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    O texto do Lehrer peca um pouco exatamente naquilo que ele critica: ele exagera suas próprias alegações para se mostrar correto. Até a página 4 ele mostra vários depoimentos que se juntam no sentido de reconhecer um exagero e tentar moderar essa predisposição dos cientistas de validar suas próprias hipóteses. Até aí, tudo bem. A discussão é salutar, e tem uma verdade especial em áreas de pesquisa que lidam com fenômenos muito complexos. De fato, todos os exemplos citados são de psicologia ou de sistemas biológicos. Nós simplesmente não entendemos de forma profunda esses sistemas e, por isso, os cientistas dessas áreas têm de recorrer a análises estatísticas em busca de correlações sutis.

Questões da Ciência

Em defesa do método

A polêmica sobre o efeito de declínio, apresentada no post inaugural do blog, mobilizou alguns leitores, que enviaram contribuições importantes para a discussão. Eles criticam o artigo que motivou o debate, contestam as conclusões do autor e saem em defesa do método científico.

Bernardo Esteves | 04 abr 2011_19h28
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Retomo a discussão dos limites do método científico, debatida no post inaugural deste blog e retomada em uma conversa com o filósofo e historiador da ciência Bernardo Jefferson de Oliveira.

A polêmica mobilizou alguns leitores, que enviaram contribuições importantes para a discussão. Seguem trechos de e-mails enviados por três deles, todos com uma postura crítica em relação ao artigo que motivou todo o debate. Eles contestam as conclusões do jornalista Jonah Lehrer e saem em defesa do método científico.

Para começar, algumas considerações do físico brasileiro Alessandro S. Villar, pós-doutorando no Instituto Max Planck para Ciência da Luz, em Erlangen, na Alemanha. Para ele, houve um exagero nas conclusões do autor, que se ateve apenas aos erros do método científico, sem considerar seus êxitos no longo prazo.

 

O exagero dele ocorre justamente na conclusão do artigo. Em vez de algo moderado, baseado naquilo exposto anteriomente, ele basicamente diz que tudo que se faz em ciência é balela, que não pode ser provado, e que cada um acredita no que quiser. Enfim, um retorno à Idade Média, em que a fé se mostra superior à razão pelo simples fato de que, como nenhuma das duas pode dizer algo passível de prova, pelo menos a primeira nos consola.

Ele vai tão longe a ponto de citar exemplos de medidas de gravitação e decaimento de nêutrons. A verdade nesse caso é que ele está completamente enganado. Experimentos realizados com sistemas ‘simples’ e que buscam algo de impacto podem ser testados de forma rigorosa, e não atingem o impacto almejado caso não sejam reprodutíveis. Mas isso ele ignora no artigo e, espertamente, apenas menciona en passant para evitar cair tão claramente no erro que ele mesmo critica.

De qualquer forma, o ponto do método científico não é estar sempre certo. O ponto fundamental é estar correto no longo prazo. É formar um corpo de conhecimento que atravesse os séculos. E é óbvio que erros serão cometidos. Especialmente em áreas com alta influência econômica, como são as áreas citadas no artigo original. E mesmo antes disso, a vaidade humana sempre foi uma força titânica a atacar a eficácia da ciência. Por isso mesmo a exigência de reprodutibilidade.

Esse avanço tem inegavelmente ocorrido, o método científico tem funcionado, e a ciência é ainda hoje uma das poucas atividades humanas que progridem absolutamente no longo prazo. E mesmo quando regride ela está progredindo, porque o método científico atua no sentido de desfazer erros do passado, de forma que testar caminhos errados faz parte da descoberta de caminhos corretos. (…)

O método científico tem falhas no curto prazo, mas é o melhor que podemos fazer. No longo prazo, no entanto, ele tem se mostrado algo muito robusto, e eu até ousaria dizer que é talvez o melhor sistema de pensamento que a humanidade já construiu. Talvez algum dia esbarremos em suas limitações, e então teremos de aumentar suas premissas; mas em nosso estágio atual de conhecimento, nossas limitações para fazer boa ciência são mais influências externas (econômicas, ou a forma como o ser humano é construído, como mencionado no artigo), as quais o método científico tem controlado até que de forma bem sucedida.

