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Citizenfour no É Tudo Verdade

Superadas as emoções das aberturas do 20º É Tudo Verdade em São Paulo e no Rio, dias 9 e 10 de abril, nas quais se poderá assistir a Últimas conversas, filme que Eduardo Coutinho deixou gravado mas ainda sem montar, durante o Festival também poderá ser visto, entre outros títulos, Citizenfour, de Laura Poitras, vencedor do Oscar de melhor documentário deste ano.

| 23 mar 2015_11h52
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Superadas as emoções das aberturas do 20º É Tudo Verdade em São Paulo e no Rio, dias 9 e 10 de abril, nas quais se poderá assistir a , filme que Eduardo Coutinho deixou gravado mas ainda sem montar, durante o Festival também poderá ser visto, entre outros títulos, Citizenfour, de Laura Poitras, vencedor do Oscar de melhor documentário deste ano.

A grande força de Citizenfour está nas gravações feitas no quarto de hotel de Edward Snowden, ex-funcionário da Booz Allen Hamilton, empresa de consultoria que presta serviços para a Agência Nacional de Informações (NSA) dos Estados Unidos. Em junho de 2013, diante da câmera de Poitras, em Hong Kong, Snowden revela o alcance da coleta de informações feitas pela NSA e divulga documentos classificados como secretos, fonte dos artigos publicados por Glenn Greenwald no The Guardian.

O mérito de Poitras, que não é pequeno, foi estar no lugar certo, na hora certa, preparada para ir ao encontro de uma fonte anônima que a procurou através de e-mails encriptados assinados Citizenfour, oferecendo revelar segredos da NSA.

As gravações no quarto do hotel, das quais além de Greenwald, também participa o jornalista Ewen MacAskill, repórter de defesa e informações do The Guardian, ocupam cerca de uma hora de Citizenfour, correspondendo a pouco mais de metade da duração do filme. Começam quando Poitras e Greenwald encontram Snowden em Hong Kong, e terminam 8 dias depois, quando Snowden sai do hotel, acompanhado de um advogado de direitos humanos, para requerer status de refugiado às Nações Unidas e entrar na clandestinidade.

A virtude de Poitras é ter feito um documentário a quente, e não o réquiem costumeiro. Snowden, por sua vez, nos e-mails através dos quais entra em contato com Poitras, nos chats com ela e nos depoimentos gravados nos quais Greenwald é o principal interlocutor, transmite sinceridade de propósitos, domínio das informações que está divulgando e até certa ingenuidade.

Igualmente forte é a sequência final de Citizenfour que dura cerca de 7’, na qual depois de uma nova fonte ter entrado em contato com Greenwald ele conta a Snowden, diante da câmera de Poitras, em Moscou, quais as novas informações que estão para ser reveladas. Por precaução, Greenwald não fala, escreve o que tem a dizer e no final da conversa rasga os papeis em pequenos pedaços. O espectador não fica sabendo do que se trata. Pela reação de Snowden, porém, entende que é algo relevante. Ele parece se espantar quando começa a ler o que Greenwald escreve. Depois, fica em silêncio. E acaba dizendo: “Essa pessoa é inacreditavelmente corajosa. Ela pode colocar essa questão dos informantes (whistleblowers, em inglês) em um novo patamar.” A força da sequência, sendo a última do filme, é não ser um fecho mas uma abertura. Citizenfour termina indicando que novos desdobramentos devem ocorrer.

O que pesa contra Citizenfour são os cerca de 46’ restantes do filme, duração excessiva para o pouco interesse do que é visto. A única exceção é a sequência em que os arquivos entregues em Hong Kong a MacAskill, o jornalista do The Guardian, são destruídos com furadeiras elétricas por pressão do governo britânico. De resto, Poitras perde tempo apresentando Greenwald fingindo ignorar a presença da câmera enquanto escreve numa espreguiçadeira rodeado por cachoros, na sua casa no Rio; cenas nas redações do O Globo e do Der Spiegel; o ex-técnico da AT&T Mark Klein, denunciando a NSA para um grupo de participantes do Occupy Wall Street; Greenwald depondo na comissão do Senado, em Brasília, sobre as atividades da NSA; reuniões do Parlamento europeu e do Parlamento alemão sobre as atividades da NSA etc. São todas sequências em que Poitras perde o foco por tempo demais, parecendo não perceber, durante quase metade do filme, onde está o mais precioso que gravou. Citizenfour paga um preço alto pelo viés jornalístico que domina o documentário americano que tem o compromisso de cobrir seus assuntos de todos os ângulos possíveis.

Snowden é acusado pelo governo dos Estados Unidos de ter cometido três crimes, dois deles previstos na Lei de Espionagem, aprovada em 1917, e o terceiro de roubo de propriedade do governo, podendo ser condenado a até 30 anos de prisão. Citizenfour o mostra, em julho de 2014, através da janela de um apartamento, em Moscou, onde mora como asilado, enquanto sua companheira de longa data, Lindsay Mills, prepara macarrão.

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Depois da estreia no New York Film Festival de 2014, Citizenfour estreou no cinema, nos Estados Unidos, em 24 de outubro, e até ontem (22/3/2015), incluindo o mercado externo, rendeu cerca de 3 milhões de dólares. O custo de produção não está disponível. Sendo, mais do que um sucesso comercial, um acontecimento cinematográfico, Citizenfour é um bom exemplo do estado atual da economia do cinema documentário.

Em 23 de fevereiro, dia seguinte à entrega do Oscar, Citizenfour estreou na HBO, nos Estados Unidos, sendo a HBO Documentary Films a principal produtora do filme. O financiamento da produção provém também dos canais Norddeutscher Runsfunk NDR, de Hamburgo, e da Beyerischer Rundfunk BR, televisão pública de Munique, além dos apoios de diversos fundos americanos e alemães, bolsas da MacArthur Fellows Program, da USA Rockefeller Felllowship e do programa de bolsas da  Anonymous Was a Woman.

Ampliando seu alcance, sem temer repercussão financeira negativa, Citizenfour está disponível há mais de um mês em https://thoughtmaybe.com/citizenfour/ do site thought maybe, indicando lucidez em relação ao seu alcance limitado nos cinemas e compromisso com a ampla difusão de suas denúncias.

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