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    Vertente mais eletrônica do forró tradicional, o piseiro explodiu nas rádios do Brasil em 2019 e virou requisito para um jingle viral nas eleições de 2022 Ilustração: Carvall

questões musicais

Caça ao voto em ritmo de piseiro

Cidade baiana virou o centro criativo do ritmo novo que embala as campanhas de Lula e Bolsonaro

Maria Júlia Vieira | 20 out 2022_09h00
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Na tarde de 8 de março de 2021, quando os telejornais anunciaram que o Supremo Tribunal Federal havia anulado todas as condenações do ex-presidente Lula (PT) na Lava Jato, um homem pulou do sofá de sua casa na cidade de Iguaí, Bahia. O músico Júlio Hermínio Luz, de 48 anos, ficou radiante ao saber que a partir daquele momento o petista poderia concorrer à Presidência nas eleições de 2022. Para comemorar, ele pegou um papel e compôs uma canção pedindo a volta de Lula ao Planalto. Depois, se fechou num quarto silencioso, ligou o microfone do celular e gravou a composição. Com um programa amador de produção musical, juntou os vocais a um instrumental de forró eletrônico e postou a música no YouTube com o título MÚSICA DE LULA – JINGLE OFICIAL VOLTA MEU GUERREIRO – – LULA PRESIDENTE 2022 – JINGLE LULA ELEGÍVEL.

A gravação do músico baiano, que é conhecido pela alcunha de Juliano Maderada, se popularizou rapidamente na internet. Na sequência, ele publicou dezenas de outras canções — umas reverenciando o petista, outras zombando do presidente Jair Bolsonaro (PL). Algumas faixas acumulam hoje mais de 1 milhão de reproduções, só no YouTube. A repercussão obrigou a diretoria do Partido dos Trabalhadores a prestar atenção no trabalho do baiano. Maderada conta que, numa tarde de junho passado, conversava por videochamada com Ricardo Stuckert, o onipresente fotógrafo de Lula, e foi surpreendido com a aparição do ex-presidente na ligação.

“Oh, Juliano, eu escuto as tuas músicas e fico pensando que não mereço tanto carinho”, o músico lembra de ter escutado do ex-presidente. “Mas saiba que eu gosto, e muito. Janja é fã das mais agitadas, eu prefiro as emocionantes. A gente sempre escuta no rádio do carro.”

As produções de maior sucesso do baiano são os piseiros, o ritmo-novidade na disputa eleitoral de 2022. Vertente mais eletrônica do forró tradicional, o piseiro explodiu nas rádios do Brasil em 2019, graças a sucessos da banda Barões da Pisadinha e dos artistas Vitor Fernandes e Xand Avião. Na pandemia, ganhou o reforço dos cantores Tarcísio do Acordeon, Zé Vaqueiro e João Gomes, que teve o disco mais tocado no Spotify no Brasil em 2021. 

Enquanto se aproxima do pop, com o uso descomedido de teclados e sintetizadores eletrônicos, o piseiro se afasta do saudosismo e do vaivém da sanfona do forró tradicional. Graças à criatividade dos jovens cantores (Zé Vaqueiro tem 23 anos, e João Gomes, 20), as canções usam uma linguagem urbana que reflete o Nordeste contemporâneo. E as redes sociais, com destaque ao TikTok, foram essenciais para tornar um ritmo regional em um sucesso nos palcos do país inteiro. 

Na tradição nordestina, o termo piseiro costumava nomear eventos onde as pessoas dançam a pisadinha, coreografia típica do forró eletrônico, cujos passos arrastados levantam a poeira dos chãos de terra batida. Depois do sucesso explosivo de 2019, a palavra passou a apelidar também o ritmo musical. A essa altura, é provável que o significado original da palavra não seja recuperado, mas, em alguns estados do Nordeste, “piseiro” continua sendo sinônimo de festa. 

Nas semanas que antecederam o primeiro turno, eleitores de Lula organizaram uma série de eventos em cidades do interior para dar força à campanha do petista. As festas ganharam o nome de “piseiro 13”. Vestidos de vermelho, eles lotaram as ruas com as músicas de Juliano Maderada ecoando no paredão de som.

