Tempos assombrosos
O que assusta mais: o futuro político do país ou um ente sobrenatural?
Enquanto a intelectualidade brasileira se assombra com o desenrolar das eleições, a tradicional Mariana, em Minas Gerais, mantém vivas as histórias de um grupo menos assustador do que os políticos atuais: as assombrações e as almas penadas. No dia 3 de novembro, ocorrerá na cidade o 1º Encontro Nacional de Caçadores de Assombração.
O que assusta mais nos dias de hoje: o futuro político do Brasil ou a visita de um ente sobrenatural? Fiz a pergunta ao professor de inglês Leandro Henrique dos Santos, presidente da Associação dos Caçadores de Assombração de Mariana (Acam) e proprietário do jornal O Espeto, mas ele se esquivou. “Nosso mundo não está ligado ao sobrenatural. Um não pode influenciar o outro”, respondeu. Admitiu, porém, que em momentos de grande estresse as pessoas podem ficar “mais perceptivas”. De onde se conclui que o desespero pode levar mais gente a ver almas penadas daqui por diante.
Mariana foi a primeira capital de Minas Gerais e seus moradores a tratam carinhosamente de Primaz de Minas. Santos calcula que 70% da população da cidade acreditam no sobrenatural e 47% já testemunharam algo inexplicável nesse campo. Os casarios bem conservados, a profusão de igrejas e as ladeiras íngremes de calçamento de pedra formam um cenário propício às aparições do sobrenatural. Quem participar do encontro no dia 3 poderá conferir, se tiver sorte, um desses fenômenos na Câmara Municipal, um velho edifício que antes foi cadeia pública. Ali, depois que o sol se põe, costumam ser ouvidos gemidos e lamentos terríveis, asseguram os vigias. A previsão é que o encontro termine por volta da meia-noite.
O Espeto é um jornal impresso semanal e em quase todas as suas edições há algum relato de encontros com monstros, assombrações e almas penadas. Na última semana de julho, publicou a história de uma luz misteriosa que tem aparecido no distrito de Camargos, a 14 quilômetros de Mariana. A reportagem trouxe depoimentos de várias testemunhas, como a ex-prefeita Terezinha Severino Ramos (PTB), cujo irmão teria sofrido queimaduras nos olhos por ter encarado a luz de frente. Segundo o jornal, o laudo médico atestou queimadura causada por luz do mesmo tipo da que é emitida por solda elétrica.
O ex-vereador Cícero Pinheiro, de Mariana, relatou ter obervado uma bola de fogo rondando sua fazenda. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Tecnico-administrativos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Sérgio Neves, contou ter visto uma luz estranha (supostamente a mesma) sobre uma montanha. O mecânico de automóveis José Felipe viajava para Camargos quando uma luz forte e fria iluminou seu carro na estrada. Ele acelerou o veículo, mas foi perseguido pela luz por um bom tempo.
Com 111 membros, a Associação dos Caçadores de Assombração de Mariana tem por função “coletar os causos”. É tão organizada que seus associados vão uniformizados às expedições. Para o registro de um fenômeno pela associação, é preciso que pelo menos dez pessoas o tenham testemunhado. Mas um boletim de ocorrência policial pode ser considerado prova robusta, como ocorreu com uma pessoa que registrou queixa na delegacia por ter levado uma paulada de uma assombração conhecida como “Maria Sabão”.
As aparições do Caboclo d’água, o monstro mais famoso da região, motivaram a criação da entidade. Dele, há uma estatueta na sede da Acam, esculpida a partir de descrições das testemunhas: “meio lagarto, meio macaco”, como também o descreve Santos. O monstro costuma ser visto sobretudo perto dos rios Carmo e Gualaxo, que atravessam o município de Barra Longa. “Entrevistei um vereador que deu um tiro nele e outro que vendeu a casa depois de tê-lo avistado na horta. Um rapaz morreu depois de ter os testículos arrancados pelo Caboclo d’água, que o atacou no rio.”
O interesse em torno do Caboclo d’água aumentou muito depois que o professor de geologia Milton Brigolini, da UFOP, ofereceu recompensa de 10 mil reais a quem fotografasse a entidade. Formou-se uma comissão para analisar as fotos que aparecessem. Foi elaborado até um mapa indicando os locais com maior densidade de ataques do Caboclo d’água, para orientar os interessados na caçada. A Acam também mandou fazer uma jaula de ferro, onde alguns incautos foram colocados para servir de isca ao monstro. Até hoje, entretanto, não se obteve nenhuma foto.
Quando conversei com Santos, na última quinta-feira, ele se preparava para mais uma expedição a Camargos. Da maneira como me descreveu, imaginei que seria uma viagem bastante frutífera. O distrito, segundo ele, já teve 2 mil habitantes e se esvaziou de tal forma, que, segundo o Censo de 2010, tem apenas 83 moradores. Após percorrerem fazendas da região, os caçadores de fantasmas irão para a Igreja Nossa Senhora da Conceição, construída no século XVIII, ao lado da qual há um cemitério antigo, onde aguardarão a chegada da noite. Quando tudo mergulhar na penumbra, pois a iluminação pública da cidade é precária, os caçadores esperam que as assombrações saiam das trevas para fazer a festa em Camargos.
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