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E agora, MPB?

Paulo da Costa e Silva | 07 ago 2014_17h11
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Uma entrevista concedida por Mônica Salmaso para o jornal O Globo, na semana passada, gerou um princípio de discussão, desdobrando-se numa série de comentários (com maior ou menor profundidade) por blogs, posts do facebook e jornais. Tais comentários não se dirigiam ao tema que motivou a entrevista (o lançamento de seu novo CD, Corpo de baile), mas tentavam dar conta, sobretudo, da declaração de Salmaso de que “a música popular brasileira hoje está pobre e nivelada por baixo”. Não é difícil perceber que nada há de novo nessa afirmação. Há algum tempo convivemos com o fantasma do empobrecimento estético da música popular brasileira, e até do fim da canção. Curiosamente, Salmaso associa esse declínio estético com o declínio da indústria fonográfica, invertendo a fórmula de outrora, segundo a qual seria justamente a pujança massificadora da indústria a responsável pelo enfraquecimento estético da música brasileira. Seria então o caso de perguntar: se a indústria estivesse indo bem, será que a música popular brasileira estaria em melhor patamar estético? Quando não são de adesão, eufórica ou resignada, as reações a comentários como esse (comentários desabonadores do presente) costumam variar entre a impaciência, a irritação, e o questionamento da autoridade de quem os enuncia. Seja como for, gostaria de comentar brevemente, e de forma muito livre, alguns pontos presentes na entrevista da cantora.

O primeiro é sobre o esgarçamento do conceito de “música popular brasileira”. Durante muito tempo tal conceito gozou de relativa estabilidade. Embora nunca tenha sido exato ou livre de contradições, havia um consenso mínimo, implícito e compartilhado, sobre o que ele representava. Ou seja, havia uma compreensão razoavelmente estável que nos permitia usá-lo sem muito problema para agrupar artistas tão diferentes quanto Donga, Orestes Barbosa, Tom Jobim e Jards Macalé. Foi isso o que fez a famosa coleção “Nova música popular brasileira”, nos anos 1970, e isso o que ainda tentam fazer, hoje, os eventuais “prêmios da música popular brasileira”. Mas, na prática, o conceito já não goza da antiga estabilidade. Tende mais a esconder, a confundir, do que a revelar; gera mais dissenso e ressentimento do que propriamente diálogo entre as diferenças. Desdobra-se, antes, em duas direções opostas: a dispersão totalizante e vazia (quando se considera como música popular brasileira TUDO o que é feito por aqui, numa abrangência que perde o sentido justamente porque não delimita diferenças), por um lado, e a restrição excludente, por outro. Entendo perfeitamente quando Mônica Salmaso diz que o que tem sido produzido hoje “é feio”: ela tem em mente um critério muito específico, extraído de um conjunto determinado de obras e autores do passado, de uma das tradições musicais brasileiras. Tal tradição inclui e exalta nomes como Villa-Lobos e Tom Jobim na mesma medida em que exclui ou diminui outros. É guiada pela busca de uma beleza lírica, contemplativa, associada com grande controle e definição formais e seu aspecto é clássico: tende mais para o lado do equilíbrio, da clareza e da exatidão. Trata-se de um filtro possível, entre muitos outros – os tropicalistas, por exemplo, estavam muitas vezes mais interessados em saúde e potência do que numa beleza clássica; mas Edu Lobo e Chico Buarque, não. Se esse filtro tem perdido lugar no presente, se as pessoas não têm mais se interessado por esse tipo de beleza (que exige uma bagagem de conhecimento da tradição e uma concentração que elas não estariam mais dispostas a conceder), isso é uma outra história. Mas, numa sociedade pluralista como a nossa, qualquer tentativa de alçar esse filtro a uma posição dominante, de critério geral da qualidade artística, soará equivocada, para não dizer arrogante. Ao que parece, Salmaso trabalha com uma concepção bastante estreita de beleza (mas que pode, no entanto, produzir grandes belezas), e uma apreensão antiquada do termo “música popular brasileira”. Talvez esteja na hora dos artistas deixarem de lado este termo, como etiqueta puramente mercadológica, e declararem de forma direta quem são suas filiações artísticas – sem precisar passar por um quadro geral que simplesmente não faz mais sentido.

