ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
O puxador de votos
A presidente do Podemos, Renata Abreu, dá carta branca a Sergio Moro na corrida presidencial
João Batista Jr. | Edição 183, Dezembro 2021
Depois de um namoro que durou mais de um ano, entre conversas telefônicas e encontros pessoais, foi marcada a data do casamento – 10 de novembro. Nesse dia, Sergio Moro, ex-juiz, ex-comandante da Operação Lava Jato, ex-ministro de Jair Bolsonaro, filiou-se ao Podemos e entrou oficialmente na política.
As tratativas finais para a filiação se deram no dia 25 de setembro, sábado, em uma reunião na residência de três pavimentos do senador pelo Paraná Oriovisto Guimarães, às margens do lago do Parque Barigui, em Curitiba. Além de Moro e Guimarães, estavam presentes os senadores Alvaro Dias e Flávio Arns, e a deputada federal por São Paulo Renata Abreu, paulistana de 39 anos que preside o Podemos.
O encontro começou às dez e meia da manhã e levou cinco horas para acertar o passo a passo do engajamento de Moro no partido e na vida política. A primeira decisão foi sobre a data em que ele assinaria a filiação, após se desligar da consultoria Alvarez & Marsal, na qual trabalhou depois que se demitiu do cargo de ministro da Justiça. Os correlegionários do Podemos também resolveram que Moro será candidato às eleições presidenciais do ano que vem. “O nome dele é nacional e tem apelo com toda a população cansada da polarização. Não tem sentido alguém como Moro disputar Senado ou Câmara”, diz Flávio Arns.
A estratégia traçada na casa de Oriovisto Guimarães previa que o ex-ministro evitaria fazer ataques diretos a Bolsonaro, a fim de conquistar os votos dos que ainda apoiam o presidente, e não apenas dos que se arrependeram de votar nele. Moro, porém, não seguiu esse script na cerimônia de filiação em Brasília: falou que o Brasil está cansado de mensalão, petrolão, orçamento secreto – e de rachadinha, referência explícita ao clã Bolsonaro.
Outro ponto combinado na reunião em Curitiba foi que, a partir de janeiro, Moro fará um roadshow para conhecer diretores partidários em diversas capitais do país. Renata Abreu deu carta branca a ele para elaborar o plano de campanha que quiser e buscar os apoios políticos que preferir. Para as viagens pelo Brasil, o ex-ministro vai contar com a verba do partido. O cálculo da presidente do Podemos é simples. Moro será o melhor garoto-propaganda para a legenda, que tem apenas onze deputados, nove senadores e, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 400 mil filiados em todo o Brasil (a título de comparação, o PT tem mais de 1,5 milhão).
O Podemos está eufórico com a perspectiva de ganhar novos filiados, na esteira de Moro. “Posso afirmar que esse movimento de crescimento já é real”, diz Jorge Kajuru, senador do partido por Goiás. “Na semana que antecedeu a filiação de Moro, recebi mais de cem ligações, em meu telefone particular, de gente querendo saber como fazer para se filiar.”
Renata Abreu é a mais velha das duas filhas do ex-deputado José Masci de Abreu, dono de um conglomerado de rádios, e da empresária Maria Cristina Hellmeister de Abreu. Formada em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em administração pela Fundação Getulio Vargas, a deputada trabalhou nas empresas da família, sobretudo na gestão do Centro de Tradições Nordestinas (CTN), um espaço de eventos em São Paulo – até decidir enveredar pela política.
Em 2011, quando tinha 30 anos, assumiu o comando estadual do Partido Trabalhista Nacional (PTN), do qual seu pai era o presidente. Sua missão foi dar relevância política à legenda, que nas eleições de 2010 não havia conseguido eleger nenhum deputado federal. Sua primeira iniciativa foi contratar uma agência de marketing e abolir a vassoura da estratégia de comunicação do partido. Era uma referência antiquada ao jingle Varre, Varre, Vassourinha, usado na campanha de Jânio Quadros à Presidência, em 1960, pelo velho PTN (extinto pela ditadura em 1965).
Na campanha eleitoral de 2014, Renata Abreu e sua família distribuíram santinhos no CTN em dias de shows e durante os almoços regados a vatapá e sarapatel – e ela foi eleita com quase 87 mil votos, junto com outros três nomes do partido.
Ao chegar a Brasília, a recém-deputada teve a ideia de filmar o dia a dia de seu gabinete, transmitindo tudo pelo YouTube, como se fosse um reality show. Mas desistiu do projeto, ao se dar conta da trabalheira e dos custos que teria, e optou por algo mais certeiro: varrer a sigla PTN para longe e encontrar um nome que se destacasse na sopa de letrinhas dos partidos. E assim surgiu o Podemos, nome baseado no bordão Yes, we can, da campanha de Barack Obama. A mudança acabou inspirando outras legendas antes das eleições de 2018 – o PTdoB virou Avante, o PSDC se tornou Democracia Cristã e o PEN, Patriota.
