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    À esquerda, Lula cumprimenta Isaac Sidney, da Febraban, em jantar do grupo Esfera com empresários. À direita, André Esteves faz perguntas ao petista

tratativas & patativas

O dia em que Lula detalhou suas propostas econômicas

Bolsonaro também fez a mesma reunião com empresários, mas falou mais de ideologia do que de economia

Ana Clara Costa | 09 out 2022_19h53
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O apoio de Simone Tebet à candidatura de Lula, anunciado em 5 de outubro, três dias depois do primeiro turno, ensejou declarações de voto do meio empresarial ao ex-presidente, embora quase todos tenham feito a ressalva de que desconhecem seu plano de governo. A mesma cobrança não tem sido feita a Jair Bolsonaro. A ele, dá-se o benefício de que sua gestão é a proposta. A Lula, no entanto, sua antiga gestão não tem sido encarada com a mesma validade, seja porque já deixou o governo há doze anos, seja por antipatia ideológica contra o petista.

Lula tem evitado fazer promessas, tem anunciado publicamente apenas linhas gerais do que planeja para o Brasil e que quer “fazer melhor” do que fez entre 2003 e 2010, quando, ao concluir seu segundo mandato, deixou o governo com 85% de popularidade e a economia crescendo em ritmo acelerado. Tebet, ao anunciar o apoio, propôs a adoção de cinco pontos de seu próprio programa. Entre eles, estão educação, equidade de gênero, saúde e endividamento das famílias. Lula disse que tudo seria incorporado.

Ao todo, o PT tem cerca de 25 pessoas trabalhando no programa de governo sob a coordenação geral de Aloizio Mercadante. Quem coordena a área de infraestrutura é a ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que também comandou o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Em entrevista à Folha de S.Paulo, Belchior deu algumas pistas do que Lula pretende fazer, caso seja eleito: obras de infraestrutura voltarão a ter participação do setor público e programas habitacionais não se resumirão à construção de moradia, mas também ao reaproveitamento de imóveis ociosos em áreas centrais. Na área econômica, o coordenador é o economista Guilherme Mello, que já afirmou que o teto de gastos será revogado e que uma nova âncora fiscal será criada após discussão com o Congresso.

Quando Lula e sua equipe se encontraram com empresários membros do grupo Esfera, na terça-feira 27 de setembro, poucos dias antes do primeiro turno, deram um detalhamento maior do que pretendiam. Mas, como o encontro foi privado, sem a cobertura da imprensa, seu teor foi conhecido apenas por meio de algumas notas publicadas em colunas de jornais. Ouvindo empresários que estiveram no evento da Esfera, a piauí reconstituiu o encontro de Lula com mais de 140 convidados, reunidos num jantar na casa de João Carlos Camargo, fundador do grupo, um amplo tríplex no bairro do Morumbi, em São Paulo. A piauí também apurou o encontro dos membros da Esfera em almoço com Bolsonaro, ocorrido em agosto, também na casa de João Carlos Camargo. Foram apenas cerca de cinquenta empresários, a pedido do próprio Bolsonaro.

 

Lula iniciou a conversa pedindo auxílio dos setores produtivos para encontrar saídas. “Eu queria ouvir. Porque, quem sabe, a gente está falando coisas que vocês não querem ouvir, E, quem sabe, a gente tem que aprender um pouco também, sair daqui um pouco mais arejado”, disse o petista. Na sala de Camargo, onde reluziam dois quadros da série Borboletas, de Damien Hirst, um “cão-balão” de Jeff Koons, e um letreiro em neon de Tracey Emin, os móveis foram retirados para abrir espaço aos convidados – o maior contingente já recebido em jantares da Esfera. Aos presentes, pediu-se que colocassem seus celulares num envelope. Nem todos aceitaram a sugestão.

Lula chegou às 19h30, com 1h30 de atraso. Entrou pela garagem por razões de segurança e foi recebido numa antessala com cerca de trinta empresários, considerados os mais proeminentes da noite. Camargo havia pedido à equipe do petista um encontro reservado com os trinta. Neste grupo mais reduzido, estavam Abilio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar, Benjamin Steinbruch, da CSN, André Esteves, do BTG Pactual, e Michael Klein, da Casas Bahia.

