Foi o repórter João Paulo Saconi, da coluna de Lauro Jardim, em O Globo, o primeiro a descortinar a batalha mais renhida que ocorre no Palácio do Planalto nestes tempos. Não se trata das desavenças entre os ministros Rui Costa e Fernando Haddad, nem das brigas do governo com Arthur Lira, o presidente da Câmara. O embate mais duro, embora silencioso, acontece na Secretaria de Comunicação da presidência e envolve a primeira-dama, Janja Lula da Silva, que deseja assumir a gestão das redes sociais do presidente, em especial sua conta no Instagram.
Para alcançar seu objetivo, Janja tem de ultrapassar um obstáculo incansável chamado Ricardo Stuckert, o fotógrafo oficial de Lula desde seu primeiro dia como presidente da República, em janeiro de 2003. Stuckert não apenas exerceu um quase monopólio sobre a imagem de Lula nos últimos vinte anos como também conduziu a forma como o petista se apresenta nas redes sociais. Quando Lula deixou o Palácio do Planalto, em 2010, o Instagram era uma pequena startup. Stuckert criou uma conta para o então ex-presidente e a alimentou mesmo nos períodos bicudos, como durante os 580 dias em que ele esteve na prisão. O fotógrafo ficava em Curitiba junto aos militantes que faziam vigília em frente à sede da Polícia Federal. Transformava o acampamento em conteúdo para as redes do petista.
Com a vitória de Lula, Stuckert ganhou cargo de secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual. Na prática, continua fotografando cada passo do presidente. Avisou logo de cara à Secom que permaneceria cuidando das redes de Lula, fosse qual fosse a estratégia da secretaria. Dada a proximidade de Stuckert com o presidente, o ministro da Secom, Paulo Pimenta, não ousou contestar a decisão do fotógrafo, que jamais colocou o tema em discussão. Pimenta também trabalha sob o escrutínio de Janja, que dá ordens sobre como o ministro deve agir e costuma pressioná-lo quando alguma reportagem na imprensa sobre ela a desagrada.
No Instagram, Stuckert costuma publicar vídeos e imagens factuais do presidente em agendas de trabalho, sempre priorizando ângulos que demonstrem suas características de líder. Agora, diante da pressão da primeira-dama pelo comando das senhas das redes (que ninguém, além da equipe de Stuckert, sabe quais são), o fotógrafo aumentou as postagens de cenas do presidente realizando atividades comuns, como a prática esportiva, a exemplo de um vídeo divulgado na manhã da última quarta-feira (20). No mesmo dia, a imagem divulgada por Stuckert foi usada pela equipe de Janja para produzir uma animação em que o presidente se exercitava. O filme apareceu nas redes da primeira-dama, mas não nas de Lula.
Brunna Rosa, da equipe de Janja e potencial nova gestora dos perfis online de “Lula”, deu mostras do que sabe fazer – e o resultado polarizou opiniões. Saiu de sua equipe, com o aval de Janja, a postagem da página do governo federal que usava a expressão “toc toc toc” para falar de uma campanha de combate à dengue. A publicação foi feita justamente no dia em que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi alvo de uma operação de busca e apreensão [a expressão “toc toc toc” virou um meme nas redes sociais para se referir à polícia batendo na porta da casa de alguém]. Como se tratava de uma conta institucional e de um assunto sério – a dengue –, até o PT classificou a piada como “sem graça”. Rosa já comanda algumas contas do governo nas redes.
Stuckert e Janja conviviam como bons companheiros durante a campanha eleitoral, em 2022. Eram aliados. A relação azedou no ano passado, quando a primeira-dama passou a restringir as entradas no gabinete presidencial, o que reduziu o acesso do fotógrafo a Lula. Até então, ele tinha carta branca para entrar sempre que quisesse. A primeira-dama também foi às redes fazer críticas públicas ao tom azulado das imagens de Stuckert, resultado de uma função automática de sua máquina Canon, que realça os tons brancos da imagem.
Quando Lula se lançou à presidência e contratou uma equipe para elaborar sua campanha, Stuckert não aceitou abrir mão das redes sociais. Janja também estava na jogada. Embora estivesse ocupada cuidando do engajamento da classe artística em torno de Lula, mantinha um olho na comunicação por meio de Brunna Rosa, profissional de sua confiança que já trabalhou com Franklin Martins (ministro-chefe da Secom entre 2007 e 2011) e que criou o “lulaverso”, um conjunto de imagens e animações sobre Lula com uma estética jovem, misturando referências de videogames, desenhos animados e memes. A ideia era atrair o público jovem para a campanha, mas a empreitada nunca emplacou, de fato.
Os marqueteiros encarregados da campanha, capitaneados por Sidônio Palmeira, se equilibravam entre as vontades de Janja e os impasses criados por Stuckert nas redes sociais. O fotógrafo, por exemplo, avisou que seria ele quem operaria a câmera nas gravações de Lula para as inserções na tevê e passou a dar palpites ocasionais como se fosse o diretor de fotografia da campanha, cargo que nunca ocupou formalmente. Nenhum vídeo saía nas redes sociais sem sua aprovação. Toda a captação de imagem de Lula nos comícios era feita por seus subordinados, sem ingerência do marketing político. Como cabia a Stuckert fotografar os comícios, muitas vezes o material para as redes ficava embargado até que o evento terminasse e ele tivesse tempo de aprovar os vídeos. O fotógrafo tinha poder de veto e autonomia total. Tudo indica que as coisas devem mudar.
No episódio publicado nesta sexta-feira (22), o podcast Foro de Teresina conta os bastidores dessa disputa. Ouça aqui.