Até 2020, o baiano ganhava a vida como produtor e compositor de uma banda do gênero musical arrocha, mas o fechamento forçado das casas de shows durante a epidemia o deixou sem fontes de renda. A repercussão das músicas de Lula fez Maderada considerar entrar para o ramo de jingles e, ainda em 2021, ele decidiu monetizar os vídeos no YouTube. A princípio, o negócio rendeu pouco mais de 2 mil reais por mês. No fim de setembro, com a proximidade do primeiro domingo de votação, as reproduções dos piseiros dispararam, e Maderada chegou a faturar 6 mil reais em um dia.

 

Iguaí, a cidade do sudoeste baiano onde vive o músico dos piseiros de Lula, tem pouco mais de 27 mil habitantes. Em tupi-guarani, o nome da cidade significa “fonte de beber água”. Situada a 516 km de Salvador, é uma espécie de paraíso natural que conta com quase 2 mil nascentes e 180 cachoeiras. Vive de turismo ecológico, agricultura e música. E não só para a campanha de Lula.

O atendente de farmácia Saulo Santos, de 39 anos, é conhecido no município pelo apelido artístico Saulo Balada. Há pelo menos 20 anos, ele trabalha escrevendo jingles políticos para prefeitos e vereadores da região. Em 2022, seu canal no YouTube chegou a mais de 2 milhões de visualizações, graças a uma coletânea de piseiros que compôs para Jair Bolsonaro. É ele o responsável pelo jingle BOLSONARO É O MELHOR – BOLSONARO 2022, que costuma tocar nas motociatas do candidato à reeleição. Com a viralização da música na internet, Santos diz ter recebido uma enxurrada de encomendas de jingles. “De dez pedidos, sete ou oito exigiam piseiro”, calcula o músico. 

Além do forró eletrônico, o axé, o brega funk, o sertanejo e o pagode também embalam a eleição deste ano. Durante a pré-campanha, Bolsonaro lançou o jingle Capitão do Povo, que tem ares de louvor gospel. Cantado pela dupla sertaneja Mateus e Cristiano, o som exalta a religiosidade do postulante e foi repetidamente tocado na visita de Bolsonaro à Marcha para Jesus, em Garanhuns, cidade pernambucana conhecida como a “Terra de Lula”.

Seja qual for o gênero musical, o importante é se manter fiel à receita dos bons jingles: ser atual e falar de política de modo acessível, segundo Saulo Balada. O músico se dedica a estudar o que “hita” nas redes sociais para garantir o sucesso dos jingles de Bolsonaro. “Para fazer um hit que pegue no povo, eu presto atenção no que as pessoas estão postando, no que estão curtindo. As minhas ideias vêm daí”, ele explica. Apesar dos carros de som e dos paredões serem fundamentais para divulgar as músicas nos municípios do interior, o TikTok e o YouTube são as plataformas mais utilizadas para popularizar as músicas de campanha.

O piseiro virou também uma estratégia da campanha de Bolsonaro para arrematar votos no Nordeste, o segundo maior colégio eleitoral do país. No primeiro turno, Lula ganhou em todos os estados da região, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Contudo, nem a popularidade do som do forró eletrônico foi suficiente para evitar que a xenofobia, antiga conhecida dos moradores da região, voltasse a aparecer no pleito. Em fevereiro, Bolsonaro foi denunciado ao STF por chamar, preconceituosamente, os nordestinos de pau-de-arara.

Percentualmente, os votos da região deram 10,96 pontos de vantagem ao ex-presidente Lula, quase o dobro da diferença final entre os candidatos (5,19 pontos). Depois do resultado das urnas no primeiro turno, os nordestinos foram alvo de ataques massivos nas redes sociais, proferidos inclusive por Jair Bolsonaro. Em uma de suas lives semanais, o candidato associou os quase 13 milhões de votos em Lula na região ao analfabetismo. Apesar dos ataques, o candidato tem moldado sua campanha no intuito de melhorar o desempenho na região para conquistar eleitores indecisos e diminuir a vantagem obtida pelo petista.

Quer os candidatos apostem na pisada da bota, na malemolência do brega funk ou no embalo do axé, uma coisa é certa: o Nordeste é decisivo nas eleições nacionais. E é isso que faz, a cada quatro anos, os presidenciáveis usarem chapéu de couro e saudarem os nordestinos em busca de votos.