Os empresários, segundo informou Camargo à campanha, queriam esse encontro na antessala para discutir apoios que poderiam dar à campanha de Lula. Quando o ex-presidente chegou, foi cumprimentado com entusiasmo e recebeu, de cara, meia dúzia de perguntas sobre a possibilidade de vitória no primeiro turno. O petista respondeu que estava preparado para os dois cenários (primeiro e segundo turnos), que nunca vencera em primeiro turno, e que tinha o necessário para ganhar votos: “Sola de sapato e saliva”. Ao final do bate-papo, que durou uns 10 minutos, o tesoureiro da campanha, o deputado Márcio Macêdo, passou os dados para o caso de algum membro do grupo querer fazer doação. (Até o fechamento desta reportagem, nenhum real do grupo havia chegado ao comitê de campanha de Lula.)

Quando passou para a sala maior com os 140 empresários, onde se deu o jantar, Lula disse não estar ali para pedir votos. “Eu nunca tive coragem de perguntar para o empresário, daqueles que eu considerava que eu tinha uma boa relação, em quem ele ia votar, porque eu tinha medo de que ele fosse votar no outro”, disse o petista.

Em seguida, Mercadante, que integrava a comitiva, lançou o que julgava serem os principais pontos de sua proposta de governo, que se assemelhavam aos planos de governos passados do PT. Falou em preservação de recursos naturais como forma de atrair capital estrangeiro, uso de bancos públicos – em especial, o BNDES – como indutor do crescimento do setor privado e investimento na indústria. Citou especificamente incentivos para a produção de carros elétricos como forma de reativar os parques automotivos do país. “Ninguém acha que o crescimento econômico se faz sem investimento privado. É ele que sustenta o crescimento, não o investimento público. Mas o investimento público tem um papel de alavancar o investimento privado”, disse o coordenador.

Mercadante também falou em responsabilidade fiscal, mas sem o teto de gastos, e reiterou que uma nova âncora fiscal seria debatida com o Congresso em caso de vitória. “A gente vai ter de encontrar uma nova modelagem, como a Europa está discutindo. A Europa acabou com o teto depois da pandemia e da guerra, e estão reconstruindo a União Europeia com outros mecanismos”, disse, reforçando que não haverá “populismo fiscal” porque eles sabem “onde isso pode dar”, mencionando o exemplo da hiperinflação.

A agenda social, contudo, é inegociável no plano de governo de Lula, segundo disse Mercadante. “Não dá para negociar com o nível de fome que a gente vê hoje”, disse, afirmando que, se Lula for eleito, o governo encontrará recursos para manter o Auxílio Brasil, embora esse gasto não tenha sido previsto no orçamento do ano que vem preparado pelo governo Bolsonaro. Mercadante terminou sua fala dizendo que nada poderá ser feito se não houver crescimento econômico e “se vocês, empresários, não acreditarem no governo”. Ele disse que o governo criará uma política “transparente, de credibilidade, e que retome o desejo de investir”. Nos minutos finais, falou sobre a criação de um fundo garantidor para ajudar na redução da inadimplência, ideia já proposta por Ciro Gomes em eleições passadas e incorporada pelo PT neste ano.

Abilio Diniz, a quem Lula se referiu naquela noite como “papa”, foi o primeiro empresário a falar, a convite de Camargo. “Ele já passou de bispo, é muito conhecido, muito importante”, disse Lula, sobre o empresário. “Quando eu era presidente, ele era minha fonte. Quando alguém dizia que a coisa estava ruim, ele dizia para eu não me incomodar porque o comércio tava vendendo muito.”

O empresário começou sua fala elogiando Lula e o discurso de Mercadante. “Já disse a você que eu estaria ao seu lado porque eu quero ajudar esse país”, afirmou, dirigindo-se ao ex-presidente. Ao explicar o que esperava de um governo do PT, Diniz disse querer que ele fosse “o Lula, o cara que esteve conosco durante oito anos” e fez mais elogios à fala de Mercadante, dizendo que ele falou “quase como um liberal”. Para finalizar, disse que esperava que Lula fizesse a reforma tributária, o que permitiria que ele tivesse mais condições de “olhar ainda mais para os vulneráveis”. E pediu ainda que ele governasse para “todos os brasileiros, ou seja, os vulneráveis e nós, empresários, e que faça esse país ser mais feliz”.

