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Radiante: Chiquinha Gonzaga

| 31 ago 2012_09h46
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Foi uma amiga querida que acendeu minha paixão por Chiquinha Gonzaga. No início dos anos noventa. Eu conhecia a marchinha carnavalesca Ô Abre-Alas, sabia que era a primeira mulher brasileira compositora, e só. E isso porque não havia muita coisa disponível pra gente escutar ou ler. Sua obra era praticamente desconhecida e isso não faz muito tempo. Só depois disso foi que fizeram uma minissérie na TV, peça de teatro e as pessoas conheceram melhor sua música. Quando fui procurar por Chiquinha deu muito trabalho encontrá-la. Havia um disco da editora Abril, o belo trabalho da Edinha Diniz, dois LPs gravados pela Clara Sverner, uma peça da Maria Adelaide Amaral. Para conhecer sua obra foi preciso ir ao Rio de Janeiro, pesquisar na Biblioteca Nacional, no MIS, ir até a SBAT, xerocar partituras e fotos. Fiquei muito impressionada com a magnitude da sua obra, com o mundo sonoro que ela me revelou. Imenso. Diminutivo, por carinho, só mesmo o nome: Chiquinha.


Genéa – Chiquinha Gonzaga
Clara Sverner: piano; Paulo Moura: clarineta

Chiquinha viveu muito. Nasceu no Rio de Janeiro em 1847 e morreu em 1935. Encantou e chocou a sociedade carioca com sua arte e sua forma de ser. Compositora, regente, pianista, considerada ainda hoje o maior nome feminino da música popular brasileira, Chiquinha casou-se, separou-se, dedicou-se à música, foi abolicionista e republicana. Imagine só, uma mulher brasileira, no final do século XIX, artista, independente, ativista política, sobrevivendo de música. Se ainda hoje isto é um ato quase heróico, imaginem naquela época! Ah! Ia me esquecendo. Chiquinha, junto com Viriato Correia, Raul Pederneira e outros, foi também fundadora da SBAT. Que mulher radiante, atraente é esta?

Sua obra é imensa, cerca de 250 músicas. E chama atenção a variedade de gêneros que compôs: valsa, polca, habanera, tango, maxixe, lundu, serenata, schottisch, mazurca, fado, canção. Compôs também operetas populares. A variedade dos gêneros musicais e também uma certa imprecisão na definição deles – algumas músicas ora são chamadas tango, ora maxixe; outras ora polca, ora choro – fazem parte do mundo musical brasileiro daquele momento. Na segunda metade do século XIX e começo do XX começa a nascer o que hoje conhecemos como música popular brasileira. Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Sinhô e outros são os pioneiros. Chiquinha vive nesta época de transição, de formação da nossa música popular. O encontro entre a chamada cultura de elite, onde reinava a música européia, e a nascente cultura popular, de influência principalmente africana, é que vai gerar esta nova música. A cultura musical européia cultuada pela elite carioca vai sendo abrasileirada pelas camadas populares que começavam a surgir e pelos artistas sensíveis às transformações da sociedade e da arte. Chiquinha era um destes artistas.

Em 1897 ela compõe o “tango” Gaúcho, depois chamado “maxixe” Corta-jaca. José Ramos Tinhorão explica que o maxixe nasceu por volta de 1870, como uma maneira livre de dançar a polca, a schottisch e a mazurca, músicas de origem européia, que invadiram a atmosfera musical do Rio de Janeiro. Juntamente com os pianos! O maxixe, ele explica, “resultou do esforço dos músicos de choro em adaptar o ritmo das músicas à tendência, aos volteios e requebros do corpo com que mestiços, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das danças de salão”. Corta-jaca causa escândalo pela sensualidade do ritmo e do  modo de dançar. Em 1914  o Corta-jaca continua causando polêmica ao ser tocado pela primeira-dama da República numa recepção no palácio onde, até então, as portas estavam fechadas para a música popular.

Corta-Jaca- gravado entre 1908 e 1912 pelo grupo de Chiquinha Gonzaga

Em 1899, o cordão carnavalesco Rosa de Ouro pede a Chiquinha que componha uma música para eles e, assim, nasce a primeira marchinha carnavalesca, aquela que eu já conhecia, a famosa Ô Abre-Alas.

Encantada pela sua obra gravei em 1992 a linda e inspirada modinha Lua Branca.

E em 1994 as partituras encontradas na Biblioteca Nacional ganharam vida no projeto musical Abrindo – Alas que criei para que a música de Chiquinha soasse sinfônica, límpida e gostosa na ruidosa e nervosa paulicéia desvairada. Sua música fez vibrar a linda arquitetura de Lina Bo Bardi, o teatro do SESC Fábrica Pompéia. Alegrou e serenou os corações apressados, derramou poesia e música pelo palco e platéia, invadiu o corredor, a rua. E como lua plena e branca, ó lua branca, de fulgores e de encantos, radiante, iluminou nossas almas naquela noite atemporal e mágica que continua ecoando  na minha memória e que se perpetua aqui, agora, enquanto escrevo.

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