Vinicius participa de um cadáver esquisito
Este é um raro sobrevivente das brincadeiras literárias herdadas do Velho Continente e praticadas pelos intelectuais brasileiros do meio do século passado, todos profundamente influenciados pelos movimentos literários artísticos das décadas anteriores na Europa.
O grupo surrealista francês composto por escritores hoje famosos e artistas como René Magritte ou Salvador Dali inventou, por volta de 1925, um jogo literário chamado que, por aqui, ficou conhecido como “cadáver esquisito”.
A iniciativa estava ligada à ideia da escrita “automática” proposta pelo Surrealismo e o trabalho era coletivo: podia tratar-se de um desenho ou de um texto. Em ambos os casos, cada artista desenhava uma pequena parte que era dobrada e continuada por outro que não sabia o que havia em cima e assim por diante, com três, quatro, seis ou mais participantes. Na literatura, o jogo acabava dando poemas curiosos: novamente o participante escrevia uma linha, a dobrava e deixava às vezes só a última palavra para que o seguinte completasse com mais uma linha, que seria também escondida até o último participante terminar o texto.
A peça aqui reproduzida é um raro exemplar de cadáver esquisito brasileiro do final dos anos 1940. Intitulado Rampa do túnel / São Paulo, teve como participantes Vinícius de Moraes, Luiz Lopes Coelho e sua mulher Dinah, (um dos casais de intelectuais mais destacados de São Paulo), Arnaldo Pedroso D’Horta, Sergio Milliet e Luiz Martins, notáveis escritores paulistas então na casa dos quarenta e cinco anos.
Vinícius teria 35 na data provável deste manuscrito, 1948, e fazia parte dos integrantes mais jovens.
O texto diz:
“Rampa do Túnel
São Paulo
Você é besta porque não está conosco / para fazer o Orfeu da Conceição / comi o cachorro, / e o fecho de ouro que os paristes”.
O texto é assinado por todos com o primeiro nome na ordem de sua contribuição. Milliet assina como “Sergio, o da verdade” e Martins como “Luiz Martins, o da mentira”, numa alusão hoje pouco clara a uma brincadeira que morreu com os participantes.
A frase com que Vinicius contribui para o cadáver esquisito é significativa: “fazer o Orfeu da Conceição”. Foi o que ele fez tão bem.
Este é um raro sobrevivente das brincadeiras literárias herdadas do Velho Continente e praticadas pelos intelectuais brasileiros do meio do século passado, todos profundamente influenciados pelos movimentos literários artísticos das décadas anteriores na Europa.
Foi conservado pelos descendentes de um dos participantes, de quem o atual detentor o adquiriu.
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