Em outro encontro da Esfera, desta vez com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em abril, Diniz fez uma avaliação diferente da que externou no encontro com Lula. Segundo a colunista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o empresário disse discordar da avaliação do PT sobre a realidade econômica. Segundo ele, a economia estaria “andando” e a inflação não teria subido por fatores internos, e sim no mundo todo, incluindo economias mais desenvolvidas.

Diniz não declara publicamente sua posição política. Costuma dizer que procura se aproximar de todos os presidentes e que tem boa relação com Lula e com Bolsonaro. Mas, num evento da Esfera em que a atração era Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, Diniz chegou a sugerir um plano para “ajudar o presidente a crescer”. “Que ele vá para a tevê aberta”, recomendou. “A Globo não deixa? Tem SBT, Record, Band. Eu falei isso pro Paulo Guedes”, completou.

O ex-dono do Pão de Açúcar também fez doações eleitorais em São Paulo para Tarcísio de Freitas, o candidato de Bolsonaro ao governo do estado, e Rodrigo Garcia, o tucano que perdeu a disputa. Nada foi doado para o petista Fernando Haddad.

Depois de Diniz, quem tomou a palavra foi o banqueiro André Esteves, que pediu que Lula trouxesse para o governo “sua leveza, sua alegria e sua paz, para todas as camadas da sociedade”. Entre suas propostas ao petista, Esteves pediu para ele “consertar o que não tá funcionando” ou pelo menos “dar passos”, para que haja “a percepção de que vamos andar”, e que preservasse “o que está funcionando”, que, muitas vezes, “não é uma conquista deste governo, e sim muito mais ampla, uma conquista que muitas vezes começou no seu governo”. Como exemplo do que “não está funcionamento”, Esteves mencionou as carências na educação, a questão do meio ambiente e a falta de inserção internacional do Brasil hoje.

O banqueiro falou que as políticas sociais “têm um enorme apoio da sociedade, em todos os grupos” e que de nada adianta um controle fiscal sem políticas de bem-estar social. Recorreu ao exemplo do Chile. “Eles não erraram na economia, mas erraram grosseiramente no social”, disse Esteves. “Por isso, no Chile, alguém de 85 anos não consegue andar no ônibus de graça, não tem uma assistência de saúde, não tem um mínimo apoio da sociedade para citar um pequeno exemplo”. Concluiu dizendo que o Brasil não pode ir nessa direção.

Fábio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, fez uma fala concisa dizendo que o “emprego de qualidade e a renda vêm, fundamentalmente, da indústria”. E completou afirmando que a solução “não vai ser exportando commodities, não vai ser só através da agricultura”. Luis Henrique Guimarães, do grupo Cosan, falou em nome de Rubens Ometto, que já havia deixado o local, e pediu “sustentabilidade regulatória, segurança jurídica e estabilidade das regras”. Eduardo Saggioro, da LTS Partners, gestora do patrimônio de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, pediu que o governo mude a imagem do Brasil no exterior. “Um país com tanta possibilidade de crescimento, gente com potencial criativo, e sermos vistos simplesmente como uma fazenda, ou um grande exportador de minério. A gente espera que isso mude”.

Depois das intervenções dos convidados, Lula discursou. Disse que deseja formar um grupo de empresários, universidades e sociedade civil para criar um plano para a indústria. Em resposta ao comentário de Abilio Diniz, relatou como foram as negociações quando, em seu governo, tentou viabilizar a reforma tributária, e se comprometeu a tentar novamente caso seja eleito no final do mês. “Em abril de 2007 eu fui ao Congresso levar uma proposta aprovada por 27 governadores, por todos os líderes dos partidos, pelas federações de empresários, pelo pessoal da agricultura, pelas centrais sindicais”, relembrou Lula. “Eu pensei que, quando chegasse ao Congresso, ela ia ser aprovada por unanimidade. Mas não foi nem colocada em discussão.”

