ILUSTRAÇÃO: EDSON IKÊ_2021
Cães sem dono da paisagem civil
não será o poste a mijar nos cachorros
André Capilé | Edição 179, Agosto 2021
CÃES SEM DONO DA PAISAGEM CIVIL
- a pesca de um menino
saltado de seus arcos
rio nenhum suporta
- a quem tiver terreno
a casa é santa
e lá será semente
até lembrança
se alguém soubesse o fim
ninguém tinha durado
à espera nos buracos
ao vigiar a tranca
do destino
regaria o jardim
pra não secar os companheiros
- de longe fica o papa
-hóstia com as velas
de túmulo
à porta da matriz
salta à atenção
: o pipoqueiro igreja os pipocas
- o monumento
nota de parada
que não veem
os que passam
ainda menos
os estacionados
- nome de nenhum ninguém vai
ornamentar as estátuas
salva-se o homem
louco a decorar
aos olhos de quem passa
os papelões da paisagem
- os que insistem
contramão do asfalto convulso
dos estômagos
a mazela convoluta
não será o poste a mijar nos cachorros
- o cão arremessado por seu polegar
nenhum alerta indica o guarda-mato
a música de assalto
fede assassina à dança do tambor
indigentes balárias na sé de você
fomos em fuga das coleiras
cães sem dono da paisagem civil
- a carne, por recorte, ganha preço.
na vitrina, moldura, aos cães diverte.
cão não fui que adulassem a cabeça.
ninguém me encabulava, nem por breque.
mordida vinha a cana – me assobia
– se cobrassem muxoxo, respondia
linhas de soco: o vento é minha casa.
- máquina no cabelo,
em cada cabeça um sinal.
se todos fossem parecidos no verão –
na caixa d’água uma piscina de dourados.
máquina no cabelo,
em cada cabeça a sentença.
o aviso cabe a quem mais cedo sai de casa:
o filho da faxina, um alvo sem clareza.
máquina no cabelo,
em cada cabeça, quem sabe?
na rua, um arsenal. os espelhos espreitam.
à direita, à esquerda, um comboio inimiga.
máquina no cabelo,
em cada cabeça a balança.
logo chega a cancela. à direita, à esquerda,
os espelhos espreitam. deriva a passagem.
máquina no cabelo,
em cada cabeça ninguém
: a fina linha que separa uns de zeros.