O segundo ponto diz respeito ao vaticínio de Salmaso de que “a internet ainda vai florescer”. A internet continua sendo vista como promessa; muitos ainda olham para ela como um espaço de transição; mas, e se não for? E se a internet continuar sendo o que ela já é: um meio com muitas potencialidades, mas também com muitas limitações; com  excelentes possibilidades de conexão e acesso, mas sendo conduzido por imensas forças de dispersão, marcado por uma lógica de multiplicação e confinamento em nichos cada vez mais estreitos, por uma dinâmica de achatamento e pasteurização de tudo o que nela coexiste. Um meio que oferece uma resistência natural a experiências de maior concentração e profundidade – antes de ouvir (ver) determinada música sou assaltado por anúncios barulhentos, sugestões de outros vídeos, mensagens de amigos, pop-ups, imagens engraçadas ou grotescas, uma pletora de notícias, piadas, emails de trabalho… Acima de tudo, um meio de fragmentação contínua que, com sua lógica ultra-individualizada, dificulta a criação de novos campos de escuta coletiva. Muita coisa acontece, mas quase nada gera acontecimento. Nisso a internet perde de lavada (7×1) para a TV e talvez até para o rádio. Além disso, sua reestruturação econômica se deu em prejuízo, quase sempre, dos produtores de conteúdo, e em benefício (ainda maior do que antes) dos vendedores (atravessadores) desse conteúdo. Ser famoso e levar os fãs para dentro do facebook é uma coisa; tornar-se famoso a partir do facebook é outra completamente diferente. Está na hora de parar de ver a internet como terra prometida. Nada leva a crer que ela “ainda vai florescer”. A internet não “vai ser”, mas já “é”. Ainda há, me parece, uma crença ingênua de que poderemos criar nela um mundinho paralelo, do nosso jeito, ideal, em contraponto com o mundo “real”. No caso da música, o declínio da indústria fonográfica se deu sob os auspícios da internet e foi saudado com palavras de “liberdade criadora”, “democracia”, “fim do monopólio”, “era da informação”, “igualdade de oportunidades”, “diversidade”, etc… Ao mesmo tempo, o afastamento cada vez maior da produção artística mais autoral – menos espetaculosa e de menor fôlego comercial – da grande mídia contribuiu para a fantasia compensatória de que, com o tempo, tudo se acertaria, para melhor, na internet, onde a velha indústria seria substituída por um novo modelo (que ninguém sabia exatamente qual era) que iria inevitavelmente favorecer (mas ninguém sabia exatamente como) os artistas e a criação, assim como o público, por ser mais aberto e igualitário, menos concentrador. O cenário de hoje, contudo, parece bem mais árido. No fim dos anos 1960 havia nada menos do que 7 programas exclusivamente sobre música na TV brasileira. Hoje, praticamente nenhum. Por que nomes já com certo reconhecimento no meio, tais como Mônica Salmaso, Thiago Amud e o grupo Passo Torto, não frequentam os programas de auditório da TV Globo? Por que ainda não possuem um público numericamente consistente? Por que não dá dinheiro? Por que são demasiadamente experimentais para os padrões da TV aberta? E por que um programa interessante como o Som Brasil não pode ocupar um horário mais nobre e regular na grade de programação da Globo, adotando um papel formador? Por que não dá dinheiro? Por que o público vai mudar de canal?

Tem gente que acha que o futuro de certa cultura musical brasileira está na internet. Eu acho que está na possibilidade de voltar a ter uma presença maior na TV aberta e nas rádios, nos velhos meios de comunicação de massa.

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