Química não vende livro
No ano passado, uma jornalista americana teve o subtítulo do livro que lançaria mudado pela editora, porque a palavra ‘química’ na capa comprometeria as vendas. Esse episódio é sintomático de um fenômeno que já foi chamado de quimiofobia – a tendência da população de associar essa disciplina a venenos, feitiços e cientistas loucos e mal intencionados. Mudar a imagem pública dessa ciência é um dos maiores desafios para químicos e divulgadores de ciência.
Quando a jornalista norte-americana Deborah Blum escreveu o livro [‘O Manual do Envenenador’, sem tradução no Brasil], sobre a evolução da ciência forense nos anos 1920, ela propôs o seguinte subtítulo à Penguin: “Uma história real sobre química, assassinato e a Nova York da era do jazz”. Mas a editora não bancou a sugestão. O subtítulo que foi para o prelo foi “Assassinato e o nascimento da medicina forense na Nova York da era do jazz”. Segundo a autora, o departamento comercial da editora disse que a palavra ‘química’ na capa comprometeria as vendas.
Essa história tão curiosa quanto lamentável abre um artigo sobre a divulgação da química publicado na edição deste mês da revista Nature Chemistry por Matthew Hartings e Declan Fahy, da Universidade Americana, em Washington. Para eles, a aversão dos editores a essa palavra é sintomática do fenômeno que Pierre Laszlo chamou de quimiofobia – a tendência da população de associar essa disciplina a venenos, feitiços e cientistas loucos e mal intencionados.
Mudar essa imagem popular é o desafio de quem trabalha com química e com divulgação científica. Os autores listam alguns obstáculos enfrentados nessa empreitada, a começar pela complexidade e hermetismo da química (“Se as estruturas moleculares são a forma de comunicação primária de um químico, como ele pode esperar ser entendido por um não químico?”, questiona o artigo). A presença discreta dessa disciplina na ficção científica e a falta de uma ideia central que unifique o campo (como a evolução na biologia) também são listadas entre os fatores que a separam do grande público.
Os autores tentam entender por que os químicos não têm grande inclinação para escrever artigos para o público leigo e se engajar em outras ações de divulgação: “Não há razões urgentes para se comunicar amplamente a maior parte das pesquisas. É difícil que se chegue a verdades absolutas [nessa área]. E a natureza do trabalho cotidiano do químico é distante do discurso das mudanças de paradigma bombásticas que reconfiguram o campo.”
O artigo elenca ainda também alguns conselhos para os químicos que queiram se envolver em ações de divulgação. As dicas soam um pouco óbvias para quem tem familiaridade com o campo – como conhecer o público a quem se fala, tentar encontrar associações com o dia-a-dia do cidadão comum ou se envolver com redes sociais e a nova paisagem midiática. Ainda assim, podem ser um ponto de partida para que se derrubem as barreiras que separam os químicos da sociedade.
A cruzada para a mudança da imagem pública dessa disciplina é um dos objetivos do Ano Internacional da Química, celebrado em 2011, quando se comemora o centenário do segundo Nobel recebido por Marie Curie. O ano tem sido marcado por atividades de promoção da química em todo o mundo. Uma das ações promovidas no Brasil é o experimento global sobre a qualidade da água, na qual estudantes de todo o mundo vão medir o pH de amostras locais de água e lançar os resultados num banco de dados planetário. O experimento será realizado em outubro e aceita a adesão das escolas que quiserem participar.
Se for por falta de bons exemplos de divulgação nessa área, vale a recomendação do livro A Tabela Periódica, de Primo Levi, com seus relatos de fundo autobiográfico batizados em homenagem a elementos químicos. Ele já foi considerado o melhor livro de ciência para o grande público de todos os tempos, embora em muito pouco lembre as narrativas convencionais de divulgação científica. O capítulo final, que descreve a trajetória de um átomo de carbono da atmosfera até o cérebro do narrador, é uma verdadeira declaração de amor à química. Será que teria vendido mais se tivesse outro título?
(foto: Joe Sullivan / CC 2.0 BY)
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