Lula comentou que o então governador de São Paulo, José Serra, ao descobrir quem seria relator da proposta (o ex-deputado Sandro Mabel, dono de uma empresa de alimentos), passou a trabalhar contra a proposta – e teve êxito. “Uma política tributária, para obter sucesso, não pode ser prioritariamente de interesse de um setor. Se a gente fizer aqui um questionário sigiloso e pedir que vocês coloquem o que querem de política tributária, não teria unanimidade. Cada um quer uma coisa”.

Sobre a independência do Banco Central, Lula disse que Henrique Meirelles tinha a mesma autonomia que Roberto Campos Neto, atual presidente do BC. “A diferença é que o Meirelles participava de reuniões que discutiam os outros interesses.” E deu exemplo dos outros interesses: “Como é que a gente vai gerar emprego? Como é que a gente vai recuperar o poder de compra dos trabalhadores?” Segundo Lula, o compromisso da autoridade monetária precisa ser triplo: controle da inflação, emprego e crescimento econômico.

Sobre investimentos em educação, o petista disse que não se trata de gasto. E, por esta razão, não deve estar no teto de gastos. “Eu prefiro teto de responsabilidade. Eu fui presidente e o Brasil foi o único país do G20 que cumpriu todo o ano o superávit primário”, afirmou. A plateia aplaudiu. Neste ponto, Lula indicou ser a favor de maior endividamento público para custear investimentos (em educação, por exemplo). “Não é um problema o Estado fazer dívida para investir em um ativo novo, um ativo que possa dar rentabilidade para o país, dar facilidade de escoamento da produção. Qual é o problema de o Estado de fazer essa dívida? O que não pode é fazer dívida para custeio. O que não pode é fazer uma dívida e não parir nada”, afirmou o ex-presidente.

Ainda no tema educação, Lula sinalizou a retomada dos programas de financiamento estudantil, como o ProUni, que perdeu 60% de seu orçamento para 2023. E fez uma comparação entre esse tipo de crédito e o crédito dado a empresários. “Se eu posso emprestar para o Alckmin  investir na empresa dele e ele me pagar em 15 anos, com juros confortáveis, eu posso emprestar para o estudante estudar cinco anos e pagar depois de formado. Qual é o problema? Qual é o investimento mais importante desse país? Ou no século XXI a gente vai continuar como estava no século XIX, em que só estudava filho de rico?”

Lula rebateu as críticas que representantes do agronegócio costumam fazer contra as demarcações de terras indígenas e o assentamento de famílias sem-terra em seu governo. Disse que as terras indígenas são da União e que “eles estão lá porque é um direito deles”. Em outro exemplo de reparação histórica, afirmou que cerca de metade de todos os assentamentos feitos nos 500 anos de história do Brasil foram nos governos petistas.

O ex-presidente disse ainda aos empresários que é “obrigação” de todos elevar o padrão de vida dos mais pobres para um padrão de “cidadania elementar”, que significa fazer as três refeições, ter educação e um teto para morar. “Esse é o mínimo”, disse. “Poder comprar o material escolar, uma roupinha bonita, um sapato novo para o filho ir para a escola, e ter uma casinha para morar. É tudo que o povo quer. Ô, Trabuco, ninguém quer mais do que isso”, disse, dirigindo-se ao presidente do conselho do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.

O petista falou em crédito para o microempresário, que o governo terá de funcionar como uma espécie de “fundo garantidor” para que o pequeno empreendedor possa abrir seu negócio, e disse que repetirá políticas de estímulo ao setor da construção, como quando a Caixa passou a financiar a taxas de juro baixas pequenas reformas residenciais. “A Votorantim me procurou para fazer dez novas fábricas de cimento”, disse Lula, atribuindo a expansão da empresa à política setorial.

No setor de energia, Lula criticou a venda de ativos de distribuição e refino da Petrobras. No setor de tecnologia, falou sobre a necessidade de ampliar o investimento em economia digital. Na política externa, disse que, se eleito, colocará o Brasil outra vez nas discussões internacionais e visitará o quanto antes Joe Biden, nos Estados Unidos, e Xi Jiping, na China. “Nós vamos fazer uma revolução nesse país sem dar um tiro”, disse. Outra vez, a plateia aplaudiu. “Sem tentar prejudicar ninguém”, concluiu, ouvindo mais palmas. Ao longo da noite, foi aplaudido nove vezes.

