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    Soninha: “Ninguém, por quarenta anos, estranhou uma mulher preta, com dentes faltando, comunicando-se por gemidos e indocumentada, numa família abastada”, diz a advogada Juliana Stamm CRÉDITO: VITO QUINTANS_2024

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A história muito brasileira de Soninha

Ela foi resgatada por uma equipe de combate ao trabalho escravo depois de duas décadas morando com a mesma família

Angélica Santa Cruz | 14 ago 2024_08h58
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Em junho de 2023, Sônia Maria de Jesus, a Soninha, virou personagem do mais estrepitoso caso de trabalho doméstico análogo à escravidão no Brasil. Nas últimas semanas, uma fotografia em que ela aparece tem circulado pelas redes sociais na campanha chamada “Sônia Livre”. Irmãos biológicos, ativistas e artistas pedem que ela saia da casa de Ana Cristina Gayotto de Borba e do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis. Soninha retornou para lá três meses depois de ter sido resgatada por uma equipe de combate ao trabalho escravo, formada por auditores fiscais, promotores, defensores públicos e policiais federais.

Soninha é negra, tem 50 anos, 1,53 metro de altura e cerca de 90 kg. Surda desde criança, ela não foi alfabetizada e só começou a ter aulas de Libras há um ano. Por isso, se comunicava apenas por meio de grunhidos ou de gestos primários, conta Angélica Santa Cruz, na edição deste mês da piauí. Nas línguas orais, as pessoas recebem nomes – que são palavras feitas de fonemas e letras. Em Libras, recebem um sinal próprio, inspirado em alguma característica de sua personalidade ou de sua aparência. Soninha ganhou de seus professores e novos amigos, surdos, o mesmo sinal usado para o sorriso. Na prática, é a primeira vez que entende o próprio nome.

Foi a própria mãe de Soninha que, em 1982, pediu à psicóloga Maria Leonor Gayotto que passasse a cuidar da menina de 11 anos, a fim de livrá-la da miséria e das investidas do pai. Ana Cristina é a filha mais velha de Maria Leonor com quem Soninha passou a viver aos 18 anos.

Em setembro de 2022, uma denúncia anônima chegou ao Ministério Público do Trabalho de Florianópolis, dizendo que o casal Ana Cristina e Jorge Luiz de Borba mantinha Soninha há mais de vinte anos como empregada sem salário e sem registro. Agora, uma ação civil pública na Justiça do Trabalho pede indenização de 4,9 milhões de reais para ela, além de pagamento de pensão alimentícia de três salários mínimos por mês.

No dia 21 de junho de 2023, depois do resgate de Soninha e diante da possibilidade de ver seu nome na lista suja do trabalho escravo, Ana Cristina e Jorge Luiz de Borba entraram com pedido de reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva de Soninha. O processo corre em segredo de Justiça. Com anuência dos quatro filhos, o casal alega que recebeu Soninha com a mesma dedicação que uma pessoa da família teria.

Quando o caso de Soninha veio à tona, o presidente do Tribunal de Justiça, João Henrique Blasi, disse que Soninha é uma “moça acolhida desde os 11 anos, convivendo familiarmente, como mais um filho da família”. Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, quatro deputados estaduais – dois do PL, um do PT e outro do MDB – se solidarizaram com o desembargador Jorge Luiz de Borba. Colegas dele colocaram em grupos de WhatsApp um vídeo com cenas de Soninha andando na praia, boiando na piscina, comendo sushi e correndo para abraçar crianças e adolescentes da família. A legenda: “Momentos de um trabalho análogo à escravidão.”

A advogada Juliana Costa Hashimoto Bertin Stamm, que integra a equipe do Departamento Jurídico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, que presta auxílio voluntário aos irmãos Jesus, disse sobre essas manifestações em defesa da família Gayotto de Borba: “Ninguém, durante quarenta anos, estranhou uma mulher preta, com dentes faltando, comunicando-se por gemidos e indocumentada, circulando em meio a uma família abastada, com filhos com ensino superior e saúde plena garantida.”

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.

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