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Lula e o eleitor do agreste

Trabalhadores rurais de Alagoas entendem que ele se envolveu com corrupção, mas não deve ser punido diante da “lama geral”

Elvira Lobato | 08 set 2018_06h30
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Poucas horas depois de o Tribunal Superior Eleitoral negar o pedido da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na madrugada do dia 1º de setembro, um grupo de pequenos agricultores de Taquarana, no agreste alagoano, já ciente da decisão dos magistrados, continuava irredutível no apoio ao líder petista preso em Curitiba.

A sessão do TSE começou na sexta-feira (31 de agosto) e se estendeu madrugada adentro. O sábado mal amanhecera, quando o grupo foi para a beira da estrada esperar o caminhão que o levaria ao município vizinho de Coité do Noia. Eu dirigia na direção contrária da pista, de Arapiraca para Maceió, e estacionei curiosa em saber se a votação recém-concluída produzira algum impacto sobre eles. O Nordeste, sobretudo o meio rural, continuava fiel ao ex-presidente.

“Aqui é tudo Lula. Não importa que esteja na cadeia, eu voto nele. Se Lula se candidatar mil vezes, mil vezes eu votarei nele”, afirmou resoluto o agricultor Alonso João da Silva, de 57 anos, pai de onze filhos, oito dos quais migraram para São Paulo em busca de trabalho. Ele produz mandioca em sua pequena propriedade. A região também é produtora de fumo e abacaxi.

Pergunto se acham que Lula se envolveu de fato em corrupção. Alonso responde afirmativamente com um balançar de cabeça, mas acrescenta que a condenação não afetou a imagem dele junto à população local. “Todos os políticos roubaram. Ele, pelo menos, só roubou dos ricos”, completou, apoiado pelos companheiros. O verbo roubar foi usado pelos entrevistados. Eu usei a palavra corrupção nas perguntas.

Percorri cinco municípios alagoanos entre 29 de agosto e 1º de setembro – Arapiraca, Palmeira dos Índios, Taquarana, Limoeiro de Anadia e Campo Alegre –, e me detive em pequenos povoados para conhecer a expectativa dos moradores diante da eleição presidencial que se avizinha. Entrei em casebres praticamente desprovidos de mobiliário, ouvi agricultores angustiados com a queda do poder aquisitivo e trabalhadores que estavam desempregados por causa da entressafra da cana-de-açúcar.

Todos que encontrei pelo caminho não hesitaram em declarar intenção de voto em Lula. Mas, para minha surpresa, se mostraram conscientes de que ele, como as principais lideranças políticas do país, se envolveu com a corrupção. “Se não tivesse [se envolvido] teria entregado quem roubou”, deduziu o feirante Alan Diego, de 30 anos, de Palmeira dos Índios, que viu seu pequeno comércio de porcos encolher nos últimos anos. Ele disse que vendia uma média de cem porcos por mês para churrascarias da região, até dois anos atrás, e que agora caiu para uma média de cinquenta, enquanto seus gastos dispararam com os aumentos de combustível e da energia elétrica. 

“Todos [os políticos] roubaram. O que disser que não comeu, comeu mais do que Lula que, pelo menos, fez muito pelos pobres”, resumiu o produtor de bananas Adriano da Silva Araújo, de 33 anos. Eu o encontrei na feira de Palmeira dos Índios, com um estoque de trinta caixas de banana-prata – cada uma com doze dúzias – à espera de comprador. Estava aflito porque a manhã avançava e os compradores não apareciam.  

“O Brasil está atrapalhado. Até a procura por banana caiu. Eu costumava trazer mais de noventa caixas para a feira, e agora não vendo nem um terço disso”, afirmou. A primeira freguesa se aproximou e pechinchou o preço do cento de banana, de 20 reais para 15 reais. “Deveriam soltar o Lula. Se ele roubou, foi para ajudar os pobres”, acrescentou Araújo, que tem um filho pequeno e só estudou até o quarto ano do ensino fundamental. A freguesa entrou na conversa e concordou com ele.

Na banca ao lado, a vendedora de ovos caipira Madalena Correia da Silva, de 55 anos, levou seis dúzias para a feira e também enfrentava dificuldades para vender o produto, a 8 reais a dúzia. “Tem mês que não consigo apurar nem um salário mínimo com a venda dos ovos. E acho que não tem como melhorar mais não.”

A queda da economia produziu um fenômeno em cascata na região e afetou tanto os assalariados quanto os pequenos produtores e os profissionais autônomos, como o carpinteiro Luciano Silva. “Até um ano atrás, os clientes tinham que agendar trabalho comigo, porque eu tinha muita procura. Estou há dois meses sem nenhum trabalho”, afirmou. Perguntei a opinião dele sobre o governo Temer: “Este arruinou tudo. Se vier outro presidente como ele, é melhor matar nóis. Se Lula não for candidato, não vou sair de casa pra votar.”

Os entrevistados queixaram-se de perda de qualidade de vida e de bens de consumo. “Muita gente por aqui comprou moto durante o governo Lula, porque havia facilidade de crédito. Agora estamos vendendo as motos, pois não dá para pagar o combustível. Do que adianta Alagoas produzir petróleo, se o preço da gasolina só aumenta?”, indagou Alan Diego.

Deviam soltar o Lula imediatamente porque todos os políticos têm culpa no cartório. Ele não pode ser o único a pagar a conta. Fez muita coisa pelos pobres”, opinou Cícero Paixão, de 55 anos, morador do povoado Chã da Imbira, no município de Campo Alegre. As terras na região são ocupadas com canaviais da Usina Porto Rico. A indústria açucareira de Alagoas passa por longa crise, e sete usinas, entre elas a Porto Rico, pediram recuperação judicial em outubro do ano passado.

Na maioria das usinas alagoanas existem vilas de casas ocupadas por antigos funcionários ou por seus descendentes e acabaram por se transformar em pequenos povoados. É o caso de Chã da Imbira, onde conversei com Antonio Bezerra da Silva, de 31 anos. Eleitor de Lula, ele tem dois filhos pequenos e trabalha como cortador de cana nos meses de safra, de setembro a março. Na entressafra, sobrevive das economias que consegue acumular durante a produção, de pequenos bicos e do Bolsa Família. Seu vizinho Geovane Rodrigues, de 66 anos, explicou a razão para querer Lula de volta: “Meus seis filhos fizeram faculdade porque ele abriu as universidades para os pobres.”

No município de Limoeiro de Anadia, ouvi o relato de Silvana Santos, de 40 anos, que vive do Bolsa Família e da remuneração como diarista na colheita de pimenta. Silvana tem seis filhos e o marido está incapacitado para o trabalho, em razão de problemas na coluna causada pelos anos de serviço braçal no corte da cana. Ela acorda às 3 horas da madrugada para cozinhar para a família antes de embarcar em uma caminhonete rumo aos campos de pimenta. Recebe 2 reais por quilo colhido. Em um dia inteiro de trabalho, consegue colher dez quilos de pimenta e volta para casa com minguados 20 reais no bolso. Quando lhe perguntei o motivo de querer a volta de Lula, mesmo após a condenação por corrupção, ela apontou as duas poltronas existentes na sala de piso de cimento, a geladeira e o fogão na cozinha, segundo ela, comprados durante os governos dele.

Apesar das declarações unânimes em favor de Lula, constatei que o partido terá dificuldades para transferir os votos para Fernando Haddad. Nenhum dos entrevistados nos cinco municípios que percorri soube identificá-lo como o substituto de Lula na chapa do PT.

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