Empresários, entre eles Roberto Justus, aplaudem discurso de Lula durante o evento

 

Quando compareceu a um almoço da Esfera em 23 de agosto passado, Bolsonaro pediu que a plateia não excedesse 50 pessoas. O evento ocorreu justamente no dia em que a Polícia Federal fez uma operação de busca e apreensão na casa de empresários que participavam de um grupo de WhatsApp em que defendiam um golpe de estado, caso Bolsonaro perdesse as eleições. As mensagens foram reveladas pelo portal Metrópoles.

Ao longo do almoço, Bolsonaro não apresentou propostas, e quase ninguém o cobrou para fazê-lo. Começou falando que entendia que sua vida havia sido “salva por Deus” e que sua entrada na Presidência da República foi uma “missão de Deus”. “Imagina o Haddad naquela cadeira presidencial, como ia ser tratada a pandemia!” Depois, listou feitos de seu governo, como fazer “estatais darem lucro”. Criticou a política do PT de usar o BNDES para estimular o setor privado, falando que “querem que o BNDES continue emprestando para ditaduras que não pagar nada de volta”. Exemplificou: “Em Minas não tem metrô, em Caracas, tem. Parabéns, a Dilma é mineira!”

Em linhas gerais, disse que, se reeleito, seu governo se manterá como está, com incentivos à agricultura e à pecuária para que o Brasil continue provendo “segurança alimentar” a outros países, em especial o continente europeu, onde as pessoas “vão passar fome” após a guerra da Ucrânia. “O Brasil está dando certo. Se não estivesse dando certo, vocês não estariam aqui”, afirmou. Foi uma das três vezes em que foi aplaudido durante o evento.

Bolsonaro também fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao ministro Alexandre de Moraes, que autorizara a operação contra os empresários. Criticou os governos de esquerda da América Latina e disse que, caso Lula vença, o Brasil caminhará para a mesma direção da Argentina. Segundo Bolsonaro, é possível que seu governo faça até uma “operação acolhida” no Rio Grande do Sul para receber argentinos em situação de miséria. Bolsonaro também citou o Chile e a Colômbia, que elegeram apenas recentemente governos de esquerda, como exemplo de fracasso, reclamando que o presidente colombiano, Gustavo Petro, “trocou a cúpula das Forças Armadas por violação de direitos humanos”, insinuando que a troca teria como real motivo beneficiar as Farc, o grupo guerrilheiro. “Olha o sofrimento da classe empresarial na Colômbia, na Argentina e no Chile.”

Bolsonaro voltou a recorrer a termos religiosos, relembrando uma frase da ex-presidente Dilma Rousseff, dita em 2018, sobre “fazer aliança até com o diabo” para derrotá-lo. “São pessoas que não têm compromisso nenhum com o seu país, não respeitam a religião”.

Em nenhum momento, Bolsonaro foi questionado sobre suas declarações contra as instituições democráticas, mas ele mesmo tratou de trazer o tema à baila. “Quem é que quer dar golpe? Eu quero dar golpe? Eu vou é cuidar da minha vida. Se já é complicada a minha vida assim, imagine pela força!”

Ao final de sua fala, Bolsonaro apelou para a “consciência” dos convidados, dizendo que todos iriam morrer um dia e “feder”. “A urubuzada vai comer se não enterrar, todos, sem exceção, e nós vamos ser julgados pelas nossas ações”, afirmou. Depois, pediu que os empresários conversassem com seus funcionários sobre a eleição e partissem para o “convencimento”. “E dá para convencer, porque, afinal, a gente passou por uma lavagem cerebral de décadas”.

O ex-ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que participava da comitiva presidencial, disse que “o PT não gosta de empreendedor, odeia empresário, e Bolsonaro é apoiador do empresário”. Ele também alertou que a direita elegeria a maior bancada no Congresso e que haveria “base política”. “Nossa base vai sair muito mais forte, vamos eleger mais de 350 deputados. Levamos dois anos para construir essa base e ela virá muito mais consolidada para fazermos as reformas”. (Apurados os votos da eleição, os partidos de apoio à candidatura de Bolsonaro, PP, PL e Republicanos, além dos que embarcaram depois o primeiro turno, PSC e PTB, somaram 194 deputados.)

