CRÉDITOS: ANDRÉS SANDOVAL_2024
O banco que virou hotel
Um imóvel de Silvio Santos encontra nova função
João Batista Jr. | Edição 215, Agosto 2024
Nos últimos anos, quem passava pela esquina da Avenida Paulista com a Rua Haddock Lobo, em São Paulo, via afixada em um prédio uma enorme placa de “aluga-se” com a foto da loiríssima Valentina Caran, dona de uma poderosa e antiga corretora de imóveis da capital. O prédio, com dezenove pavimentos e heliponto, estava disponível para locação desde 2013. Um hospital e uma faculdade chegaram a se interessar pelo imóvel, mas as negociações não avançaram.
Desde o mês passado, o lugar está mudado. O prédio foi alugado por vinte anos para a Apê Smart Studios, uma rede brasileira de hotelaria e aluguel de estúdios com preços acessíveis fundada em 2022. Agora, o local tem um restaurante no térreo e vê-se com frequência no lobby uma fila de pessoas esperando para fazer check-in.
Deve ter sido um alívio para o proprietário ter conseguido, finalmente, alugar o prédio, ocioso havia quase doze anos. Entre IPTU e despesas com segurança e manutenção, o dono precisava desembolsar cerca de 90 mil reais por mês. O valor é alto, ainda que não pareça tão elevado para Silvio Santos.
O edifício na Paulista é parte do império empresarial construído pelo decano dos programas de auditório no Brasil. O dono do SBT tem noventa imóveis espalhados pelo país, em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Brasília e Belém. “O prédio ficou fechado por muitos anos, mas não foi por falta de oportunidade”, diz Marco Garcia, presidente da Sisan, braço responsável pelo ramo patrimonial do Grupo Silvio Santos. “Decidimos fazer negócio porque pensamos em locar para quem faz a diferença na cidade e pode trazer um benefício cultural.”
O histórico do Grupo Silvio Santos na gestão de seus imóveis até agora não confirma seu interesse em trazer “benefícios culturais” à cidade. Entre suas propriedades paulistas, está um terreno de 11 mil m2 – área aproximada de um campo de futebol – que é vizinho do Teatro Oficina, no Bixiga, bairro da região central. Silvio Santos travou uma rumorosa batalha com o diretor José Celso Martinez Corrêa, criador do teatro. Primeiro, pensou em construir um shopping naquele terreno. Depois, três torres residenciais.
Zé Celso opunha-se radicalmente a essas ideias, pois elas comprometeriam o projeto original do Oficina, concebido pelos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, barrando a vista da grande parede de vidro do teatro, voltada para o bairro. O diretor lutou para que o terreno fosse transformado em parque, com um teatro de arena para atividades gratuitas. Morreu em 2023, vítima de um incêndio em seu apartamento, sem ver o desfecho do caso.
Em maio deste ano, o primeiro passo foi dado para realizar o sonho de Zé Celso. A prefeitura assinou um contrato de compra do terreno por quase 65 milhões de reais. Silvio Santos pedia 80 milhões de reais, mas acabou aceitando o valor menor. “O Grupo Silvio Santos e seus acionistas, ainda que não tenham alcançado o valor inicialmente pretendido devido aos critérios técnicos que precisaram ser observados, acreditam ser a decisão correta, pois permitirá à população que nele reside ter mais uma opção de lazer”, diz um comunicado da empresa, assinado por seu presidente, José Roberto Maciel.
Silvio Santos não apresenta mais sua popular atração dominical no SBT, que agora é comandada por sua filha Patrícia Abravanel. No dia 16 de julho, o apresentador de 93 anos deu entrada no Hospital Albert Einstein para se tratar da gripe H1N1 – recebeu alta quatro dias depois, mas voltou a ser internado no início de agosto.
Projetado em 1968 pelo prestigiado arquiteto Sidonio Porto, o prédio de estilo brutalista na Avenida Paulista, nº 2240, tem 6,8 mil m² de área útil e funcionou como sede do Banco PanAmericano, também pertencente a Silvio Santos. Em 2010, uma investigação descobriu que a cúpula do banco provocara um rombo de 4,3 bilhões de reais com a prática de fraude fiscal: vendia créditos para outras instituições financeiras sem dar a baixa em seu balanço, para maquiar os resultados. O Ministério Público Federal identificou mais de 16 milhões de reais sacados em espécie para beneficiar os fraudadores.
Silvio Santos assumiu a responsabilidade e ofereceu seus bens para conseguir um empréstimo junto ao Fundo Garantidor de Créditos. Em 2011, ele vendeu o banco por 450 milhões de reais para André Esteves, dono do BTG Pactual. O novo proprietário mudou o nome da instituição – de PanAmericano para Pan – e, não tendo adquirido o prédio na transação, o devolveu ao Grupo Silvio Santos.
A Apê Smart Studios tentou, a princípio, comprar o imóvel da Avenida Paulista. “O nosso negócio tem como modelo comprar ou construir prédios, fazendo a gestão da hotelaria”, explica Ivete Gama, sócia da empresa. Como o grupo não quis vender, os sócios da Apê acabaram por aceitar o aluguel, confiando no retorno financeiro de um hotel com “localização estratégica”.
No jargão da arquitetura e do mercado imobiliário, o prédio passou por um retrofit. Para convertê-lo em hotel, foram dez meses de obras. O valor investido chegou a 38 milhões de reais. “As adaptações de prédios antigos, com iluminação, instalação elétrica e ar-condicionado, são mais onerosas”, explica Fernando Nero, sócio da empresa de hotelaria.
O hotel tem 255 quartos, todos com banheiro e cozinha, e funciona no regime de autoatendimento, sem serviço de camareira. O hóspede que desejar faxina ou roupa de cama e banho paga um extra que vai de 50 reais a 80 reais. Mas a diária é um tanto mais acessível que a de outros hotéis dessa área valorizada da cidade: custa de 167,40 reais a 216 reais (são preços promocionais, de inauguração, que devem subir nos próximos meses). Também há um plano de aluguel mensal, de 6 mil reais. Para efeito de comparação, a diária no Ibis Budget, a cerca de 500 metros de distância, fica em torno de 260 reais.
O restaurante do térreo permanece aberto 24 horas e das mesas é possível assistir com relativo conforto ao incessante e variado desfile da fauna humana na Avenida Paulista: do trabalhador apressado ao cover do Elvis Presley, dos executivos emplumados aos dançarinos de break dance.