* * * * *

A seguir, o depoimento de um pesquisador de uma renomada universidade pública brasileira que preferiu se manter anônimo. O leitor em questão é usuário de um antipsicótico de segunda geração citado no artigo de Jonah Lehrer como um dos exemplos de medicamentos cuja eficácia estaria decaindo com o passar do tempo. Ele atesta a eficácia da droga no seu caso e alega que o autor recorreu a um raciocínio simplista para tratar de um sistema complexo como a mente humana.

Sou ecólogo e tenho distúrbio bipolar, com tendência à esquizofrenia. O Zyprexa salvou a minha vida. Não me tornei esquizofrênico também pela eficiência dos medicamentos modernos. Os antipsicóticos de primeira geração são muito ruins e têm efeitos colaterais graves. Sinceramente, achei o artigo superficial.

Não faz o menor sentido lastrear a argumentação citando Fracis Bacon, pois embora ele esteja correto na sua estrutura lógica, em função inclusive de sua contextualização histórica, o paradigma científico de sua época ainda era o mecanicismo. Hoje, na pós-modernidade, depois de Schrödinger, Prigogine e Feynman, o paradigma científico é organísmico. E sabemos que a estatística é um instrumento frágil para se entender a complexidade. (…)

Tudo em laboratório funciona de forma mais controlada, mas isso não tira o valor da ciência – pelo contrário, afirma seu valor. (…) Falar que a ciência não tem valor por causa de dados estatísticos é o mesmo que dizer que a antropologia não é uma ciência. A estatística é uma ferramenta, não um veredicto de verdade.

Ora, será que não é tempo de considerar mais seriamente dados subjetivos nas análises científicas? Qual o problema em se fazer isso? Ciência não é apenas gerar números; antes disso, é criar um modelo sobre a realidade. A esquizofrenia está ligada à rota dopaminérgica do cérebro, e os antipsicóticos atuam nos terminais dopaminérgicos a partir de um modelo. Se a estatística falha, mas o modelo parece consistente, que se mude a forma de testar o modelo antes de se rejeitá-lo. (…)

Não é possível se basear apenas em números. Não que eles não tenham valor, mas em medicina psiquiátrica a questão é um pouco mais complicada. Parece-me absolutamente lógico que esses testes deveriam envolver dados sobre o ambiente psíquico, o histórico familiar, tipo de socialização, enfim, tornar a pesquisa multidisciplinar. É assim que se estuda a complexidade. Essa é a resposta para a pergunta de Jonah Lehrer – “Há algo errado com o método científico?”. Os laboratórios farmacêuticos precisam incluir diversas ciências nas suas análises, não apenas as biomédicas.

Uma pergunta óbvia que deveria ser feita pelo autor seria: Como foram feitos os experimentos? Como foram aplicados os questionários? Quais as fraquezas epistemológicas dos instrumentos de coleta?

Se a indústria farmacêutica ‘viciou’ os instrumentos de coleta, que se corrija o teste. Mas eu gostaria de, um dia, poder agradecer pessoalmente à equipe que criou o Zyprexa.

* * * * *

Por fim, as considerações do leitor Paulo Puglia, que destaca o caráter provisório dos conhecimentos científicos e defende que resultados descartados não são um sinônimo de fraqueza do método.

O método científico não fica desqualificado quando uma hipótese aceita inicialmente é refutada depois. [Desqualifica-se] talvez quem se apressa em divulgar resultados positivos da sua hipótese e quem trata uma hipótese ainda não refutada como ‘a verdade’.

Uma hipótese testada empiricamente dentro dos estreitos limites da impessoalidade e à salvaguarda de coincidências – o que o método científico busca – nunca é provada. Se for refutada, está eliminada. Se não for, nada se pode afirmar, pois a afirmação do consequente é uma forma lógica inválida nos enunciados condicionais. Isso faz da ciência, ao contrário do ufanismo dominante, especialmente na grande imprensa, na indústria e mesmo nos meios universitários, um corpo provisório de conhecimentos.

Isso não impede que uma hipótese suficientemente desafiada e não refutada gere intervenções na natureza, e é inegável que avançamos muito dessa forma – e somente dessa forma.

O método científico não é a melhor forma de se conhecer a natureza. É a pior – fora todas as outras.

Foto: Nico Kaiser (CC 2.0 BY-SA)

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