Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido: na solidão da viuvez, o crítico vislumbra as poltronas onde os dois conversavam ou dividiam o silêncio CRÉDITO: BOB WOLFENSON_2006
Filmes fazem retrato contrastante de Antonio Candido
Crítico é tema de longa de Eduardo Escorel e de média-metragem conduzido por sua neta
O crítico literário Antonio Candido (1918-2017) , autor do clássico Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, é tema de dois filmes recentes. O média-metragem O avô na sala de estar, a prosa leve de Antonio Candido, dirigido por Marcelo Machado e Fabiana Werneck, foi concebido a partir de entrevistas realizadas com o crítico por sua neta, Maria Clara Vergueiro. O longa-metragem Antonio Candido – Anotações finais 2015-2017, do diretor e montador Eduardo Escorel, se baseia nos diários que o crítico redigiu desde os 15 anos de idade.
Os filmes são contrastantes e, de certa forma, complementares, escreve Carlos Augusto Calil na edição deste mês da piauí. No primeiro, Candido está vivo, no segundo, morto. Nos depoimentos colhidos por O avô na sala de estar, predomina a linguagem espontânea da fala; na escrita exposta no documentário de Escorel, a linguagem formal é vazada nos diários numa letra que começa a dar sinais de instabilidade.
O surgimento simultâneo dos dois filmes não foi planejado, mas é uma coincidência feliz: o retrato que daí decorre é mais completo. Não houvesse a fala, o espectador não saberia que Antonio Candido, nascido no Rio de Janeiro no ano da gripe espanhola, criado em Poços de Caldas, com passagem por Paris, se exprimia com o “erre retroflexo”, marca do caipira que ele estudou em Os parceiros do Rio Bonito (1964).
Candido era conhecido como grande conversador. Dominava uma reunião social sem esforço. Dotado de um repertório impressionante de histórias e recordações, favorecido por uma memória espantosa, ele cantava, assobiava e imitava com graça, apesar da voz velada e pequena. Era a garantia do sucesso de um encontro. Os amigos que frequentavam sua casa tiveram acesso ocasional a essas performances, mas a família convivia regularmente com elas. Foi certamente essa atmosfera que Maria Clara Vergueiro tentou preservar em gravações amadoras realizadas em 2005, em encontros exclusivos com o avô excepcional.
Escorel, por sua vez, ao preparar o roteiro de Anotações finais, editou o texto dos cadernos de Candido no sentido de selecionar aqueles que melhor conduzissem a jornada ao fim de um tempo. Cadernos que são uma espécie de diário, com entradas evocadas ora pela data, ora pelo assunto ou inspiração. A primeira situa o autor de 96 anos: “Na minha extrema velhice […] – mas as pernas… ‘lentamente, mas sempre’, elas vão pifando de maneira que não saio mais sem a bengala.” Candido reduz o percurso diário percorrido de 15 para 6 quadras. Ele também se aflige com “o momento histórico, brasileiro e estrangeiro, bem como a atrofia das esperanças sociais” e como a questão do negro no Brasil segue irresolvida.
Em Anotações finais, a protagonista é igualmente a ensaísta Gilda de Mello e Souza, mulher do crítico, que morreu em 2005. Na solidão da viuvez, Candido vislumbra as duas poltronas Bergères da sala de seu apartamento, onde se sentava ao lado de Gilda, para conversar ou apenas dividir o silêncio, “silêncios muito ricos porque eram fonte de um bem-estar profundo”, ele diz. “Do ponto de vista tanto afetivo quanto social, digamos, para mim a nossa vida em comum, com seus altos e baixos, foi o que considero a minha maior realização.”
Um dos maiores acertos do filme rigoroso de Escorel é a escolha de Matheus Nachtergaele para ler as anotações de Antonio Candido. Grande ator, ele compreendeu perfeitamente o personagem que interpreta, conferiu-lhe um timbre adequado e caloroso, que imediatamente estabelece empatia com o espectador.
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