Confidências de Leopoldina
Com a recente exumação dos corpos de D. Pedro I e D. Leopoldina, levantou-se (ao que parece a partir do nada) a hipótese de uma fratura do fêmur da Imperatriz que teria sido causada pelo Imperador ao derrubá-la de uma escada.
Essa alegação (como bem lembrou na semana seguinte uma competente historiadora) nunca foi sustentada seriamente por nenhum estudioso. Sendo assim, não foi nada surpreendente ver desmentida pela tomografia a que foi submetida a Imperatriz.
Com a recente exumação dos corpos de D. Pedro I e D. Leopoldina, levantou-se (ao que parece a partir do nada) a hipótese de uma fratura do fêmur da Imperatriz que teria sido causada pelo Imperador ao derrubá-la de uma escada. Essa alegação nunca foi sustentada seriamente por nenhum estudioso. Sendo assim, não foi nada surpreendente ver desmentida pela tomografia a que foi submetida a Imperatriz. Mas é certo que os rumores a respeito do descaso ou mesmo dos maus tratos de D. Pedro I com relação a D. Leopoldina não datam de hoje.
Ao casar com D. Pedro I, em 1817, Leopoldina não pretendia unir seu destino ao do futuro Imperador do Brasil, mas sim ao do futuro rei de Portugal. Foi para este genro que seu pai, o Imperador da Áustria, pensava entregá-la quando autorizou seu casamento, aos vinte anos, com o príncipe herdeiro português, um ano mais jovem. Se soubesse que destinava sua filha a passar os últimos dez anos de sua vida no clima tropical do Rio de Janeiro, para morrer aos vinte e nove anos após ter ficado grávida dez vezes, talvez o Imperador tivesse hesitado em lhe impor tal sacrifício.
Já para D. João VI e para o futuro D. Pedro I, o casamento com a Arquiduquesa da Áustria, Leopoldina, era um consórcio brilhantíssimo: a Áustria era das monarquias mais poderosas da Europa e a irmã de Leopoldina, Maria Luiza, havia se casado sete anos antes com ninguém menos que Napoleão Bonaparte, (o que tornava tecnicamente D. Pedro I concunhado de Napoleão).
Além de seu ilustre nascimento, Leopoldina também pode ter sido uma moça com prendas intelectuais e, ao que parece, algum interesse por ciências naturais. Quanto aos seus atributos físicos, os testemunhos variam entre os simpáticos, que a acharam bonitinha, e o perfil desenhado por Debret, que evidencia uma moça que seria considerada hoje pré-obesa. Em todo caso, Leopoldina garantiu a existência de Dom Pedro II e de outras duas irmãs que também sobreviveram até a idade adulta, entre os muitos filhos que deu a D. Pedro I.
Que Leopoldina esteve em algum momento encantada por Pedro ninguém duvida. Pode até mesmo ter estado apaixonada, mas logo o amor terá arrefecido diante da personalidade descontrolada de seu marido e a indiferença que aos poucos foi demonstrando por ela.
É difícil hoje comprovar os rumores, sensacionalistas mas persistentes, de violência física – ou até de um pontapé na barriga que teria causado um aborto – que já circulavam naquele tempo e que, após a morte de Leopoldina, dificultaram muito a obtenção de uma segunda mulher para D. Pedro I entre as apavoradas princesas europeias.
Teve de contentar-se com a futura D. Amélia, filha do filho adotivo de Napoleão, o que fez de D. Pedro o “neto” por aliança do mesmo homem que seu primeiro casamento havia tornado seu concunhado.
A carta reproduzida nesta página permaneceu desconhecida por muitos anos até ser recuperada há duas décadas num leilão europeu por um colecionador brasileiro. Leopoldina escreve em cursiva gótica, difícil de decifrar, e muitas de suas frases podem ser interpretadas de maneira diversa, dependendo da pontuação.
Mas não há duvida de que este seja um dos documentos nos quais a Imperatriz do Brasil se expressa com mais franqueza e se arrisca a dar uma opinião sincera acerca de seu marido.
Escrevendo para a irmã, sua maior confidente (no mesmo ano em que esta se tornou viúva de Napoleão), Leopoldina desabafa ao final de seu quarto ano no Brasil. Começa lamentando a perda de uma de suas melhores amigas: “A morte da Condessa de Linhares é fato real e perdi uma verdadeira amiga, o que aqui é uma coisa bastante rara, pois o interesse e as intrigas são os motores principais do sexo feminino português”.
Reclama levemente do Imperador ao dizer que seu filho (um príncipe nascido e morto antes de D. Pedro II): “… é o querido do papai que lhe ensina todas as desobediências possíveis”.
Não deixa também de lembrar seu destino inelutável de filha de monarca: “Fui criada desde a minha infância para dominar a minha vontade e os meus desejos e para desistir da minha sorte e do meu contentamento se for para o bem comum, assim consigo aguentar todas as lutas e situações difíceis e duras, mas me resta uma certa depressão e tristeza quando penso e fico meditando.”
Mas é numa frase fundamental que Leopoldina confessa à irmã o que mais a atormenta, tanto do ponto de vista pessoal quanto político: “O caráter do meu marido é extremamente exaltado por causa do tratamento contraditório, duro e injusto em relação a todas as mudanças, de modo que tudo que denote levemente liberdade lhe é odioso. Assim só posso continuar observado e chorando em silêncio”.
Ainda que não tenha havido pontapés na barriga e muito menos fêmures quebrados em quedas de escada, o que terão sido os últimos dez anos da curta vida de Leopoldina, sufocados pelo calor e as intrigas palacianas, e tendo que suportar a presença de inúmeras amantes, sobretudo a da Marquesa de Santos?
Certamente não foi idílica sua presença entre nós, e cartas como esta permitem apenas supor o que talvez jamais seja provado. Apesar de algumas tentativas meritórias, Leopoldina continua um personagem misterioso, que está ainda à espera de uma biografia definitiva.
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