. Kyle foi um sniper – atirador de elite que alveja suas vítimas de posições ocultas –, ex-integrante da força de mar, ar e terra da Marinha (os SEALs, em inglês), condecorado com duas estrelas de prata e cinco de bronze, conhecido como “a lenda” por mais de 100 mortos na guerra do Iraque terem sido creditadas a ele.
O perfil descrito pelo jornalista Jeff Stein é bem diferente do personagem do filme Sniper americano, dirigido por Clint Eastwood, cujo roteiro, escrito por Jason Hall, além do mesmo livro de memórias, se baseia em conversas com o próprio Kyle, sua viúva, Taya, e seus colegas da Marinha.
Stein, colaborador da Newsweek, onde escreve sobre política externa e espionagem, serviu no Vietnã como oficial do serviço de informações do Exército. A resenha dele, disponível aqui, serviu de referência para Noam Chomsky que, mesmo admitindo não ter assistido ao filme, desancou Sniper americano.
Na verdade, Chomsky se serve do filme para criticar a “campanha global de assassinatos de Obama”. Segundo Chomsky, "essa mentalidade de sniper [que nos faz tolerar ou manter silêncio sobre a política oficial] nos ajuda a esclarecer por que é tão fácil ignorar o que é claramente a campanha terrorista mais radical da história moderna, se não de todos os tempos – a campanha global de assassinatos de Obama, a campanha de ‘drones’ [veículos aéreos não tripulados] que é oficialmente voltada para assassinar pessoas suspeitas de talvez algum dia planejarem nos fazer mal".
Declarações como as de Chomsky levantam questões graves, mas que escapam do âmbito cinematográfico. Ao usar o filme para tomar posição no debate político, ele comete falácia que enfraquece seu argumento – baseia-se na resenha de Stein sobre as memórias de Kyle, publicada há três anos, para criticar tanto o filme dirigido por Eastwood quanto a “campanha global de assassinatos de Obama”.
É difícil imaginar que o devastador perfil de Kyle traçado por Stein, transposto para o cinema, alcançasse o mesmo sucesso comercial que Sniper americano vem obtendo. Realizado a partir do roteiro de Hall, o espectador, especialmente mas não só o americano, respondeu bem aos ingredientes que, no filme, fazem de Kyle um personagem de grande empatia.
Para Stein, porém, a partir das próprias palavras de Kyle, a história dele "parece uma melancólica balada ‘country-e-western’ com empregos que são becos sem saída, brigas em bares, olhares dispersos e reconciliações chorosas com uma mulher sempre pronta a perdoar. Tais desaventuras são entrelaçadas com um patriotismo batizado com tabaco e uísque, do tipo adorado por Republicanos cínicos, frequentadores em todo lugar de estádios esportivos. No trajeto, Kyle arrasa participantes de protestos contra a guerra, o Congresso, seus patrões, e os mariquinhas das suas várias unidades militares. E como muitos protagonistas musicais do cânone meio heróico ‘country’, a partir do seu próprio relato Kyle é um marido e pai bunda mole, um Peter Pan camuflado, usando óculos de visão noturna".
O Kyle de Stein é um bad-boy que poderia ser interpretado por algum ator que combinasse atributos de Sean Penn e Mickey Rourke em um filme dirigido por Rainer Fassbinder, do qual a multidão de adoradores de Eastwood e Bradley Cooper manteriam distância.
Eis que o roteirista Jason Hall propõe o personagem como "um homem que tinha sido profundamente mudado pela guerra e estava lutando para voltar espiritualmente a ser a pessoa que ele tinha sido […], um soldado mais afetado pelo alto número de suas vítimas do que deixava transparecer".
É esse personagem que está na tela, moldado desde a primeira sequência para despertar compaixão.
Nas suas memórias, segundo Stein, Kyle conta que estando de férias do Iraque "mandou tatuar uma ‘cruz das cruzadas’ na frente de um braço – comprovando um dos principais estereótipos da Al-Qaida sobre os americanos. ‘Queria que todo mundo soubesse que eu sou cristão. Mandei fazer a tatuagem vermelha, cor de sangue. Eu odiava os malditos selvagens que estivera lutando."’
Na visão de Hall, o filme é sobre “o custo para esses homens de irem à guerra e como encontram o caminho de volta. […] O filme não é sobre se devíamos ou não ter combatido no Iraque. É sobre como a guerra é humana”, declara.
A ênfase de Hall, bem sucedida do ponto de vista comercial, é em um personagem que corresponda aos anseios profundos do americano médio, incluindo soluções sensacionalistas para maior impacto.
A meia hora inicial de Sniper americano gira em torno da primeira pessoa que Kyle matou no Iraque – uma mulher andando na rua com uma granada na mão enquanto os marines atacavam sua vila. O filme transpõe essa cena, dilata o tempo real para enfatizar a hesitação do sniper e narrar o que o levou a se tornar um marine, desde quando aprendeu na infância a caçar com o pai, até assistir pela televisão às Torres Gêmeas desabando, tudo para justificar o tiro fatal. Na verdade, no filme, dois tiros. Não satisfeito com a morte de uma mulher, Hall inclui na cena um menino que no filme é a primeira vítima de Kyle.
No livro, segundo Stein, Kyle escreve que “depois da primeira morte, as outras são fáceis. Não preciso me condicionar ou fazer nada de especial mentalmente – olho através do telescópio, ponho meu alvo na mira e mato o inimigo antes que ele mate alguém do meu pessoal.”
As escolhas de Hall ao escrever o roteiro e a eficiência de Eastwood ao dirigir, fizeram de Sniper americano um sucesso. Mas o Chris Kyle que o filme nos oferece encobre o Kyle descrito por Stein e não temos como saber, de fato, quem ele foi.
Leia Mais
Assine nossa newsletter
Email inválido!
Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí