A fatia fina que nos cabe – o mercado cinematográfico brasileiro (II)
O fato é que os grandes grupos exibidores, que no caso paulistano, não só dominam 80% do circuito mas também têm programação altamente concentrada, na prática bloqueiam tanto o aumento de participação no mercado dos filmes brasileiros, quanto a diversidade da programação. Porém, parecem atuar em perfeita sintonia com as grandes distribuidoras norte-americanas, as majors, agrupadas na MPAA, Motion Pictures Association of America.
Com a ressalva de que ainda não entraram em cartaz os blockbusters de Natal, que devem agravar ainda mais esse quadro, salta aos olhos a diferença de patamar entre as dez maiores estreias hollywoodianas, ocupando, nos respectivos lançamentos, faixa de 19% a 46% de todo o parque exibidor, e as dez maiores estreias brasileiras, que ocuparam de 12% a 20%.
Convocada inicialmente para sexta-feira passada (6/12/2013), acabou sendo adiada para hoje (9/12/2013), às 15 horas, a reunião sobre a chamada cota de tela. Ícaro C. Martins volta a comentar a seguir o nó do problema – a reduzida participação do filme brasileiro no mercado e a alta concentração existente nesse mercado. (EE)
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, de Luiz Carlos Merten, publicado no Caderno 2 do Estadão (04/12/2013) faz referências a meu texto A fatia fina que nos cabe, sem mencionar o principal. Nossa modesta participação no mercado cinematográfico brasileiro e sua alta concentração, que se reforçam mutuamente graças à ausência de regulação que caberia à ANCINE implementar.
Além das graves consequências econômicas e culturais, a concentração interfere diretamente na vida dos espectadores.
Digamos que um hipotético casal paulistano tenha ido ao cinema Santana Parque Shopping – UCI entre 15 e 21 de novembro. Nesse multiplex, eles se depararam com cinco das oito salas exibindo o lançamento da semana anterior – da franquia Jogos Vorazes –, duas projetando Thor: O Mundo Sombrio, já em cartaz há quatro semanas, e uma Meu Passado me Condena, sucesso nacional lançado cinco semanas antes. A programação era praticamente a mesma no Mais Shopping Largo 13 – Cinépolis ou no Metrô Tatuapé-Cinemark.
Dependendo do horário, poderia haver pequenas diferenças e uma das salas estaria exibindo a animação infantil Bons de Bico ou Capitão Phillips. E se fossem ao Interlagos – Cinemark, com dez salas, a única mudança seria que Meu Passado me Condena estaria passando em duas delas e Bons de Bico, apesar de infantil, estaria também no horário noturno.
De qualquer forma, com algumas variações, tornou-se comum, nos multiplex dos grandes grupos exibidores que dominam o mercado, serem exibidos poucos filmes, com um deles ocupando 62,5% das telas, outro 25% e um terceiro 12,5%. Essa avassaladora padronização de oferta, significa um óbvio empobrecimento cultural. Além de ser um abuso de poder econômico por que eleva exponencialmente os custos de lançamento, exclui a concorrência e é a maior causa do market share do “filme médio” ter desabado de 30% para 6% em cinco anos. E se a pequena produção autoral pode sobreviver em nichos do mercado, para o “filme médio” o nicho é um gueto que o inviabiliza economicamente.
Essa situação ocorre com a supervisão complacente da ANCINE, a agência que supostamente deveria regular o mercado, zelar pela diversidade cultural e condições equilibradas de competição.
É claro que em São Paulo, a maior praça cinematográfica do país, com cerca de 300 salas, existem cinemas com programações mais diversificadas. Os mais conhecidos pertencem ao ainda pequeno mas próspero Grupo Espaço que, mesmo em seus cinemas de shopping dificilmente ocupa mais de 20% das salas com o mesmo título, e programa inclusive obras alternativas, provando que é possível conciliar diversidade de programação e rentabilidade. O mesmo acontece com o Reserva Cultural, da distribuidora Imovision, e algumas outras poucas salas. Mas são uma minoria absoluta.
Nesse cenário surgem casos intrigantes. Talvez o maior fenômeno cinematográfico nacional do ano tenha sido Cine Holliúdi, pequena produção cearense que teve um lançamento inovador, programado pela distribuidora nacional Downtown. O filme foi lançado regionalmente, primeiro no Nordeste, e bateu todos os recordes locais de bilheteria, com média de público por sala superior à de Titanic. Porém, ao estrear em São Paulo, que dizem ser a segunda maior cidade de população nordestina do país, na mesma semana que nosso hipotético casal foi ao cinema, Cine Holliúdi entrou em cartaz em apenas 9 salas, sendo que em 5 delas só em metade das sessões, majoritariamente à tarde. E claro, afundou.
O fato é que os grandes grupos exibidores, que no caso paulistano, não só dominam 80% do circuito mas também têm programação altamente concentrada, na prática bloqueiam tanto o aumento de participação no mercado dos filmes brasileiros, quanto a diversidade da programação. Porém, parecem atuar em perfeita sintonia com as grandes distribuidoras norte-americanas, as majors, agrupadas na MPAA, Motion Pictures Association of America.
Com a ressalva de que ainda não entraram em cartaz os blockbusters de Natal, que devem agravar ainda mais esse quadro, salta aos olhos a diferença de patamar entre as dez maiores estreias hollywoodianas, ocupando, nos respectivos lançamentos, faixa de 19% a 46% de todo o parque exibidor, e as dez maiores estreias brasileiras, que ocuparam de 12% a 20%. Nesse sentido, é louvável o desempenho dos filmes nacionais lançados nos “intervalos” dos mega lançamentos norte-americanos. Mas sem regulação efetiva que diminua a ocupação excessiva de salas pelo mesmo filme, tanto fora quanto dentro dos multiplex, dificilmente haverá espaço para aumentar o market share da produção nacional, ou que mais filmes possam realmente disputar a preferência do público.
Pode haver exceções, mas mesmo com recursos incentivados é estratégia arriscada tentar competir com os lançamentos das majors. Porque elas trabalham em escala global e os filmes brasileiros precisam se viabilizar dentro de nosso próprio mercado, do qual nos cabe só uma fatia fina.
Por isso, enquanto não se limitar o abuso de poder econômico na ocupação do circuito exibidor, o cinema brasileiro continuará perpetuamente dependente dos recursos públicos. E, embora o Brasil seja atualmente o décimo mercado cinematográfico mundial, a maior parte desse “bolo” continuará a ser devorada pelos nossos hóspedes mais privilegiados.
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