“A Renata dorme e acorda pensando em aumentar a estrutura do Podemos. Ela marca almoço e café com deputados do Brasil inteiro, pedindo para pularem para dentro de seu barco”, diz um deputado paulista do Centrão que a chama de “João Doria de saia”. “Assim como o governador paulista, pelas costas ela busca políticos do nosso partido, prometendo mundos e fundos se pularem para o seu barco, mas pela frente estende a mão, se fazendo de aliada.” O Podemos não vê problema nenhum em juntar ideologias distintas no mesmo barco. Direita e esquerda não é uma distinção que Renata Abreu leva muito em conta – para ela, o mundo regido pela tecnologia precisa não de ideologias, mas de valores, transparência e gestão.
Em tese, o Podemos faz oposição ao governo Bolsonaro, e a orientação do partido foi que os deputados votassem contra a PEC dos Precatórios, que autoriza o Executivo a furar o teto de gastos da União. Mas 3 dos 11 deputados do partido votaram a favor. As divergências não param aí. “Foi um grande erro de Moro ter participado do ministério de Bolsonaro, que faz um governo da barbárie. A prova dessa barbárie foi justamente a forma como Moro saiu: sendo atacado e desmoralizado”, diz o deputado João Carlos Bacelar Batista, do Podemos da Bahia. Legalizar a maconha medicinal e liberar os cassinos são algumas de suas bandeiras. Já seu colega de partido José Medeiros, de Mato Grosso, gabarita todos os requisitos de um bolsonarista raiz: ataca a Rede Globo, acredita que Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB, seja um “preso político” e teme que o comunismo se espalhe pelo Brasil.
Renata Abreu recentemente adotou práticas de compliance dentro do partido, com regras fixas para a prestação de contas e a contratação de fornecedores, e pediu que Moro ajudasse a aprimorar esse programa. O ex-Lava Jato ficou de criar um filtro para possíveis candidatos do Podemos, que seriam submetidos a uma análise técnica – leia-se: saber se têm problemas com a Justiça –, antes de disputarem uma eleição. “Sabemos que o Moro será um grande puxador de votos, então o desafio da Renata será selecionar quem deve vir para o partido”, diz o senador Oriovisto Guimarães. “Há muitos oportunistas de olho no Podemos neste momento.”
Na Babel do Podemos, onde todo assunto é bem-vindo, Renata Abreu tem algumas causas próprias. Em 2017, ela foi relatora de um projeto de lei para isentar shoppings, academias, hotéis e rádios comunitárias de pagarem direitos autorais de músicas para o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).
O projeto não foi adiante, mas deixou a impressão de que haveria conflito de interesse. O pai dela e o tio, Paulo Masci de Abreu, são sócios das empresas Sistema Atual de Radiodifusão e Rádio Difusora Atual, que naquele ano deviam ao todo 24,2 milhões de reais ao Ecad (procurada pela piauí, a entidade não quis informar se as empresas quitaram seus débitos). A deputada negou ter atuado em causa própria, dizendo não ter participação nas rádios.
Ela também já se posicionou contra a regra eleitoral das cotas de gênero, que obriga os partidos a terem no mínimo 30% das candidaturas preenchidas por mulheres. E foi acusada de recorrer a candidatas laranjas nas eleições de 2018 para cumprir a cota. “Algumas mulheres que fizeram a queixa depois voltaram atrás, e o Tribunal de Justiça não acatou a denúncia. De todo modo, ser contra os 30% das candidaturas vai contra a luta por mais espaço das mulheres na política”, diz Vera Lúcia de Camargo Braga Taberti, promotora que cuidou do caso.
Desde 2010, Renata Abreu está casada com o advogado baiano Gabriel Marques de Oliveira Melo, de 32 anos. Os dois se conheceram no Carnaval de Salvador e nutrem um gosto comum: adoram axé music. Melo é quem zela pelos três filhos em São Paulo durante a semana, enquanto a mulher está em Brasília. Para unir família e trabalho, a presidente do Podemos, em 2019, deu o cargo de diretor municipal da legenda ao marido, a fim de que ele seja sua extensão na capital paulista.
Para comemorar a filiação de Moro, o casal saiu com um grupo de amigos para dançar. Circulou em grupos de WhatsApp dos mais chegados um vídeo de Melo dançando, com uma mensagem da sua mulher: “Depois me perguntam por que eu me casei com ele.”
Nos últimos anos, o pai de Renata Abreu enfrenta o agravamento do estado de Alzheimer. Por isso, há dois anos ela se mudou para a casa dele, junto com a família. José Masci de Abreu não sabe o que está se passando com a carreira política da filha neste momento. A quem toca no assunto, que a deputada trata com transparência, ela diz: “Ainda bem que ele acompanhou o início da minha trajetória.”
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