Quando alguns presentes foram convidados a se manifestar, o único a perguntar a Bolsonaro sobre propostas foi Fábio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. Moraes quis saber sobre “metas para o segundo mandato, prioridades e alavancas”. Quem respondeu foi Paulo Guedes, ministro da Economia, que começou criticando os encargos trabalhistas e lançando a proposta do “regime verde e amarelo”, que seria uma modalidade de contratação sem nenhum encargo para o empresário, em que o trabalhador ganharia por hora, sem vínculo formal. “Nós temos que libertar o jovem dessa legislação trabalhista. Quem quiser, fica lá, mas deixa o jovem escolher algo melhor, com mobilidade. Se você quiser, trabalha sábado, domingo. Quem quiser entrar no avião que vai cair, entra. Mas o jovem pode escolher.”, disse Guedes. Bolsonaro interrompeu a fala de Guedes para fazer um esclarecimento: “Ninguém tá falando em tirar direito trabalhista. É uma exceção pro jovem de até 29 anos”.

O ministro também falou sobre reforma tributária, que planeja “zerar o IPI”,  “tirar impostos”, instituir o “imposto de renda negativo” e “reindustrializar o, Brasil”. “Falam que o presidente é populista. Ele não é. É popular. Se fosse populista tinha dado reajuste de salário este ano”, disse Guedes, sem mencionar o aumento às carreiras aplicado ao Auxílio Brasil, depois de uma modificação da legislação. Ao concluir sua fala, Guedes lançou: “Todo mundo conhece o nosso plano. Agora a gente quer saber qual é o do outro. Eu acho também que a gente já sabe, a gente já viu, a gente já experimentou. Aliás, nós chegamos para colher os cacos”.

O empresário bolsonarista José Eduardo Matarazzo Kalil, que se autointitula “conde”, tomou a palavra para fazer uma pergunta a Bolsonaro. Mas não era sobre o seu programa de governo, e sim sobre as supostas “vulnerabilidades” das urnas eletrônicas. Kalil disse saber que não há sistema “super seguro” e questionou se a “participação do Exército” no processo tranquilizava Bolsonaro. O presidente não respondeu. Apenas reproduziu o que tem dito ao longo dos últimos anos para descredibilizar as urnas: que houve uma investigação sobre mais de “seiscentas vulnerabilidades que nós levantamos” e a imprensa “não se interessa” pelo assunto.

Kalil também foi ao jantar de Lula, mas não mencionou nada sobre urnas eletrônicas. Ele cumprimentou o ex-presidente, ao lado de Henrique Viana e Lucas Ferrugem, sócios da produtora Brasil Paralelo, que produz vídeos de viés conspiratório sobre temas caros à extrema-direita, como o Cortina de Fumaça, segundo o qual a defesa do meio ambiente é uma conspiração global para prejudicar as exportações de commodities brasileiras.

Lula cumprimenta os sócios da produtora ultraconservadora Brasil Paralelo, Lucas Ferrugem e Henrique Viana

 

Os eventos da Esfera são fechados para a imprensa, para preservar a privacidade dos convidados. Mas Viana e Ferrugem, que são sócios da Esfera e haviam pedido à organização para participar do jantar com Lula, saíram de lá e romperam o silêncio. Fizeram uma live contando sobre o encontro. Disseram que foram ao jantar, mas que isso não indicava apoio a Lula, a quem se referiram como “ladrão”, “ex-presidiário”, “corrupto” e “condenado”. Queriam se certificar sobre as promessas de Lula porque consideram que a cobertura da imprensa lhe é favorável e queriam, também, se sentir parte do grupo.

A Brasil Paralelo tem entre seus apoiadores o empresário Jorge Gerdau, mas seus sócios foram convidados a integrar a Esfera por meio do empresário Flávio Rocha, acionista da Riachuelo e apoiador de Jair Bolsonaro.

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